‘Olavo de Carvalho tinha razão’, diz Francisco Bosco sobre a esquerda nas universidades


Ensaísta e integrante do ‘Papo de Segunda’ lança ‘Meia Palavra Basta’, com aforismos sobre intolerância, relacionamentos, futebol e religião, entre outros assuntos, e fala, nesta entrevista, sobre elitização do debate intelectual, ‘intelectofobia’, fake news e monogamia

Por Gabriel Zorzetto
Atualização:
Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Entrevista comFrancisco BoscoFilósofo e escritor

Francisco Bosco, 47, é um intelectual que tem o dom de se comunicar com as massas, qualidade cristalizada nos seus vários livros publicados e também nas suas participações no programa Papo de Segunda, do canal GNT, o qual ele integra desde 2018 e cuja temporada atual apresentou um novo elenco: além de Bosco, estão Russo Passapusso, Eduardo Sterblitch e o apresentador João Vicente de Castro.

Filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco e ensaísta com doutorado em literatura, Francisco já foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2015 e 2016, mas entregou o cargo depois de Michel Temer assumir a presidência da República de forma interina.

Seus livros mais recentes, A Vítima Tem Sempre Razão? (2017) e O Diálogo Possível (2022), tinham proporcionado debates mais canalizados à esfera política. Agora, no novo trabalho Meia Palavra Basta, o autor carioca fornece uma coleção descontraída de aforismos sobre os mais variados assuntos do cotidiano como relacionamentos, sexo, intolerância, futebol, religião, paternidade, entre outros.

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Leia também: A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Ao Estadão, por telefone, Bosco expandiu alguns dos temas que inspiram esses textos curtos que, segundo ele, são “profundidades sem aprofundamento” reunidas em um livro sem “nenhuma utilidade”, mas cuja legitimidade é um “prazer desinteressado” do leitor.

Você se define como intelectual. Não acha que a maioria das pessoas pode ter um ranço dessa palavra e associar a um certo tipo de arrogância?

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Eu me defino como intelectual público, diferente do intelectual acadêmico, que é aquele cuja produção costuma ficar circunscrita aos limites da universidade. O intelectual público é aquele que, tendo tido estudos formais ou não, tem uma ação discursiva que vai para além da universidade e adentra a cultura. Você fez uma observação muito pertinente e que deve obrigar os intelectuais a repensarem o seu lugar na contemporaneidade. No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra ‘intelectual’ hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos ‘intelectofóbicos’ não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica.

No livro, você escreve: ‘Ninguém é moralmente obrigado a ser herói. Ninguém deve ser moralmente condenado por não ser herói’ – tragédias como a do RS acabam despertando julgamentos desse tipo?

Esse aforismo vem de leituras que eu faço no campo da filosofia da justiça. Então, essa figura do herói para o jargão na teoria da justiça seria o ato supererrogatório, que é um ato que vai para além do que seria o dever do sujeito. O dever do sujeito é um dever de agir com justiça, seja perante a lei, seja perante certa expectativa moral. A figura do herói é a figura que, além de fazer isso, sacrifica a sua própria vida ou reputação, em nome do bem comum. Então, o herói é aquele que faz mais do que a obrigação. O que estamos vendo no RS, sem dúvida alguma, é um conjunto admirável de heróis ou atos supererrogatórios, se você quiser. As pessoas são moralmente obrigadas a serem heróis? Não são, mas elas ganharão a recompensa do reconhecimento coletivo pelo que estão fazendo.

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Eduardo Sterblitch, Francisco Bosco, Russo Passapusso e João Vicente formam o novo elenco do 'Papo de Segunda' Foto: Guto Costa/Divulgação

‘O grande problema da militância contemporânea é o fato de ela ser uma militância digital’ – acha que as redes sociais desvirtuam os ideais de um militante?

O debate público é justamente o lugar onde pessoas de direita, de esquerda, cristãos, candomblecistas, ateus, etc, vão debater os problemas sociais. E as pessoas têm que participar disso de boa fé. O que aconteceu desde a emergência dos algoritmos nas redes sociais é que as pessoas estão organizadas largamente em grupos identitários. Então, de novo, na tragédia do RS o que você vê do ponto de vista das disputas nas redes? Há um grupo de direita que procura criticar o Estado, não importa se com argumentos verdadeiros ou com fake news, enquanto a esquerda fica tentando também disputar o episódio e puxar a sardinha para o seu lado. Isso está degradando o debate público.

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Sobre brigas de torcida, você diz ‘ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus’ – isso vale também para a política, certo? O Estado deveria intervir?

Esse aforismo não é sobre futebol, ele é sobre a lógica de grupo. O princípio das torcidas organizadas é rigorosamente o mesmo princípio das lógicas de grupo político-ideológicas nas redes sociais. É a mesma coisa. O Estado deve intervir? Eu acho que sim. Nós estamos atrasados no Brasil no sentido de uma legislação que seja capaz de tornar os algoritmos mais transparentes e dotá-los de maior responsabilidade. Essa legislação é muito sensível, porque não é fácil fazer isso sem violar princípios de liberdade individual. Para termos esse debate, precisaríamos de um congresso e de uma sociedade despolarizada. É justamente o que não temos.

‘Os intelectuais traíam seu compromisso com a interpretação honesta da realidade por se engajarem em projetos políticos e serem bafejados com as benesses do poder do Estado’ – teria esse trecho do livro elementos autobiográficos, haja vista que você teve um cargo na Funarte?

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Mesmo antes era das redes sociais, a maior tentação do intelectual sempre foi o poder do Estado. No momento em que um intelectual vai para um governo, ele deixa de ser um intelectual, porque ele perde a capacidade de criticar o governo. Eu fui um crítico do PT, mas apesar disso fui convidado para o segundo governo Dilma. E enquanto participei do governo considero que as minhas funções como intelectual público estiveram comprometidas. Isso não significa que o intelectual público não deva fazer parte de um governo. Tenho muito orgulho de ter servido durante esse, infelizmente, breve período.

Escritor e filósofo Francisco Bosco, em sua casa zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Por que a monogamia é tão exigida, mas ao mesmo tempo tão descumprida na sociedade atual?

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A forma do casamento, tal como conhecemos hoje, é uma forma histórica que basicamente consiste na tentativa de conciliar os seguintes fatores: exclusividade sexual, duração no tempo e constituição de família. Então, por que a monogamia é difícil? Porque o casamento tende a esvaziar o desejo sexual. Ocorre que todos nós temos os nossos narcisismos. Quando você ama alguém, é muito importante ter o reconhecimento do outro e no casamento isso ocupa grande parte da sua autoestima. E quando essa pessoa com quem você está tem desejo sexual por outra pessoa, nos sentimos eclipsados. É como se aquele Sol que nos ilumina, que ilumina o nosso narcisismo, entre esse Sol e nós, tivesse interposto um outro satélite, que nos faz sombra. Então, a monogamia, tem essa função de proteger o narcisismo dos envolvidos. E por que essa contradição não pode ser explicitada? Porque no momento em que você tem uma conversa com o seu parceiro sobre não serem mais monogâmicos, abre a janela para uma ferida narcísica que dá medo nas pessoas.

A maior parte das pessoas prefere fazer um acordo monogâmico e, como é na maioria dos casos, trair sem deixar isso claro. Isso é hipocrisia.

Francisco Bosco

‘O amor gosta de se relacionar com o lado conhecido do outro; o sexo, com o desconhecido’ – por que o lado misterioso é mais atraente?

Todas as evidências apontam para que o amor se nutre da intimidade, daquilo que se conhece no outro. O amor tenta transformar tudo em doméstico, no sentido do domo, da casa. Pensa em uma espécie de iconografia diária do amor: dormir de conchinha, cafezinho junto, assistir série. O desejo não se estimula por essas cenas. O desejo é atraído pelo que lhe falta. Por isso que o desejo humano é inesgotável.

Você escreve: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo’. Por quê?

Esse livro joga com diferentes tradições desse gênero literário, o aforismo. Entre essas tradições tem aquela do humor, do chiste, e que no Brasil tem um representante enorme: o Millôr Fernandes. Nesses aforismos de humor, a forma é mais importante que a verdade. Esse aforismo tem uma primeira frase, que na verdade só se vai resolver na sequência: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo, a primeira é o ménage’. Eu não acho que o sexo seja superestimado. O ménage sim, sem dúvida. Tem alguém que já disse que ninguém goza em suruba. É verdade. Na suruba, o ambiente é que é interessante, a coisa de uma transgressão. Isso é que dá desejo. Mas fora isso, ela é cheia de problemas, porque tem uma competição narcísica acontecendo. No ménage, a forma com três pessoas é a forma narcísica mais difícil, porque a tendência é alguém se sentir excluído.

Capa do livro 'Meia Palavra Basta' Foto: Editora Record/Divulgação

6 máximas de Francisco Bosco

  • “O que é um escritor? É quem enxerga o escuro com as luzes acesas.”
  • “Boa parte dos lacanianos não passaria numa daquelas singelas provas escolares cujo enunciado pede: ‘Explique com suas próprias palavras’.”
  • “A monogamia ocupa um lugar simbólico análogo ao das drogas na nossa sociedade: uma mistura de tabu e hipocrisia. As drogas, muita gente nega, mas quase todo mundo usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre.”
  • “Sublinhar livros tem ao menos três sentidos. O primeiro é de natureza pragmática: consolidar trechos importantes na memória. Os outros são de natureza psicológica: marcar o território, como um cachorro urina num poste; e dar a uma atividade em princípio improdutiva o salvo-conduto da produtividade (’eu me esforcei’, ‘eu trabalhei’).”
  • “Brigar por futebol parece a princípio a coisa mais estúpida do mundo: o time pelo qual você torce nada diz a seu respeito, defendê-lo não significa defender posições morais, políticas, culturais. Brigar por futebol seria então uma discórdia cheia de som e fúria significando nada – não fosse a notável e inglória capacidade que temos de transformar qualquer identificação em uma parte inegociável do nosso eu. Trocando em miúdos: ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus.”
  • “Situação clássica da irritação parental: quando os filhos choram ‘por bobagem’. E entretanto isso que é bobagem para nós não o é para eles, uma vez que em suas vidas não há ainda contas a pagar, problemas políticos a decifrar, filhos por educar. Logo, consequência clássica da punição parental: a culpa – dessa vez, justificada.”

Meia Palavra Basta

  • Autor: Francisco Bosco
  • Editora: Record (128 páginas; R$46)

Francisco Bosco, 47, é um intelectual que tem o dom de se comunicar com as massas, qualidade cristalizada nos seus vários livros publicados e também nas suas participações no programa Papo de Segunda, do canal GNT, o qual ele integra desde 2018 e cuja temporada atual apresentou um novo elenco: além de Bosco, estão Russo Passapusso, Eduardo Sterblitch e o apresentador João Vicente de Castro.

Filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco e ensaísta com doutorado em literatura, Francisco já foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2015 e 2016, mas entregou o cargo depois de Michel Temer assumir a presidência da República de forma interina.

Seus livros mais recentes, A Vítima Tem Sempre Razão? (2017) e O Diálogo Possível (2022), tinham proporcionado debates mais canalizados à esfera política. Agora, no novo trabalho Meia Palavra Basta, o autor carioca fornece uma coleção descontraída de aforismos sobre os mais variados assuntos do cotidiano como relacionamentos, sexo, intolerância, futebol, religião, paternidade, entre outros.

Leia também: A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Ao Estadão, por telefone, Bosco expandiu alguns dos temas que inspiram esses textos curtos que, segundo ele, são “profundidades sem aprofundamento” reunidas em um livro sem “nenhuma utilidade”, mas cuja legitimidade é um “prazer desinteressado” do leitor.

Você se define como intelectual. Não acha que a maioria das pessoas pode ter um ranço dessa palavra e associar a um certo tipo de arrogância?

Eu me defino como intelectual público, diferente do intelectual acadêmico, que é aquele cuja produção costuma ficar circunscrita aos limites da universidade. O intelectual público é aquele que, tendo tido estudos formais ou não, tem uma ação discursiva que vai para além da universidade e adentra a cultura. Você fez uma observação muito pertinente e que deve obrigar os intelectuais a repensarem o seu lugar na contemporaneidade. No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra ‘intelectual’ hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos ‘intelectofóbicos’ não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica.

No livro, você escreve: ‘Ninguém é moralmente obrigado a ser herói. Ninguém deve ser moralmente condenado por não ser herói’ – tragédias como a do RS acabam despertando julgamentos desse tipo?

Esse aforismo vem de leituras que eu faço no campo da filosofia da justiça. Então, essa figura do herói para o jargão na teoria da justiça seria o ato supererrogatório, que é um ato que vai para além do que seria o dever do sujeito. O dever do sujeito é um dever de agir com justiça, seja perante a lei, seja perante certa expectativa moral. A figura do herói é a figura que, além de fazer isso, sacrifica a sua própria vida ou reputação, em nome do bem comum. Então, o herói é aquele que faz mais do que a obrigação. O que estamos vendo no RS, sem dúvida alguma, é um conjunto admirável de heróis ou atos supererrogatórios, se você quiser. As pessoas são moralmente obrigadas a serem heróis? Não são, mas elas ganharão a recompensa do reconhecimento coletivo pelo que estão fazendo.

Eduardo Sterblitch, Francisco Bosco, Russo Passapusso e João Vicente formam o novo elenco do 'Papo de Segunda' Foto: Guto Costa/Divulgação

‘O grande problema da militância contemporânea é o fato de ela ser uma militância digital’ – acha que as redes sociais desvirtuam os ideais de um militante?

O debate público é justamente o lugar onde pessoas de direita, de esquerda, cristãos, candomblecistas, ateus, etc, vão debater os problemas sociais. E as pessoas têm que participar disso de boa fé. O que aconteceu desde a emergência dos algoritmos nas redes sociais é que as pessoas estão organizadas largamente em grupos identitários. Então, de novo, na tragédia do RS o que você vê do ponto de vista das disputas nas redes? Há um grupo de direita que procura criticar o Estado, não importa se com argumentos verdadeiros ou com fake news, enquanto a esquerda fica tentando também disputar o episódio e puxar a sardinha para o seu lado. Isso está degradando o debate público.

Sobre brigas de torcida, você diz ‘ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus’ – isso vale também para a política, certo? O Estado deveria intervir?

Esse aforismo não é sobre futebol, ele é sobre a lógica de grupo. O princípio das torcidas organizadas é rigorosamente o mesmo princípio das lógicas de grupo político-ideológicas nas redes sociais. É a mesma coisa. O Estado deve intervir? Eu acho que sim. Nós estamos atrasados no Brasil no sentido de uma legislação que seja capaz de tornar os algoritmos mais transparentes e dotá-los de maior responsabilidade. Essa legislação é muito sensível, porque não é fácil fazer isso sem violar princípios de liberdade individual. Para termos esse debate, precisaríamos de um congresso e de uma sociedade despolarizada. É justamente o que não temos.

‘Os intelectuais traíam seu compromisso com a interpretação honesta da realidade por se engajarem em projetos políticos e serem bafejados com as benesses do poder do Estado’ – teria esse trecho do livro elementos autobiográficos, haja vista que você teve um cargo na Funarte?

Mesmo antes era das redes sociais, a maior tentação do intelectual sempre foi o poder do Estado. No momento em que um intelectual vai para um governo, ele deixa de ser um intelectual, porque ele perde a capacidade de criticar o governo. Eu fui um crítico do PT, mas apesar disso fui convidado para o segundo governo Dilma. E enquanto participei do governo considero que as minhas funções como intelectual público estiveram comprometidas. Isso não significa que o intelectual público não deva fazer parte de um governo. Tenho muito orgulho de ter servido durante esse, infelizmente, breve período.

Escritor e filósofo Francisco Bosco, em sua casa zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Por que a monogamia é tão exigida, mas ao mesmo tempo tão descumprida na sociedade atual?

A forma do casamento, tal como conhecemos hoje, é uma forma histórica que basicamente consiste na tentativa de conciliar os seguintes fatores: exclusividade sexual, duração no tempo e constituição de família. Então, por que a monogamia é difícil? Porque o casamento tende a esvaziar o desejo sexual. Ocorre que todos nós temos os nossos narcisismos. Quando você ama alguém, é muito importante ter o reconhecimento do outro e no casamento isso ocupa grande parte da sua autoestima. E quando essa pessoa com quem você está tem desejo sexual por outra pessoa, nos sentimos eclipsados. É como se aquele Sol que nos ilumina, que ilumina o nosso narcisismo, entre esse Sol e nós, tivesse interposto um outro satélite, que nos faz sombra. Então, a monogamia, tem essa função de proteger o narcisismo dos envolvidos. E por que essa contradição não pode ser explicitada? Porque no momento em que você tem uma conversa com o seu parceiro sobre não serem mais monogâmicos, abre a janela para uma ferida narcísica que dá medo nas pessoas.

A maior parte das pessoas prefere fazer um acordo monogâmico e, como é na maioria dos casos, trair sem deixar isso claro. Isso é hipocrisia.

Francisco Bosco

‘O amor gosta de se relacionar com o lado conhecido do outro; o sexo, com o desconhecido’ – por que o lado misterioso é mais atraente?

Todas as evidências apontam para que o amor se nutre da intimidade, daquilo que se conhece no outro. O amor tenta transformar tudo em doméstico, no sentido do domo, da casa. Pensa em uma espécie de iconografia diária do amor: dormir de conchinha, cafezinho junto, assistir série. O desejo não se estimula por essas cenas. O desejo é atraído pelo que lhe falta. Por isso que o desejo humano é inesgotável.

Você escreve: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo’. Por quê?

Esse livro joga com diferentes tradições desse gênero literário, o aforismo. Entre essas tradições tem aquela do humor, do chiste, e que no Brasil tem um representante enorme: o Millôr Fernandes. Nesses aforismos de humor, a forma é mais importante que a verdade. Esse aforismo tem uma primeira frase, que na verdade só se vai resolver na sequência: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo, a primeira é o ménage’. Eu não acho que o sexo seja superestimado. O ménage sim, sem dúvida. Tem alguém que já disse que ninguém goza em suruba. É verdade. Na suruba, o ambiente é que é interessante, a coisa de uma transgressão. Isso é que dá desejo. Mas fora isso, ela é cheia de problemas, porque tem uma competição narcísica acontecendo. No ménage, a forma com três pessoas é a forma narcísica mais difícil, porque a tendência é alguém se sentir excluído.

Capa do livro 'Meia Palavra Basta' Foto: Editora Record/Divulgação

6 máximas de Francisco Bosco

  • “O que é um escritor? É quem enxerga o escuro com as luzes acesas.”
  • “Boa parte dos lacanianos não passaria numa daquelas singelas provas escolares cujo enunciado pede: ‘Explique com suas próprias palavras’.”
  • “A monogamia ocupa um lugar simbólico análogo ao das drogas na nossa sociedade: uma mistura de tabu e hipocrisia. As drogas, muita gente nega, mas quase todo mundo usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre.”
  • “Sublinhar livros tem ao menos três sentidos. O primeiro é de natureza pragmática: consolidar trechos importantes na memória. Os outros são de natureza psicológica: marcar o território, como um cachorro urina num poste; e dar a uma atividade em princípio improdutiva o salvo-conduto da produtividade (’eu me esforcei’, ‘eu trabalhei’).”
  • “Brigar por futebol parece a princípio a coisa mais estúpida do mundo: o time pelo qual você torce nada diz a seu respeito, defendê-lo não significa defender posições morais, políticas, culturais. Brigar por futebol seria então uma discórdia cheia de som e fúria significando nada – não fosse a notável e inglória capacidade que temos de transformar qualquer identificação em uma parte inegociável do nosso eu. Trocando em miúdos: ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus.”
  • “Situação clássica da irritação parental: quando os filhos choram ‘por bobagem’. E entretanto isso que é bobagem para nós não o é para eles, uma vez que em suas vidas não há ainda contas a pagar, problemas políticos a decifrar, filhos por educar. Logo, consequência clássica da punição parental: a culpa – dessa vez, justificada.”

Meia Palavra Basta

  • Autor: Francisco Bosco
  • Editora: Record (128 páginas; R$46)

Francisco Bosco, 47, é um intelectual que tem o dom de se comunicar com as massas, qualidade cristalizada nos seus vários livros publicados e também nas suas participações no programa Papo de Segunda, do canal GNT, o qual ele integra desde 2018 e cuja temporada atual apresentou um novo elenco: além de Bosco, estão Russo Passapusso, Eduardo Sterblitch e o apresentador João Vicente de Castro.

Filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco e ensaísta com doutorado em literatura, Francisco já foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2015 e 2016, mas entregou o cargo depois de Michel Temer assumir a presidência da República de forma interina.

Seus livros mais recentes, A Vítima Tem Sempre Razão? (2017) e O Diálogo Possível (2022), tinham proporcionado debates mais canalizados à esfera política. Agora, no novo trabalho Meia Palavra Basta, o autor carioca fornece uma coleção descontraída de aforismos sobre os mais variados assuntos do cotidiano como relacionamentos, sexo, intolerância, futebol, religião, paternidade, entre outros.

Leia também: A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Ao Estadão, por telefone, Bosco expandiu alguns dos temas que inspiram esses textos curtos que, segundo ele, são “profundidades sem aprofundamento” reunidas em um livro sem “nenhuma utilidade”, mas cuja legitimidade é um “prazer desinteressado” do leitor.

Você se define como intelectual. Não acha que a maioria das pessoas pode ter um ranço dessa palavra e associar a um certo tipo de arrogância?

Eu me defino como intelectual público, diferente do intelectual acadêmico, que é aquele cuja produção costuma ficar circunscrita aos limites da universidade. O intelectual público é aquele que, tendo tido estudos formais ou não, tem uma ação discursiva que vai para além da universidade e adentra a cultura. Você fez uma observação muito pertinente e que deve obrigar os intelectuais a repensarem o seu lugar na contemporaneidade. No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra ‘intelectual’ hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos ‘intelectofóbicos’ não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica.

No livro, você escreve: ‘Ninguém é moralmente obrigado a ser herói. Ninguém deve ser moralmente condenado por não ser herói’ – tragédias como a do RS acabam despertando julgamentos desse tipo?

Esse aforismo vem de leituras que eu faço no campo da filosofia da justiça. Então, essa figura do herói para o jargão na teoria da justiça seria o ato supererrogatório, que é um ato que vai para além do que seria o dever do sujeito. O dever do sujeito é um dever de agir com justiça, seja perante a lei, seja perante certa expectativa moral. A figura do herói é a figura que, além de fazer isso, sacrifica a sua própria vida ou reputação, em nome do bem comum. Então, o herói é aquele que faz mais do que a obrigação. O que estamos vendo no RS, sem dúvida alguma, é um conjunto admirável de heróis ou atos supererrogatórios, se você quiser. As pessoas são moralmente obrigadas a serem heróis? Não são, mas elas ganharão a recompensa do reconhecimento coletivo pelo que estão fazendo.

Eduardo Sterblitch, Francisco Bosco, Russo Passapusso e João Vicente formam o novo elenco do 'Papo de Segunda' Foto: Guto Costa/Divulgação

‘O grande problema da militância contemporânea é o fato de ela ser uma militância digital’ – acha que as redes sociais desvirtuam os ideais de um militante?

O debate público é justamente o lugar onde pessoas de direita, de esquerda, cristãos, candomblecistas, ateus, etc, vão debater os problemas sociais. E as pessoas têm que participar disso de boa fé. O que aconteceu desde a emergência dos algoritmos nas redes sociais é que as pessoas estão organizadas largamente em grupos identitários. Então, de novo, na tragédia do RS o que você vê do ponto de vista das disputas nas redes? Há um grupo de direita que procura criticar o Estado, não importa se com argumentos verdadeiros ou com fake news, enquanto a esquerda fica tentando também disputar o episódio e puxar a sardinha para o seu lado. Isso está degradando o debate público.

Sobre brigas de torcida, você diz ‘ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus’ – isso vale também para a política, certo? O Estado deveria intervir?

Esse aforismo não é sobre futebol, ele é sobre a lógica de grupo. O princípio das torcidas organizadas é rigorosamente o mesmo princípio das lógicas de grupo político-ideológicas nas redes sociais. É a mesma coisa. O Estado deve intervir? Eu acho que sim. Nós estamos atrasados no Brasil no sentido de uma legislação que seja capaz de tornar os algoritmos mais transparentes e dotá-los de maior responsabilidade. Essa legislação é muito sensível, porque não é fácil fazer isso sem violar princípios de liberdade individual. Para termos esse debate, precisaríamos de um congresso e de uma sociedade despolarizada. É justamente o que não temos.

‘Os intelectuais traíam seu compromisso com a interpretação honesta da realidade por se engajarem em projetos políticos e serem bafejados com as benesses do poder do Estado’ – teria esse trecho do livro elementos autobiográficos, haja vista que você teve um cargo na Funarte?

Mesmo antes era das redes sociais, a maior tentação do intelectual sempre foi o poder do Estado. No momento em que um intelectual vai para um governo, ele deixa de ser um intelectual, porque ele perde a capacidade de criticar o governo. Eu fui um crítico do PT, mas apesar disso fui convidado para o segundo governo Dilma. E enquanto participei do governo considero que as minhas funções como intelectual público estiveram comprometidas. Isso não significa que o intelectual público não deva fazer parte de um governo. Tenho muito orgulho de ter servido durante esse, infelizmente, breve período.

Escritor e filósofo Francisco Bosco, em sua casa zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Por que a monogamia é tão exigida, mas ao mesmo tempo tão descumprida na sociedade atual?

A forma do casamento, tal como conhecemos hoje, é uma forma histórica que basicamente consiste na tentativa de conciliar os seguintes fatores: exclusividade sexual, duração no tempo e constituição de família. Então, por que a monogamia é difícil? Porque o casamento tende a esvaziar o desejo sexual. Ocorre que todos nós temos os nossos narcisismos. Quando você ama alguém, é muito importante ter o reconhecimento do outro e no casamento isso ocupa grande parte da sua autoestima. E quando essa pessoa com quem você está tem desejo sexual por outra pessoa, nos sentimos eclipsados. É como se aquele Sol que nos ilumina, que ilumina o nosso narcisismo, entre esse Sol e nós, tivesse interposto um outro satélite, que nos faz sombra. Então, a monogamia, tem essa função de proteger o narcisismo dos envolvidos. E por que essa contradição não pode ser explicitada? Porque no momento em que você tem uma conversa com o seu parceiro sobre não serem mais monogâmicos, abre a janela para uma ferida narcísica que dá medo nas pessoas.

A maior parte das pessoas prefere fazer um acordo monogâmico e, como é na maioria dos casos, trair sem deixar isso claro. Isso é hipocrisia.

Francisco Bosco

‘O amor gosta de se relacionar com o lado conhecido do outro; o sexo, com o desconhecido’ – por que o lado misterioso é mais atraente?

Todas as evidências apontam para que o amor se nutre da intimidade, daquilo que se conhece no outro. O amor tenta transformar tudo em doméstico, no sentido do domo, da casa. Pensa em uma espécie de iconografia diária do amor: dormir de conchinha, cafezinho junto, assistir série. O desejo não se estimula por essas cenas. O desejo é atraído pelo que lhe falta. Por isso que o desejo humano é inesgotável.

Você escreve: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo’. Por quê?

Esse livro joga com diferentes tradições desse gênero literário, o aforismo. Entre essas tradições tem aquela do humor, do chiste, e que no Brasil tem um representante enorme: o Millôr Fernandes. Nesses aforismos de humor, a forma é mais importante que a verdade. Esse aforismo tem uma primeira frase, que na verdade só se vai resolver na sequência: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo, a primeira é o ménage’. Eu não acho que o sexo seja superestimado. O ménage sim, sem dúvida. Tem alguém que já disse que ninguém goza em suruba. É verdade. Na suruba, o ambiente é que é interessante, a coisa de uma transgressão. Isso é que dá desejo. Mas fora isso, ela é cheia de problemas, porque tem uma competição narcísica acontecendo. No ménage, a forma com três pessoas é a forma narcísica mais difícil, porque a tendência é alguém se sentir excluído.

Capa do livro 'Meia Palavra Basta' Foto: Editora Record/Divulgação

6 máximas de Francisco Bosco

  • “O que é um escritor? É quem enxerga o escuro com as luzes acesas.”
  • “Boa parte dos lacanianos não passaria numa daquelas singelas provas escolares cujo enunciado pede: ‘Explique com suas próprias palavras’.”
  • “A monogamia ocupa um lugar simbólico análogo ao das drogas na nossa sociedade: uma mistura de tabu e hipocrisia. As drogas, muita gente nega, mas quase todo mundo usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre.”
  • “Sublinhar livros tem ao menos três sentidos. O primeiro é de natureza pragmática: consolidar trechos importantes na memória. Os outros são de natureza psicológica: marcar o território, como um cachorro urina num poste; e dar a uma atividade em princípio improdutiva o salvo-conduto da produtividade (’eu me esforcei’, ‘eu trabalhei’).”
  • “Brigar por futebol parece a princípio a coisa mais estúpida do mundo: o time pelo qual você torce nada diz a seu respeito, defendê-lo não significa defender posições morais, políticas, culturais. Brigar por futebol seria então uma discórdia cheia de som e fúria significando nada – não fosse a notável e inglória capacidade que temos de transformar qualquer identificação em uma parte inegociável do nosso eu. Trocando em miúdos: ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus.”
  • “Situação clássica da irritação parental: quando os filhos choram ‘por bobagem’. E entretanto isso que é bobagem para nós não o é para eles, uma vez que em suas vidas não há ainda contas a pagar, problemas políticos a decifrar, filhos por educar. Logo, consequência clássica da punição parental: a culpa – dessa vez, justificada.”

Meia Palavra Basta

  • Autor: Francisco Bosco
  • Editora: Record (128 páginas; R$46)

Francisco Bosco, 47, é um intelectual que tem o dom de se comunicar com as massas, qualidade cristalizada nos seus vários livros publicados e também nas suas participações no programa Papo de Segunda, do canal GNT, o qual ele integra desde 2018 e cuja temporada atual apresentou um novo elenco: além de Bosco, estão Russo Passapusso, Eduardo Sterblitch e o apresentador João Vicente de Castro.

Filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco e ensaísta com doutorado em literatura, Francisco já foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2015 e 2016, mas entregou o cargo depois de Michel Temer assumir a presidência da República de forma interina.

Seus livros mais recentes, A Vítima Tem Sempre Razão? (2017) e O Diálogo Possível (2022), tinham proporcionado debates mais canalizados à esfera política. Agora, no novo trabalho Meia Palavra Basta, o autor carioca fornece uma coleção descontraída de aforismos sobre os mais variados assuntos do cotidiano como relacionamentos, sexo, intolerância, futebol, religião, paternidade, entre outros.

Leia também: A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Ao Estadão, por telefone, Bosco expandiu alguns dos temas que inspiram esses textos curtos que, segundo ele, são “profundidades sem aprofundamento” reunidas em um livro sem “nenhuma utilidade”, mas cuja legitimidade é um “prazer desinteressado” do leitor.

Você se define como intelectual. Não acha que a maioria das pessoas pode ter um ranço dessa palavra e associar a um certo tipo de arrogância?

Eu me defino como intelectual público, diferente do intelectual acadêmico, que é aquele cuja produção costuma ficar circunscrita aos limites da universidade. O intelectual público é aquele que, tendo tido estudos formais ou não, tem uma ação discursiva que vai para além da universidade e adentra a cultura. Você fez uma observação muito pertinente e que deve obrigar os intelectuais a repensarem o seu lugar na contemporaneidade. No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra ‘intelectual’ hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos ‘intelectofóbicos’ não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica.

No livro, você escreve: ‘Ninguém é moralmente obrigado a ser herói. Ninguém deve ser moralmente condenado por não ser herói’ – tragédias como a do RS acabam despertando julgamentos desse tipo?

Esse aforismo vem de leituras que eu faço no campo da filosofia da justiça. Então, essa figura do herói para o jargão na teoria da justiça seria o ato supererrogatório, que é um ato que vai para além do que seria o dever do sujeito. O dever do sujeito é um dever de agir com justiça, seja perante a lei, seja perante certa expectativa moral. A figura do herói é a figura que, além de fazer isso, sacrifica a sua própria vida ou reputação, em nome do bem comum. Então, o herói é aquele que faz mais do que a obrigação. O que estamos vendo no RS, sem dúvida alguma, é um conjunto admirável de heróis ou atos supererrogatórios, se você quiser. As pessoas são moralmente obrigadas a serem heróis? Não são, mas elas ganharão a recompensa do reconhecimento coletivo pelo que estão fazendo.

Eduardo Sterblitch, Francisco Bosco, Russo Passapusso e João Vicente formam o novo elenco do 'Papo de Segunda' Foto: Guto Costa/Divulgação

‘O grande problema da militância contemporânea é o fato de ela ser uma militância digital’ – acha que as redes sociais desvirtuam os ideais de um militante?

O debate público é justamente o lugar onde pessoas de direita, de esquerda, cristãos, candomblecistas, ateus, etc, vão debater os problemas sociais. E as pessoas têm que participar disso de boa fé. O que aconteceu desde a emergência dos algoritmos nas redes sociais é que as pessoas estão organizadas largamente em grupos identitários. Então, de novo, na tragédia do RS o que você vê do ponto de vista das disputas nas redes? Há um grupo de direita que procura criticar o Estado, não importa se com argumentos verdadeiros ou com fake news, enquanto a esquerda fica tentando também disputar o episódio e puxar a sardinha para o seu lado. Isso está degradando o debate público.

Sobre brigas de torcida, você diz ‘ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus’ – isso vale também para a política, certo? O Estado deveria intervir?

Esse aforismo não é sobre futebol, ele é sobre a lógica de grupo. O princípio das torcidas organizadas é rigorosamente o mesmo princípio das lógicas de grupo político-ideológicas nas redes sociais. É a mesma coisa. O Estado deve intervir? Eu acho que sim. Nós estamos atrasados no Brasil no sentido de uma legislação que seja capaz de tornar os algoritmos mais transparentes e dotá-los de maior responsabilidade. Essa legislação é muito sensível, porque não é fácil fazer isso sem violar princípios de liberdade individual. Para termos esse debate, precisaríamos de um congresso e de uma sociedade despolarizada. É justamente o que não temos.

‘Os intelectuais traíam seu compromisso com a interpretação honesta da realidade por se engajarem em projetos políticos e serem bafejados com as benesses do poder do Estado’ – teria esse trecho do livro elementos autobiográficos, haja vista que você teve um cargo na Funarte?

Mesmo antes era das redes sociais, a maior tentação do intelectual sempre foi o poder do Estado. No momento em que um intelectual vai para um governo, ele deixa de ser um intelectual, porque ele perde a capacidade de criticar o governo. Eu fui um crítico do PT, mas apesar disso fui convidado para o segundo governo Dilma. E enquanto participei do governo considero que as minhas funções como intelectual público estiveram comprometidas. Isso não significa que o intelectual público não deva fazer parte de um governo. Tenho muito orgulho de ter servido durante esse, infelizmente, breve período.

Escritor e filósofo Francisco Bosco, em sua casa zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Por que a monogamia é tão exigida, mas ao mesmo tempo tão descumprida na sociedade atual?

A forma do casamento, tal como conhecemos hoje, é uma forma histórica que basicamente consiste na tentativa de conciliar os seguintes fatores: exclusividade sexual, duração no tempo e constituição de família. Então, por que a monogamia é difícil? Porque o casamento tende a esvaziar o desejo sexual. Ocorre que todos nós temos os nossos narcisismos. Quando você ama alguém, é muito importante ter o reconhecimento do outro e no casamento isso ocupa grande parte da sua autoestima. E quando essa pessoa com quem você está tem desejo sexual por outra pessoa, nos sentimos eclipsados. É como se aquele Sol que nos ilumina, que ilumina o nosso narcisismo, entre esse Sol e nós, tivesse interposto um outro satélite, que nos faz sombra. Então, a monogamia, tem essa função de proteger o narcisismo dos envolvidos. E por que essa contradição não pode ser explicitada? Porque no momento em que você tem uma conversa com o seu parceiro sobre não serem mais monogâmicos, abre a janela para uma ferida narcísica que dá medo nas pessoas.

A maior parte das pessoas prefere fazer um acordo monogâmico e, como é na maioria dos casos, trair sem deixar isso claro. Isso é hipocrisia.

Francisco Bosco

‘O amor gosta de se relacionar com o lado conhecido do outro; o sexo, com o desconhecido’ – por que o lado misterioso é mais atraente?

Todas as evidências apontam para que o amor se nutre da intimidade, daquilo que se conhece no outro. O amor tenta transformar tudo em doméstico, no sentido do domo, da casa. Pensa em uma espécie de iconografia diária do amor: dormir de conchinha, cafezinho junto, assistir série. O desejo não se estimula por essas cenas. O desejo é atraído pelo que lhe falta. Por isso que o desejo humano é inesgotável.

Você escreve: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo’. Por quê?

Esse livro joga com diferentes tradições desse gênero literário, o aforismo. Entre essas tradições tem aquela do humor, do chiste, e que no Brasil tem um representante enorme: o Millôr Fernandes. Nesses aforismos de humor, a forma é mais importante que a verdade. Esse aforismo tem uma primeira frase, que na verdade só se vai resolver na sequência: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo, a primeira é o ménage’. Eu não acho que o sexo seja superestimado. O ménage sim, sem dúvida. Tem alguém que já disse que ninguém goza em suruba. É verdade. Na suruba, o ambiente é que é interessante, a coisa de uma transgressão. Isso é que dá desejo. Mas fora isso, ela é cheia de problemas, porque tem uma competição narcísica acontecendo. No ménage, a forma com três pessoas é a forma narcísica mais difícil, porque a tendência é alguém se sentir excluído.

Capa do livro 'Meia Palavra Basta' Foto: Editora Record/Divulgação

6 máximas de Francisco Bosco

  • “O que é um escritor? É quem enxerga o escuro com as luzes acesas.”
  • “Boa parte dos lacanianos não passaria numa daquelas singelas provas escolares cujo enunciado pede: ‘Explique com suas próprias palavras’.”
  • “A monogamia ocupa um lugar simbólico análogo ao das drogas na nossa sociedade: uma mistura de tabu e hipocrisia. As drogas, muita gente nega, mas quase todo mundo usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre.”
  • “Sublinhar livros tem ao menos três sentidos. O primeiro é de natureza pragmática: consolidar trechos importantes na memória. Os outros são de natureza psicológica: marcar o território, como um cachorro urina num poste; e dar a uma atividade em princípio improdutiva o salvo-conduto da produtividade (’eu me esforcei’, ‘eu trabalhei’).”
  • “Brigar por futebol parece a princípio a coisa mais estúpida do mundo: o time pelo qual você torce nada diz a seu respeito, defendê-lo não significa defender posições morais, políticas, culturais. Brigar por futebol seria então uma discórdia cheia de som e fúria significando nada – não fosse a notável e inglória capacidade que temos de transformar qualquer identificação em uma parte inegociável do nosso eu. Trocando em miúdos: ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus.”
  • “Situação clássica da irritação parental: quando os filhos choram ‘por bobagem’. E entretanto isso que é bobagem para nós não o é para eles, uma vez que em suas vidas não há ainda contas a pagar, problemas políticos a decifrar, filhos por educar. Logo, consequência clássica da punição parental: a culpa – dessa vez, justificada.”

Meia Palavra Basta

  • Autor: Francisco Bosco
  • Editora: Record (128 páginas; R$46)

Francisco Bosco, 47, é um intelectual que tem o dom de se comunicar com as massas, qualidade cristalizada nos seus vários livros publicados e também nas suas participações no programa Papo de Segunda, do canal GNT, o qual ele integra desde 2018 e cuja temporada atual apresentou um novo elenco: além de Bosco, estão Russo Passapusso, Eduardo Sterblitch e o apresentador João Vicente de Castro.

Filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco e ensaísta com doutorado em literatura, Francisco já foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2015 e 2016, mas entregou o cargo depois de Michel Temer assumir a presidência da República de forma interina.

Seus livros mais recentes, A Vítima Tem Sempre Razão? (2017) e O Diálogo Possível (2022), tinham proporcionado debates mais canalizados à esfera política. Agora, no novo trabalho Meia Palavra Basta, o autor carioca fornece uma coleção descontraída de aforismos sobre os mais variados assuntos do cotidiano como relacionamentos, sexo, intolerância, futebol, religião, paternidade, entre outros.

Leia também: A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Ao Estadão, por telefone, Bosco expandiu alguns dos temas que inspiram esses textos curtos que, segundo ele, são “profundidades sem aprofundamento” reunidas em um livro sem “nenhuma utilidade”, mas cuja legitimidade é um “prazer desinteressado” do leitor.

Você se define como intelectual. Não acha que a maioria das pessoas pode ter um ranço dessa palavra e associar a um certo tipo de arrogância?

Eu me defino como intelectual público, diferente do intelectual acadêmico, que é aquele cuja produção costuma ficar circunscrita aos limites da universidade. O intelectual público é aquele que, tendo tido estudos formais ou não, tem uma ação discursiva que vai para além da universidade e adentra a cultura. Você fez uma observação muito pertinente e que deve obrigar os intelectuais a repensarem o seu lugar na contemporaneidade. No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra ‘intelectual’ hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos ‘intelectofóbicos’ não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica.

No livro, você escreve: ‘Ninguém é moralmente obrigado a ser herói. Ninguém deve ser moralmente condenado por não ser herói’ – tragédias como a do RS acabam despertando julgamentos desse tipo?

Esse aforismo vem de leituras que eu faço no campo da filosofia da justiça. Então, essa figura do herói para o jargão na teoria da justiça seria o ato supererrogatório, que é um ato que vai para além do que seria o dever do sujeito. O dever do sujeito é um dever de agir com justiça, seja perante a lei, seja perante certa expectativa moral. A figura do herói é a figura que, além de fazer isso, sacrifica a sua própria vida ou reputação, em nome do bem comum. Então, o herói é aquele que faz mais do que a obrigação. O que estamos vendo no RS, sem dúvida alguma, é um conjunto admirável de heróis ou atos supererrogatórios, se você quiser. As pessoas são moralmente obrigadas a serem heróis? Não são, mas elas ganharão a recompensa do reconhecimento coletivo pelo que estão fazendo.

Eduardo Sterblitch, Francisco Bosco, Russo Passapusso e João Vicente formam o novo elenco do 'Papo de Segunda' Foto: Guto Costa/Divulgação

‘O grande problema da militância contemporânea é o fato de ela ser uma militância digital’ – acha que as redes sociais desvirtuam os ideais de um militante?

O debate público é justamente o lugar onde pessoas de direita, de esquerda, cristãos, candomblecistas, ateus, etc, vão debater os problemas sociais. E as pessoas têm que participar disso de boa fé. O que aconteceu desde a emergência dos algoritmos nas redes sociais é que as pessoas estão organizadas largamente em grupos identitários. Então, de novo, na tragédia do RS o que você vê do ponto de vista das disputas nas redes? Há um grupo de direita que procura criticar o Estado, não importa se com argumentos verdadeiros ou com fake news, enquanto a esquerda fica tentando também disputar o episódio e puxar a sardinha para o seu lado. Isso está degradando o debate público.

Sobre brigas de torcida, você diz ‘ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus’ – isso vale também para a política, certo? O Estado deveria intervir?

Esse aforismo não é sobre futebol, ele é sobre a lógica de grupo. O princípio das torcidas organizadas é rigorosamente o mesmo princípio das lógicas de grupo político-ideológicas nas redes sociais. É a mesma coisa. O Estado deve intervir? Eu acho que sim. Nós estamos atrasados no Brasil no sentido de uma legislação que seja capaz de tornar os algoritmos mais transparentes e dotá-los de maior responsabilidade. Essa legislação é muito sensível, porque não é fácil fazer isso sem violar princípios de liberdade individual. Para termos esse debate, precisaríamos de um congresso e de uma sociedade despolarizada. É justamente o que não temos.

‘Os intelectuais traíam seu compromisso com a interpretação honesta da realidade por se engajarem em projetos políticos e serem bafejados com as benesses do poder do Estado’ – teria esse trecho do livro elementos autobiográficos, haja vista que você teve um cargo na Funarte?

Mesmo antes era das redes sociais, a maior tentação do intelectual sempre foi o poder do Estado. No momento em que um intelectual vai para um governo, ele deixa de ser um intelectual, porque ele perde a capacidade de criticar o governo. Eu fui um crítico do PT, mas apesar disso fui convidado para o segundo governo Dilma. E enquanto participei do governo considero que as minhas funções como intelectual público estiveram comprometidas. Isso não significa que o intelectual público não deva fazer parte de um governo. Tenho muito orgulho de ter servido durante esse, infelizmente, breve período.

Escritor e filósofo Francisco Bosco, em sua casa zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Por que a monogamia é tão exigida, mas ao mesmo tempo tão descumprida na sociedade atual?

A forma do casamento, tal como conhecemos hoje, é uma forma histórica que basicamente consiste na tentativa de conciliar os seguintes fatores: exclusividade sexual, duração no tempo e constituição de família. Então, por que a monogamia é difícil? Porque o casamento tende a esvaziar o desejo sexual. Ocorre que todos nós temos os nossos narcisismos. Quando você ama alguém, é muito importante ter o reconhecimento do outro e no casamento isso ocupa grande parte da sua autoestima. E quando essa pessoa com quem você está tem desejo sexual por outra pessoa, nos sentimos eclipsados. É como se aquele Sol que nos ilumina, que ilumina o nosso narcisismo, entre esse Sol e nós, tivesse interposto um outro satélite, que nos faz sombra. Então, a monogamia, tem essa função de proteger o narcisismo dos envolvidos. E por que essa contradição não pode ser explicitada? Porque no momento em que você tem uma conversa com o seu parceiro sobre não serem mais monogâmicos, abre a janela para uma ferida narcísica que dá medo nas pessoas.

A maior parte das pessoas prefere fazer um acordo monogâmico e, como é na maioria dos casos, trair sem deixar isso claro. Isso é hipocrisia.

Francisco Bosco

‘O amor gosta de se relacionar com o lado conhecido do outro; o sexo, com o desconhecido’ – por que o lado misterioso é mais atraente?

Todas as evidências apontam para que o amor se nutre da intimidade, daquilo que se conhece no outro. O amor tenta transformar tudo em doméstico, no sentido do domo, da casa. Pensa em uma espécie de iconografia diária do amor: dormir de conchinha, cafezinho junto, assistir série. O desejo não se estimula por essas cenas. O desejo é atraído pelo que lhe falta. Por isso que o desejo humano é inesgotável.

Você escreve: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo’. Por quê?

Esse livro joga com diferentes tradições desse gênero literário, o aforismo. Entre essas tradições tem aquela do humor, do chiste, e que no Brasil tem um representante enorme: o Millôr Fernandes. Nesses aforismos de humor, a forma é mais importante que a verdade. Esse aforismo tem uma primeira frase, que na verdade só se vai resolver na sequência: ‘A segunda coisa mais superestimada do mundo é o sexo, a primeira é o ménage’. Eu não acho que o sexo seja superestimado. O ménage sim, sem dúvida. Tem alguém que já disse que ninguém goza em suruba. É verdade. Na suruba, o ambiente é que é interessante, a coisa de uma transgressão. Isso é que dá desejo. Mas fora isso, ela é cheia de problemas, porque tem uma competição narcísica acontecendo. No ménage, a forma com três pessoas é a forma narcísica mais difícil, porque a tendência é alguém se sentir excluído.

Capa do livro 'Meia Palavra Basta' Foto: Editora Record/Divulgação

6 máximas de Francisco Bosco

  • “O que é um escritor? É quem enxerga o escuro com as luzes acesas.”
  • “Boa parte dos lacanianos não passaria numa daquelas singelas provas escolares cujo enunciado pede: ‘Explique com suas próprias palavras’.”
  • “A monogamia ocupa um lugar simbólico análogo ao das drogas na nossa sociedade: uma mistura de tabu e hipocrisia. As drogas, muita gente nega, mas quase todo mundo usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre.”
  • “Sublinhar livros tem ao menos três sentidos. O primeiro é de natureza pragmática: consolidar trechos importantes na memória. Os outros são de natureza psicológica: marcar o território, como um cachorro urina num poste; e dar a uma atividade em princípio improdutiva o salvo-conduto da produtividade (’eu me esforcei’, ‘eu trabalhei’).”
  • “Brigar por futebol parece a princípio a coisa mais estúpida do mundo: o time pelo qual você torce nada diz a seu respeito, defendê-lo não significa defender posições morais, políticas, culturais. Brigar por futebol seria então uma discórdia cheia de som e fúria significando nada – não fosse a notável e inglória capacidade que temos de transformar qualquer identificação em uma parte inegociável do nosso eu. Trocando em miúdos: ninguém briga pelo Flamengo, todos brigam por seus eus.”
  • “Situação clássica da irritação parental: quando os filhos choram ‘por bobagem’. E entretanto isso que é bobagem para nós não o é para eles, uma vez que em suas vidas não há ainda contas a pagar, problemas políticos a decifrar, filhos por educar. Logo, consequência clássica da punição parental: a culpa – dessa vez, justificada.”

Meia Palavra Basta

  • Autor: Francisco Bosco
  • Editora: Record (128 páginas; R$46)
Entrevista por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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