Adultos leem menos e dizem gostar menos de ler do que as crianças. A falta de tempo, o tempo gasto na internet e a falta de políticas públicas resultam em um hábito de leitura menor à medida que a idade avança. Como consequência, eles não incentivam as crianças a ler, o que dificulta a formação de uma cultura literária.
De acordo com a mais recente edição do Retratos da Leitura no Brasil, lançada em novembro e realizada pelo Instituto Pró-Livro, IPEC e Itaú Cultural, a proporção de crianças que leem todos os dias é maior do que a de adultos.
Entre 5 a 10 anos, 16% dos entrevistados dizem que leem livros de literatura por vontade própria todos os dias; entre os entrevistados de 11 a 13, essa porcentagem é de 18%. Porém, nas faixas de 30 a 39 anos e de 40 a 49 anos, esse grupo corresponde a 6% e 4%, respectivamente.
As crianças também largam na frente quando a pergunta é sobre gostar de ler. 41% dos entrevistados de 5 a 10 anos dizem gostar muito. Nas demais faixas etárias, essa resposta não chega a 30%.
Especialista em políticas públicas e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Antônio de Pádua de Lima Brito destaca que a queda da leitura com o avanço da idade indica um fracasso nas políticas públicas para a infância em criar, de fato, uma cultura literária.
O pesquisador explica que sucessivos governos têm distribuído livros em bibliotecas escolares, o que proporcionou acesso de crianças a um acervo importante. Nas escolas, os pequenos também desenvolvem uma série de atividades em bibliotecas ou com livros. “Mas, à medida que elas vão avançando nas séries, e que outras necessidades vão surgindo – a entrada no mundo do trabalho, Enem, vestibular –, ela vai perdendo esse contato [com o livro]”, diz Brito.
Faltam mais disciplinas relacionadas à literatura e investimento na preparação dos professores. Muitos desses profissionais também não sentem gosto pela leitura, não têm referências literárias e leem e escrevem mal. Uma vez que o indivíduo deixa a escola, os incentivos à leitura se tornam mais escassos.
Somada a uma formação leitora precária na escola, muitas vezes as crianças e adolescentes não encontram referências de leitores dentro de casa, já que os familiares também não costumam ler. Esse é o primeiro passo para formação da cultura literária e também uma forma de continuar a ler uma vez fora da escola.
A inexistência do hábito de leitura é herdada de geração em geração em um ciclo vicioso, analisa a professora Elisa Dalla-Bona, da Universidade Federal do Paraná do setor de Educação. “As crianças acabam ficando dependentes da escola para provocar esse prazer [em ler], porque a família também não é leitora.”
Falta de bibliotecas e presença massiva na internet
Entre os obstáculos para a leitura, a mais citada na Retratos da Leitura foi a falta de tempo, com 46%, seguida por preferência por outras atividades (9%). O pesquisador do Ipea comenta que a leitura está relacionada à disponibilidade de tempo e, por isso, a classe trabalhadora tem mais dificuldade em ler. Entretanto, é possível criar as condições necessárias para incentivar esse hábito.
Uma forma de fazer isso é por meio de bibliotecas públicas, ambientes que carecem de maior investimento governamental, de acordo com os pesquisadores. Não basta disponibilizar o acervo, é preciso que esses espaços se tornem centros culturais. As bibliotecas devem ter mediadores – assim como o professor é responsável por mediar a relação das crianças com a leitura – e uma programação que envolva atividades, como encontros com escritores.
Para a professora de sociologia Andréa Leão, da Universidade Federal do Paraná, vivemos em uma crise nacional da leitura, algo que as redes sociais têm ajudado a construir.
Na avaliação dela, enquanto as crianças têm lido livros inteiros, os adultos têm preferido a leitura de “fragmentos” nas redes sociais. A professora exemplifica isso citando a divulgação de trechos de livros e de frases da escritora Clarice Lispector de forma descontextualizada nas redes sociais. “As pessoas perderam o interesse, a atração pela totalidade do livro, e se encantaram com as leituras por fragmentos.”
O baixo nível de leitura no Brasil não se repete em relação às redes sociais. O relatório Digital 2024 Global Overview indica que os brasileiros estão em segundo lugar em tempo diário online, com uma média de 9 horas e 13 minutos de uso. Segundo o relatório, o tempo médio da população mundial online é de 6 horas e 40 minutos.
É possível voltar ou criar hábitos de leitura na fase adulta?
A professora da UFPR, Elisa Dalla-Bona, diz que nunca é tarde para começar a ler por prazer. Uma das formas de voltar ou criar hábitos de leitura durante a fase adulta é participar de ambientes onde haja outros leitores. Nesse caso, a internet pode ser uma aliada, com clubes de leitura on-line e influencers de livros.
A professora também aconselha começar aos poucos. “Não adianta querer ler Machado de Assis, é uma leitura dificílima. Procure pegar livros menores, mais fininhos. Pode ser um bom começo.”
Outra opção é visitar livrarias, que hoje são espaços de ampla circulação e muitos tem cafeterias, “inclusive com uma ala infantil super atraente para as crianças. Você pode ir e levar teus filhos”, sugere.
O presidente da Câmara Brasileira de Livros (CBL) e do Instituto Pró-Livros, Sevani Matos, ressalta que a leitura é uma atividade de imersão que exige bastante do leitor, mas que traz muitos benefícios.
Para recuperar a leitura na fase adulta, ele recomenda estabelecer metas realistas, e começar com alguns minutos por dia. O tempo pode ir aumentando conforme o leitor se sinta mais confortável. Nesse cenário, diferentes formatos, como e-books e audiolivros tornam a leitura mais acessível no dia a dia e podem ajudar a desenvolver esse hábito.
Matos lembra que a maioria dos adultos associam a leitura ao crescimento profissional, e encará-la como uma atividade de lazer, em vez de uma obrigação, pode ser benéfico. Sobre isso, a Retratos da Leitura mostra que 15% dos entrevistados leem por atualização cultural ou conhecimento geral; 13%, por crescimento pessoal; e 10%, para aprender algo novo ou desenvolver alguma habilidade.
“A leitura pode ser uma ótima alternativa de relaxamento e desconexão das telas, proporcionando momentos de tranquilidade e introspecção”, finaliza.