As listas de melhores lançamentos do mercado editorial brasileiro de 2017 segundo críticos e repórteres de livros do Estadão.
Ubiratan Brasil:
O Vendido — Paul Beatty (Todavia)
O leitor é surpreendido a cada página graças a um humor incomum, por vezes cruel. “Pode ser difícil de acreditar vindo de um negro, mas eu nunca roubei nada” são as frases que abrem o livro e já dão o tom do que virá em seguida. Beatty tem o dom de descrever como a vida pode ser impiedosa para alguns, sem se desculpar pelo uso da violência, quando ela explode na nossa cara.
Lima Barreto: Triste Visionário — Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras)
Biografia do escritor que não apenas homenageia a até então definitiva (de Francisco de Assis Barbosa) como a atualiza, tratando da questão do racismo com propriedade. Ressalta ainda a atualidade do biografado: Barreto, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.
Anjo Noturno — Sérgio Sant’Anna (Companhia das Letras)
Um escritor imbatível no conto – aqui, trata de morte, desejo carnal, amor, solidão por meio de nove narrativas que se reúnem num gênero híbrido: ora conto, ora memória, ora ainda novela. O que os une, porém, é a maestria da escrita que serve tanto aos anseios do escritor como, principalmente, para a literatura.
Guilherme Sobota:
Angola Janga: Uma História de Palmares — Marcelo D'Salete (Veneta)
Com 432 páginas, o livro é um impressionante romance gráfico histórico calcado em fatos sobre o mais conhecido foco de resistência negra do Brasil colonial. Um dos grandes lançamentos dos quadrinhos brasileiros (se eu colocar “de todos os tempos” duvido que alguém diga que é exagero).
Instrumental — James Rhodes (Rádio Londres)
Emocionante autobiografia do pianista inglês de 42 anos, que está prestes a lançar um novo álbum, inclusive. Ele fala com honestidade brutal de como uma série de estupros que sofreu na infância moldou de maneira cruel o resto dos seus dias, e como a música de Bach, Chopin e companhia lhe deu uma saída possível.
O Ruído do Tempo — Julian Barnes (Rocco)
Outro livro que fala com paixão sobre música clássica, mas aqui ela é apenas uma das camadas da impressionante história do compositor russo Dmitri Shostakovich (1906-1975), recontada com a habilidade excepcional do romancista inglês. Um livraço.
Anjo Noturno — Sérgio Sant’Anna (Companhia das Letras)
O ritmo e qualidade da escrita de Sérgio Sant’Anna na última década revelam um escritor em pleno domínio de sua habilidade literária. Anjo Noturno, conjunto de textos inéditos deste ano, é o mais completo dos seus trabalhos recentes, todos em alto nível.
Aqui — Richard McGuire (Quadrinhos na Cia.)
O personagem principal de Aqui, graphic novel de Richard McGuire que chegou ao Brasil com status de obra-prima, é o canto da sala de uma casa – como se uma câmera fosse colocada ali, apontando para o mesmo lugar, em todas as páginas. O modo como o quadrinista americano desenvolve essa ideia é primoroso.
Anos de Formação: Os Diários de Emilio Renzi — Ricardo Piglia (Todavia)
"A vida é uma cadeia de encontros casuais, mas tentamos nos explicar a nós mesmos como se escolhêssemos tudo desde o início", diz Piglia nesse livro, o primeiro dos seus três volumes de diários. O autor costura anotações da época com textos reeditados que passeiam entre pontos de vista e focos narrativos, sem deixar nenhuma aresta em aberto a não ser aquela que a literatura descortina diante do abismo.
O Vendido — Paul Beatty (Todavia)
O livro do americano vencedor do Man Booker Prize 2016 ressoa tanto no Brasil porque dividimos com os EUA o passado cruel e escravocrata: a maneira criativa e muitas vezes impiedosa com que ele trata do tema torna esse livro uma experiência irresistível e ao mesmo tempo dolorosa.
Lima Barreto: Triste Visionário — Lilia M. Schwarcz (Companhia das Letras)
Depois de dez anos de pesquisa, Lilia M. Schwarcz entregou a aguardada biografia de Lima Barreto, e o resultado impressiona pelo retrato cheio de camadas do escritor, e da relação que o livro faz de sua história com o estado do Brasil e da cidade do Rio de Janeiro no início do século 20.
Não Era Você Que Eu Esperava — Fabien Toulmé (Nemo)
A trama é familiar ao leitor de literatura brasileira contemporânea: um pai narra como foi descobrir que sua filha recém-nascida tinha síndrome de Down. Passa então ao choque que foi lidar com a notícia, o período posterior de negação, pesquisa, aceitação, compreensão, e, finalmente, amor (trama parecida com a do incontornável romance de Cristovão Tezza, de 2007, O Filho Eterno).
A Mãe de Todas as Perguntas — Rebecca Solnit (Companhia das Letras)
Reunião de ensaios e reportagens esclarecedores e escritos com clareza sobre o feminismo e seu espaço na sociedade.
Menção honrosa: a reedição de Stella Manhattan — Silviano Santiago (Companhia das Letras)
André Caceres:
Úrsula — Maria Firmina dos Reis (Ed. PUC Minas)
No ano em que Lima Barreto foi o homenageado da Flip, a literatura afro-brasileira ganhou atenção. Coincidentemente, 2017 é o centenário de morte de Maria Firmina dos Reis, primeira romancista negra do Brasil e pioneira na literatura abolicionista. A reedição de seu principal romance é fundamental para preservar a memória dessa escritora.
Kindred — Octavia Butler (Morro Branco)
É a primeira vez que o público brasileiro tem acesso a uma obra de Octavia Butler em português, e justamente com um livro que trata das contradições de uma sociedade miscigenada que carrega as chagas do racismo após uma longa era de escravidão. Não poderia dialogar melhor com o Brasil.
Borges Babilônico — Jorge Schwartz (Companhia das Letras)
Se Jorge Luis Borges era uma enciclopédia viva, nada mais justo que dedicar uma enciclopédia a esse autor que ia do infinito ao infinitesimal em um átimo (ou uma frase). Esse pequeno Livro da Areia reúne verbetes de estudiosos, amigos e escritores sobre Borges e de Borges sobre todo tipo de tema. Uma verdadeira Biblioteca de Babel.
Os Despossuídos — Ursula K. Le Guin (Aleph)
Fora de catálogo há muito tempo, Os Despossuídos dialoga tanto com o período da guerra fria, quando foi concebido, quanto com o Brasil contemporâneo polarizado. É uma pérola que explica o motivo de Ursula K. Le Guin ter se firmado como a mais importante autora viva da ficção científica.
Moby Dick — Chabouté (Pipoca & Nanquim)
Herman Melville morreu no esquecimento, tido como um mero autor de romances náuticos sem muita importância. Hoje Harold Bloom, um dos principais críticos literários americanos, o eleva ao posto de ‘mais sublime autor’ da história dos EUA. Não é coincidência que o francês Chabouté tenha adaptado a obra para um meio que também teve de lutar para ganhar reconhecimento: os quadrinhos.