‘Parece livro de aeroporto’, diz Pondé sobre obra de Harari em sua biblioteca; veja o que tem lá


Visitamos a biblioteca do filósofo e conhecemos sua coleção de clássicos, com obras de Freud e Dostoievski, além de títulos de seus escritores brasileiros preferidos; veja vídeo

Por João Abel

Luiz Felipe Pondé não se esquiva de falar sobre os assuntos de seu tempo. Mas também não nega: “Muitas das discussões contemporâneas me dão sono”. Sua paixão por autores clássicos, de outras épocas e cantos do mundo, é facilmente notável ao entrar na biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo, onde o filósofo recebeu a reportagem do Estadão.

O ambiente é o típico espaço de criação de um intelectual. Os livros ocupam todo o cômodo. Estão no chão, nas estantes, em cima de cadeiras, poltronas, atrás da porta. As leituras mais recentes ficam na mesa de trabalho. “Não é uma questão de estilo ter livros em toda a parte, mas sim de espaço. E isso significa uma prevalência do trabalho, desse cenário que me ajuda a produzir, sobre a ideia de que tudo tem que estar arrumadinho”, explica o escritor.

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O ordenamento da biblioteca já foi feito algumas vezes, ressalta Pondé. É possível observar que alguns livros carregam etiquetas brancas, indicando que foram catalogados por ordem alfabética. “Mas nunca dá conta”, ele brinca. E, no fundo, o filósofo não se importa com o pequeno ‘caos’ de seu escritório. “Se eu quero achar um livro, sento aqui no chão, procuro. Depois coloco em outro lugar, diferente de onde estava. Por pura preguiça.”

A paixão por Freud e Dostoievski

Ao começar o tour por sua coleção de livros, a primeira referência citada já expõe de cara a veia psicanalista de Pondé. “Freud é um autor que marcou muito a minha formação”, ele resume. Sua leitura mais recente sobre o médico austríaco é Freud: The Mind of the Moralist, do sociólogo americano Philip Rieff. As duas principais biografias de Freud, escritas por Elisabeth Roudinesco e Peter Gay, também estão na lista de ‘lidas’ de Pondé.

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“Eu fiz cinco anos de medicina, tranquei, nunca mais voltei. Mas durante o segundo ano de faculdade, eu estava tentando já salvar aquela graduação de alguma forma e resolvi estudar psicanálise. E a psicanálise me levou para a filosofia.”

As indicações de leitura de Pondé, porém, não se restringem à teoria. Há espaço para a ficção. E especialmente de um país. “Eu sou fascinado por literatura russa”. De Dostoievski, ele destaca o clássico Crime e Castigo e o conto Sonho do Homem Ridículo.

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O interesse pelo escritor moscovita vem de longa data. Uma das primeiras obras de Pondé, Crítica e Profecia (2003), debruçou-se sobre a filosofia da religião na obra de Dostoievski. “E a biografia dele, escrita em cinco volumes por Joseph Frank, é imbatível”, indica o filósofo.

Lembranças da Rússia também estão espalhadas pela biblioteca. No canto de uma das estantes, um pequeno busto branco de Stalin. Na mesa, uma miniatura de Lenin. E até uma matrioska de Vladimir Putin em uma das prateleiras. “Minha mulher comprou isso para fazer uma brincadeira comigo quando fomos à Rússia.”

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Líderes russos, figuras gregas, santos, uma macaquinha e até miniaturas de si mesmo: os elementos decorativos na biblioteca de Pondé Foto: Bruno Nogueirão

Os adereços no espaço, no entanto, não se restringem a líderes comunistas. Por todos os lados, é possível ver imagens de santos - em quadros, imagens e estátuas. Fotos de família também estão espalhadas. Há ainda coleções de charutos e cachimbos, uma paixão do escritor, e pequenas estátuas de figuras da mitologia grega. Assim como miniaturas de carros e até dele mesmo, dadas de presente por fãs de seu trabalho.

Apesar do apego ao livro físico, Pondé também se rendeu ao e-book. “Eu tenho um Kindle e acho ótimo principalmente para viagens. Para ler no avião. Porque não pesa e você não depende de luz.”

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Pondé à brasileira

Recifense radicado em São Paulo, Pondé é direto ao falar de suas referências na literatura nacional: “Eu gosto de dois autores brasileiros: Machado de Assis e Nelson Rodrigues”. Este último, inclusive, foi base para A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013), publicação em que Pondé toma a figura da ‘adúltera’, inspirado na obra de Rodrigues, para debater as mazelas humanas.

Eu acho o Nelson Rodrigues um gênio sobre a natureza humana. As tiradas dele, a forma como ele percebia sutilezas… O modo dele de explicar como todo desejo é triste, por exemplo. Como o desejo é uma coisa que facilmente nos entristece. Apesar de hoje a publicidade falar que todo mundo tem que desejar coisas o tempo inteiro.

Luiz Felipe Pondé

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Pondé tem a obra completa de Rodrigues. Seu exemplar de O Óbvio Ululante, obra publicada em 1968, está repleto de páginas dobradas e anotações. “Eu risco o livro, dobro. Eu não tenho nenhuma coisa do tipo que o livro tem que estar sempre bonitinho ou arrumado.”

De Machado de Assis, a aquisição mais recente de Pondé é de dar inveja a qualquer fã do autor carioca: um box que compila sua obra completa, produzido pela editora Todavia. É uma edição limitada de 500 exemplares, com 26 volumes, lançada no ano passado. “Eu uso muito o Machado nas minhas aulas. O niilismo do Brás Cubas, a loucura do Bentinho, a contingência dos irmãos de João e Jacó, por exemplo.”

Luiz Felipe Pondé, escritor e filósofo de 65 anos, abriu sua coleção de livros ao 'Estadão' Foto: Bruno Nogueirão

Harari e os ‘livros de aeroporto’

A enorme proporção de autores oitocentistas no vasto acervo levanta o questionamento: Pondé lê obras contemporâneas? É difícil encontrar algum autor do terceiro milênio, mas ali, escondido atrás de um quadro na estante, conseguimos fisgar 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari, pensador israelense que se tornou um ‘intelectual pop’ nos tempos atuais. (LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA POR HARARI AO ESTADÃO NO LANÇAMENTO)

Eu acho que o ‘mosquito’ do best-seller picou ele [Harari]. Este mais recente, ‘21 [lições] para [o século] 21′, parece um livro de aeroporto. E livro de aeroporto é aquele tipo de livro que está vendendo para cacete.

Luiz Felipe Pondé

Pondé reconhece, entretanto, seu apreço por Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), obra que alçou Harari ao sucesso. “É um livro original. Com informações muito interessantes, principalmente sobre a pré-história. Traz ótimas hipóteses sobre o ser humano viver no imaginário, delirando. Só acho que poderia ser um livro um pouco menor do que é.” Já sobre Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2015), o escritor acredita que Harari ‘exagerou em suas crenças veganas’.

“É ainda tem, claro, o famoso fato de que, no começo do livro, ele afirmou que nunca mais teríamos uma pandemia de vírus. Pouco tempo depois, a gente tomou na cara”, lembra Pondé.

Os livros essenciais de Luiz Felipe Pondé

A publicação mais recente do filósofo, Felicidade: Modos de Usar, em coautoria com Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal, tornou-se uma das obras mais vendidas do País. Para conhecer mais sobre a linha de pensamento de Pondé, também vale a leitura de:

  • Filosofia para Corajosos: Pense com a Própria Cabeça (Planeta, 216)
  • Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto (Contexto, 2010)
  • A Era do Ressentimento (Globo Livros, 2019)
  • Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya, 2012)

Luiz Felipe Pondé não se esquiva de falar sobre os assuntos de seu tempo. Mas também não nega: “Muitas das discussões contemporâneas me dão sono”. Sua paixão por autores clássicos, de outras épocas e cantos do mundo, é facilmente notável ao entrar na biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo, onde o filósofo recebeu a reportagem do Estadão.

O ambiente é o típico espaço de criação de um intelectual. Os livros ocupam todo o cômodo. Estão no chão, nas estantes, em cima de cadeiras, poltronas, atrás da porta. As leituras mais recentes ficam na mesa de trabalho. “Não é uma questão de estilo ter livros em toda a parte, mas sim de espaço. E isso significa uma prevalência do trabalho, desse cenário que me ajuda a produzir, sobre a ideia de que tudo tem que estar arrumadinho”, explica o escritor.

O ordenamento da biblioteca já foi feito algumas vezes, ressalta Pondé. É possível observar que alguns livros carregam etiquetas brancas, indicando que foram catalogados por ordem alfabética. “Mas nunca dá conta”, ele brinca. E, no fundo, o filósofo não se importa com o pequeno ‘caos’ de seu escritório. “Se eu quero achar um livro, sento aqui no chão, procuro. Depois coloco em outro lugar, diferente de onde estava. Por pura preguiça.”

A paixão por Freud e Dostoievski

Ao começar o tour por sua coleção de livros, a primeira referência citada já expõe de cara a veia psicanalista de Pondé. “Freud é um autor que marcou muito a minha formação”, ele resume. Sua leitura mais recente sobre o médico austríaco é Freud: The Mind of the Moralist, do sociólogo americano Philip Rieff. As duas principais biografias de Freud, escritas por Elisabeth Roudinesco e Peter Gay, também estão na lista de ‘lidas’ de Pondé.

“Eu fiz cinco anos de medicina, tranquei, nunca mais voltei. Mas durante o segundo ano de faculdade, eu estava tentando já salvar aquela graduação de alguma forma e resolvi estudar psicanálise. E a psicanálise me levou para a filosofia.”

As indicações de leitura de Pondé, porém, não se restringem à teoria. Há espaço para a ficção. E especialmente de um país. “Eu sou fascinado por literatura russa”. De Dostoievski, ele destaca o clássico Crime e Castigo e o conto Sonho do Homem Ridículo.

O interesse pelo escritor moscovita vem de longa data. Uma das primeiras obras de Pondé, Crítica e Profecia (2003), debruçou-se sobre a filosofia da religião na obra de Dostoievski. “E a biografia dele, escrita em cinco volumes por Joseph Frank, é imbatível”, indica o filósofo.

Lembranças da Rússia também estão espalhadas pela biblioteca. No canto de uma das estantes, um pequeno busto branco de Stalin. Na mesa, uma miniatura de Lenin. E até uma matrioska de Vladimir Putin em uma das prateleiras. “Minha mulher comprou isso para fazer uma brincadeira comigo quando fomos à Rússia.”

Líderes russos, figuras gregas, santos, uma macaquinha e até miniaturas de si mesmo: os elementos decorativos na biblioteca de Pondé Foto: Bruno Nogueirão

Os adereços no espaço, no entanto, não se restringem a líderes comunistas. Por todos os lados, é possível ver imagens de santos - em quadros, imagens e estátuas. Fotos de família também estão espalhadas. Há ainda coleções de charutos e cachimbos, uma paixão do escritor, e pequenas estátuas de figuras da mitologia grega. Assim como miniaturas de carros e até dele mesmo, dadas de presente por fãs de seu trabalho.

Apesar do apego ao livro físico, Pondé também se rendeu ao e-book. “Eu tenho um Kindle e acho ótimo principalmente para viagens. Para ler no avião. Porque não pesa e você não depende de luz.”

Pondé à brasileira

Recifense radicado em São Paulo, Pondé é direto ao falar de suas referências na literatura nacional: “Eu gosto de dois autores brasileiros: Machado de Assis e Nelson Rodrigues”. Este último, inclusive, foi base para A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013), publicação em que Pondé toma a figura da ‘adúltera’, inspirado na obra de Rodrigues, para debater as mazelas humanas.

Eu acho o Nelson Rodrigues um gênio sobre a natureza humana. As tiradas dele, a forma como ele percebia sutilezas… O modo dele de explicar como todo desejo é triste, por exemplo. Como o desejo é uma coisa que facilmente nos entristece. Apesar de hoje a publicidade falar que todo mundo tem que desejar coisas o tempo inteiro.

Luiz Felipe Pondé

Pondé tem a obra completa de Rodrigues. Seu exemplar de O Óbvio Ululante, obra publicada em 1968, está repleto de páginas dobradas e anotações. “Eu risco o livro, dobro. Eu não tenho nenhuma coisa do tipo que o livro tem que estar sempre bonitinho ou arrumado.”

De Machado de Assis, a aquisição mais recente de Pondé é de dar inveja a qualquer fã do autor carioca: um box que compila sua obra completa, produzido pela editora Todavia. É uma edição limitada de 500 exemplares, com 26 volumes, lançada no ano passado. “Eu uso muito o Machado nas minhas aulas. O niilismo do Brás Cubas, a loucura do Bentinho, a contingência dos irmãos de João e Jacó, por exemplo.”

Luiz Felipe Pondé, escritor e filósofo de 65 anos, abriu sua coleção de livros ao 'Estadão' Foto: Bruno Nogueirão

Harari e os ‘livros de aeroporto’

A enorme proporção de autores oitocentistas no vasto acervo levanta o questionamento: Pondé lê obras contemporâneas? É difícil encontrar algum autor do terceiro milênio, mas ali, escondido atrás de um quadro na estante, conseguimos fisgar 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari, pensador israelense que se tornou um ‘intelectual pop’ nos tempos atuais. (LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA POR HARARI AO ESTADÃO NO LANÇAMENTO)

Eu acho que o ‘mosquito’ do best-seller picou ele [Harari]. Este mais recente, ‘21 [lições] para [o século] 21′, parece um livro de aeroporto. E livro de aeroporto é aquele tipo de livro que está vendendo para cacete.

Luiz Felipe Pondé

Pondé reconhece, entretanto, seu apreço por Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), obra que alçou Harari ao sucesso. “É um livro original. Com informações muito interessantes, principalmente sobre a pré-história. Traz ótimas hipóteses sobre o ser humano viver no imaginário, delirando. Só acho que poderia ser um livro um pouco menor do que é.” Já sobre Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2015), o escritor acredita que Harari ‘exagerou em suas crenças veganas’.

“É ainda tem, claro, o famoso fato de que, no começo do livro, ele afirmou que nunca mais teríamos uma pandemia de vírus. Pouco tempo depois, a gente tomou na cara”, lembra Pondé.

Os livros essenciais de Luiz Felipe Pondé

A publicação mais recente do filósofo, Felicidade: Modos de Usar, em coautoria com Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal, tornou-se uma das obras mais vendidas do País. Para conhecer mais sobre a linha de pensamento de Pondé, também vale a leitura de:

  • Filosofia para Corajosos: Pense com a Própria Cabeça (Planeta, 216)
  • Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto (Contexto, 2010)
  • A Era do Ressentimento (Globo Livros, 2019)
  • Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya, 2012)

Luiz Felipe Pondé não se esquiva de falar sobre os assuntos de seu tempo. Mas também não nega: “Muitas das discussões contemporâneas me dão sono”. Sua paixão por autores clássicos, de outras épocas e cantos do mundo, é facilmente notável ao entrar na biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo, onde o filósofo recebeu a reportagem do Estadão.

O ambiente é o típico espaço de criação de um intelectual. Os livros ocupam todo o cômodo. Estão no chão, nas estantes, em cima de cadeiras, poltronas, atrás da porta. As leituras mais recentes ficam na mesa de trabalho. “Não é uma questão de estilo ter livros em toda a parte, mas sim de espaço. E isso significa uma prevalência do trabalho, desse cenário que me ajuda a produzir, sobre a ideia de que tudo tem que estar arrumadinho”, explica o escritor.

O ordenamento da biblioteca já foi feito algumas vezes, ressalta Pondé. É possível observar que alguns livros carregam etiquetas brancas, indicando que foram catalogados por ordem alfabética. “Mas nunca dá conta”, ele brinca. E, no fundo, o filósofo não se importa com o pequeno ‘caos’ de seu escritório. “Se eu quero achar um livro, sento aqui no chão, procuro. Depois coloco em outro lugar, diferente de onde estava. Por pura preguiça.”

A paixão por Freud e Dostoievski

Ao começar o tour por sua coleção de livros, a primeira referência citada já expõe de cara a veia psicanalista de Pondé. “Freud é um autor que marcou muito a minha formação”, ele resume. Sua leitura mais recente sobre o médico austríaco é Freud: The Mind of the Moralist, do sociólogo americano Philip Rieff. As duas principais biografias de Freud, escritas por Elisabeth Roudinesco e Peter Gay, também estão na lista de ‘lidas’ de Pondé.

“Eu fiz cinco anos de medicina, tranquei, nunca mais voltei. Mas durante o segundo ano de faculdade, eu estava tentando já salvar aquela graduação de alguma forma e resolvi estudar psicanálise. E a psicanálise me levou para a filosofia.”

As indicações de leitura de Pondé, porém, não se restringem à teoria. Há espaço para a ficção. E especialmente de um país. “Eu sou fascinado por literatura russa”. De Dostoievski, ele destaca o clássico Crime e Castigo e o conto Sonho do Homem Ridículo.

O interesse pelo escritor moscovita vem de longa data. Uma das primeiras obras de Pondé, Crítica e Profecia (2003), debruçou-se sobre a filosofia da religião na obra de Dostoievski. “E a biografia dele, escrita em cinco volumes por Joseph Frank, é imbatível”, indica o filósofo.

Lembranças da Rússia também estão espalhadas pela biblioteca. No canto de uma das estantes, um pequeno busto branco de Stalin. Na mesa, uma miniatura de Lenin. E até uma matrioska de Vladimir Putin em uma das prateleiras. “Minha mulher comprou isso para fazer uma brincadeira comigo quando fomos à Rússia.”

Líderes russos, figuras gregas, santos, uma macaquinha e até miniaturas de si mesmo: os elementos decorativos na biblioteca de Pondé Foto: Bruno Nogueirão

Os adereços no espaço, no entanto, não se restringem a líderes comunistas. Por todos os lados, é possível ver imagens de santos - em quadros, imagens e estátuas. Fotos de família também estão espalhadas. Há ainda coleções de charutos e cachimbos, uma paixão do escritor, e pequenas estátuas de figuras da mitologia grega. Assim como miniaturas de carros e até dele mesmo, dadas de presente por fãs de seu trabalho.

Apesar do apego ao livro físico, Pondé também se rendeu ao e-book. “Eu tenho um Kindle e acho ótimo principalmente para viagens. Para ler no avião. Porque não pesa e você não depende de luz.”

Pondé à brasileira

Recifense radicado em São Paulo, Pondé é direto ao falar de suas referências na literatura nacional: “Eu gosto de dois autores brasileiros: Machado de Assis e Nelson Rodrigues”. Este último, inclusive, foi base para A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013), publicação em que Pondé toma a figura da ‘adúltera’, inspirado na obra de Rodrigues, para debater as mazelas humanas.

Eu acho o Nelson Rodrigues um gênio sobre a natureza humana. As tiradas dele, a forma como ele percebia sutilezas… O modo dele de explicar como todo desejo é triste, por exemplo. Como o desejo é uma coisa que facilmente nos entristece. Apesar de hoje a publicidade falar que todo mundo tem que desejar coisas o tempo inteiro.

Luiz Felipe Pondé

Pondé tem a obra completa de Rodrigues. Seu exemplar de O Óbvio Ululante, obra publicada em 1968, está repleto de páginas dobradas e anotações. “Eu risco o livro, dobro. Eu não tenho nenhuma coisa do tipo que o livro tem que estar sempre bonitinho ou arrumado.”

De Machado de Assis, a aquisição mais recente de Pondé é de dar inveja a qualquer fã do autor carioca: um box que compila sua obra completa, produzido pela editora Todavia. É uma edição limitada de 500 exemplares, com 26 volumes, lançada no ano passado. “Eu uso muito o Machado nas minhas aulas. O niilismo do Brás Cubas, a loucura do Bentinho, a contingência dos irmãos de João e Jacó, por exemplo.”

Luiz Felipe Pondé, escritor e filósofo de 65 anos, abriu sua coleção de livros ao 'Estadão' Foto: Bruno Nogueirão

Harari e os ‘livros de aeroporto’

A enorme proporção de autores oitocentistas no vasto acervo levanta o questionamento: Pondé lê obras contemporâneas? É difícil encontrar algum autor do terceiro milênio, mas ali, escondido atrás de um quadro na estante, conseguimos fisgar 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari, pensador israelense que se tornou um ‘intelectual pop’ nos tempos atuais. (LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA POR HARARI AO ESTADÃO NO LANÇAMENTO)

Eu acho que o ‘mosquito’ do best-seller picou ele [Harari]. Este mais recente, ‘21 [lições] para [o século] 21′, parece um livro de aeroporto. E livro de aeroporto é aquele tipo de livro que está vendendo para cacete.

Luiz Felipe Pondé

Pondé reconhece, entretanto, seu apreço por Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), obra que alçou Harari ao sucesso. “É um livro original. Com informações muito interessantes, principalmente sobre a pré-história. Traz ótimas hipóteses sobre o ser humano viver no imaginário, delirando. Só acho que poderia ser um livro um pouco menor do que é.” Já sobre Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2015), o escritor acredita que Harari ‘exagerou em suas crenças veganas’.

“É ainda tem, claro, o famoso fato de que, no começo do livro, ele afirmou que nunca mais teríamos uma pandemia de vírus. Pouco tempo depois, a gente tomou na cara”, lembra Pondé.

Os livros essenciais de Luiz Felipe Pondé

A publicação mais recente do filósofo, Felicidade: Modos de Usar, em coautoria com Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal, tornou-se uma das obras mais vendidas do País. Para conhecer mais sobre a linha de pensamento de Pondé, também vale a leitura de:

  • Filosofia para Corajosos: Pense com a Própria Cabeça (Planeta, 216)
  • Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto (Contexto, 2010)
  • A Era do Ressentimento (Globo Livros, 2019)
  • Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya, 2012)

Luiz Felipe Pondé não se esquiva de falar sobre os assuntos de seu tempo. Mas também não nega: “Muitas das discussões contemporâneas me dão sono”. Sua paixão por autores clássicos, de outras épocas e cantos do mundo, é facilmente notável ao entrar na biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo, onde o filósofo recebeu a reportagem do Estadão.

O ambiente é o típico espaço de criação de um intelectual. Os livros ocupam todo o cômodo. Estão no chão, nas estantes, em cima de cadeiras, poltronas, atrás da porta. As leituras mais recentes ficam na mesa de trabalho. “Não é uma questão de estilo ter livros em toda a parte, mas sim de espaço. E isso significa uma prevalência do trabalho, desse cenário que me ajuda a produzir, sobre a ideia de que tudo tem que estar arrumadinho”, explica o escritor.

O ordenamento da biblioteca já foi feito algumas vezes, ressalta Pondé. É possível observar que alguns livros carregam etiquetas brancas, indicando que foram catalogados por ordem alfabética. “Mas nunca dá conta”, ele brinca. E, no fundo, o filósofo não se importa com o pequeno ‘caos’ de seu escritório. “Se eu quero achar um livro, sento aqui no chão, procuro. Depois coloco em outro lugar, diferente de onde estava. Por pura preguiça.”

A paixão por Freud e Dostoievski

Ao começar o tour por sua coleção de livros, a primeira referência citada já expõe de cara a veia psicanalista de Pondé. “Freud é um autor que marcou muito a minha formação”, ele resume. Sua leitura mais recente sobre o médico austríaco é Freud: The Mind of the Moralist, do sociólogo americano Philip Rieff. As duas principais biografias de Freud, escritas por Elisabeth Roudinesco e Peter Gay, também estão na lista de ‘lidas’ de Pondé.

“Eu fiz cinco anos de medicina, tranquei, nunca mais voltei. Mas durante o segundo ano de faculdade, eu estava tentando já salvar aquela graduação de alguma forma e resolvi estudar psicanálise. E a psicanálise me levou para a filosofia.”

As indicações de leitura de Pondé, porém, não se restringem à teoria. Há espaço para a ficção. E especialmente de um país. “Eu sou fascinado por literatura russa”. De Dostoievski, ele destaca o clássico Crime e Castigo e o conto Sonho do Homem Ridículo.

O interesse pelo escritor moscovita vem de longa data. Uma das primeiras obras de Pondé, Crítica e Profecia (2003), debruçou-se sobre a filosofia da religião na obra de Dostoievski. “E a biografia dele, escrita em cinco volumes por Joseph Frank, é imbatível”, indica o filósofo.

Lembranças da Rússia também estão espalhadas pela biblioteca. No canto de uma das estantes, um pequeno busto branco de Stalin. Na mesa, uma miniatura de Lenin. E até uma matrioska de Vladimir Putin em uma das prateleiras. “Minha mulher comprou isso para fazer uma brincadeira comigo quando fomos à Rússia.”

Líderes russos, figuras gregas, santos, uma macaquinha e até miniaturas de si mesmo: os elementos decorativos na biblioteca de Pondé Foto: Bruno Nogueirão

Os adereços no espaço, no entanto, não se restringem a líderes comunistas. Por todos os lados, é possível ver imagens de santos - em quadros, imagens e estátuas. Fotos de família também estão espalhadas. Há ainda coleções de charutos e cachimbos, uma paixão do escritor, e pequenas estátuas de figuras da mitologia grega. Assim como miniaturas de carros e até dele mesmo, dadas de presente por fãs de seu trabalho.

Apesar do apego ao livro físico, Pondé também se rendeu ao e-book. “Eu tenho um Kindle e acho ótimo principalmente para viagens. Para ler no avião. Porque não pesa e você não depende de luz.”

Pondé à brasileira

Recifense radicado em São Paulo, Pondé é direto ao falar de suas referências na literatura nacional: “Eu gosto de dois autores brasileiros: Machado de Assis e Nelson Rodrigues”. Este último, inclusive, foi base para A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013), publicação em que Pondé toma a figura da ‘adúltera’, inspirado na obra de Rodrigues, para debater as mazelas humanas.

Eu acho o Nelson Rodrigues um gênio sobre a natureza humana. As tiradas dele, a forma como ele percebia sutilezas… O modo dele de explicar como todo desejo é triste, por exemplo. Como o desejo é uma coisa que facilmente nos entristece. Apesar de hoje a publicidade falar que todo mundo tem que desejar coisas o tempo inteiro.

Luiz Felipe Pondé

Pondé tem a obra completa de Rodrigues. Seu exemplar de O Óbvio Ululante, obra publicada em 1968, está repleto de páginas dobradas e anotações. “Eu risco o livro, dobro. Eu não tenho nenhuma coisa do tipo que o livro tem que estar sempre bonitinho ou arrumado.”

De Machado de Assis, a aquisição mais recente de Pondé é de dar inveja a qualquer fã do autor carioca: um box que compila sua obra completa, produzido pela editora Todavia. É uma edição limitada de 500 exemplares, com 26 volumes, lançada no ano passado. “Eu uso muito o Machado nas minhas aulas. O niilismo do Brás Cubas, a loucura do Bentinho, a contingência dos irmãos de João e Jacó, por exemplo.”

Luiz Felipe Pondé, escritor e filósofo de 65 anos, abriu sua coleção de livros ao 'Estadão' Foto: Bruno Nogueirão

Harari e os ‘livros de aeroporto’

A enorme proporção de autores oitocentistas no vasto acervo levanta o questionamento: Pondé lê obras contemporâneas? É difícil encontrar algum autor do terceiro milênio, mas ali, escondido atrás de um quadro na estante, conseguimos fisgar 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari, pensador israelense que se tornou um ‘intelectual pop’ nos tempos atuais. (LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA POR HARARI AO ESTADÃO NO LANÇAMENTO)

Eu acho que o ‘mosquito’ do best-seller picou ele [Harari]. Este mais recente, ‘21 [lições] para [o século] 21′, parece um livro de aeroporto. E livro de aeroporto é aquele tipo de livro que está vendendo para cacete.

Luiz Felipe Pondé

Pondé reconhece, entretanto, seu apreço por Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), obra que alçou Harari ao sucesso. “É um livro original. Com informações muito interessantes, principalmente sobre a pré-história. Traz ótimas hipóteses sobre o ser humano viver no imaginário, delirando. Só acho que poderia ser um livro um pouco menor do que é.” Já sobre Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2015), o escritor acredita que Harari ‘exagerou em suas crenças veganas’.

“É ainda tem, claro, o famoso fato de que, no começo do livro, ele afirmou que nunca mais teríamos uma pandemia de vírus. Pouco tempo depois, a gente tomou na cara”, lembra Pondé.

Os livros essenciais de Luiz Felipe Pondé

A publicação mais recente do filósofo, Felicidade: Modos de Usar, em coautoria com Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal, tornou-se uma das obras mais vendidas do País. Para conhecer mais sobre a linha de pensamento de Pondé, também vale a leitura de:

  • Filosofia para Corajosos: Pense com a Própria Cabeça (Planeta, 216)
  • Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto (Contexto, 2010)
  • A Era do Ressentimento (Globo Livros, 2019)
  • Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya, 2012)

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