Luiz Felipe Pondé não se esquiva de falar sobre os assuntos de seu tempo. Mas também não nega: “Muitas das discussões contemporâneas me dão sono”. Sua paixão por autores clássicos, de outras épocas e cantos do mundo, é facilmente notável ao entrar na biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo, onde o filósofo recebeu a reportagem do Estadão.
O ambiente é o típico espaço de criação de um intelectual. Os livros ocupam todo o cômodo. Estão no chão, nas estantes, em cima de cadeiras, poltronas, atrás da porta. As leituras mais recentes ficam na mesa de trabalho. “Não é uma questão de estilo ter livros em toda a parte, mas sim de espaço. E isso significa uma prevalência do trabalho, desse cenário que me ajuda a produzir, sobre a ideia de que tudo tem que estar arrumadinho”, explica o escritor.
O ordenamento da biblioteca já foi feito algumas vezes, ressalta Pondé. É possível observar que alguns livros carregam etiquetas brancas, indicando que foram catalogados por ordem alfabética. “Mas nunca dá conta”, ele brinca. E, no fundo, o filósofo não se importa com o pequeno ‘caos’ de seu escritório. “Se eu quero achar um livro, sento aqui no chão, procuro. Depois coloco em outro lugar, diferente de onde estava. Por pura preguiça.”
A paixão por Freud e Dostoievski
Ao começar o tour por sua coleção de livros, a primeira referência citada já expõe de cara a veia psicanalista de Pondé. “Freud é um autor que marcou muito a minha formação”, ele resume. Sua leitura mais recente sobre o médico austríaco é Freud: The Mind of the Moralist, do sociólogo americano Philip Rieff. As duas principais biografias de Freud, escritas por Elisabeth Roudinesco e Peter Gay, também estão na lista de ‘lidas’ de Pondé.
“Eu fiz cinco anos de medicina, tranquei, nunca mais voltei. Mas durante o segundo ano de faculdade, eu estava tentando já salvar aquela graduação de alguma forma e resolvi estudar psicanálise. E a psicanálise me levou para a filosofia.”
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As indicações de leitura de Pondé, porém, não se restringem à teoria. Há espaço para a ficção. E especialmente de um país. “Eu sou fascinado por literatura russa”. De Dostoievski, ele destaca o clássico Crime e Castigo e o conto Sonho do Homem Ridículo.
O interesse pelo escritor moscovita vem de longa data. Uma das primeiras obras de Pondé, Crítica e Profecia (2003), debruçou-se sobre a filosofia da religião na obra de Dostoievski. “E a biografia dele, escrita em cinco volumes por Joseph Frank, é imbatível”, indica o filósofo.
Lembranças da Rússia também estão espalhadas pela biblioteca. No canto de uma das estantes, um pequeno busto branco de Stalin. Na mesa, uma miniatura de Lenin. E até uma matrioska de Vladimir Putin em uma das prateleiras. “Minha mulher comprou isso para fazer uma brincadeira comigo quando fomos à Rússia.”
Os adereços no espaço, no entanto, não se restringem a líderes comunistas. Por todos os lados, é possível ver santos - em quadros, imagens e estátuas. Fotos de família também estão espalhadas. Há ainda coleções de charutos e cachimbos, uma paixão do escritor, e pequenas estátuas de figuras da mitologia grega. Assim como miniaturas de carros e até dele mesmo, dadas de presente por fãs de seu trabalho.
Apesar do apego ao livro físico, Pondé também se rendeu ao e-book. “Eu tenho um Kindle e acho ótimo principalmente para viagens. Para ler no avião. Porque não pesa e você não depende de luz.”
Pondé à brasileira
Recifense radicado em São Paulo, Pondé é direto ao falar de suas referências na literatura nacional: “Eu gosto de dois autores brasileiros: Machado de Assis e Nelson Rodrigues”. Este último, inclusive, foi base para A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013), publicação em que Pondé toma a figura da ‘adúltera’, inspirado na obra de Rodrigues, para debater as mazelas humanas.
Luiz Felipe Pondé
Pondé tem a obra completa de Rodrigues. Seu exemplar de O Óbvio Ululante, obra publicada em 1968, está repleto de páginas dobradas e anotações. “Eu risco o livro, dobro. Eu não tenho nenhuma coisa do tipo que o livro tem que estar sempre bonitinho ou arrumado.”
De Machado de Assis, a aquisição mais recente de Pondé é de dar inveja a qualquer fã do autor carioca: um box que compila sua obra completa, produzido pela editora Todavia. É uma edição limitada de 500 exemplares, com 26 volumes, lançada no ano passado. “Eu uso muito o Machado nas minhas aulas. O niilismo do Brás Cubas, a loucura do Bentinho, a contingência dos irmãos Esaú e Jacó, por exemplo.”
Harari e os ‘livros de aeroporto’
A enorme proporção de autores oitocentistas no vasto acervo levanta o questionamento: Pondé lê obras contemporâneas? É difícil encontrar algum autor do terceiro milênio, mas ali, escondido atrás de um quadro na estante, conseguimos fisgar 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari, pensador israelense que se tornou um ‘intelectual pop’ nos tempos atuais. (LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA POR HARARI AO ESTADÃO NO LANÇAMENTO)
Luiz Felipe Pondé
Pondé reconhece, entretanto, seu apreço por Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), obra que alçou Harari ao sucesso. “É um livro original. Com informações muito interessantes, principalmente sobre a pré-história. Traz ótimas hipóteses sobre o ser humano viver no imaginário, delirando. Só acho que poderia ser um livro um pouco menor do que é.” Já sobre Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2015), o escritor acredita que Harari ‘exagerou em suas crenças veganas’.
“É ainda tem, claro, o famoso fato de que, no começo do livro, ele afirmou que nunca mais teríamos uma pandemia de vírus. Pouco tempo depois, a gente tomou na cara”, lembra Pondé.
Os livros essenciais de Luiz Felipe Pondé
A publicação mais recente do filósofo, Felicidade: Modos de Usar, em coautoria com Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal, tornou-se uma das obras mais vendidas do País. Para conhecer mais sobre a linha de pensamento de Pondé, também vale a leitura de:
- Filosofia para Corajosos: Pense com a Própria Cabeça (Planeta, 216)
- Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto (Contexto, 2010)
- A Era do Ressentimento (Globo Livros, 2019)
- Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya, 2012)