Mais de 10 mil novos livros chegam às livrarias brasileiras todos os anos. Isso, sem contar as reedições e reimpressões que vão se somando aos lançamentos dos anos anteriores. Diante de uma produção tão vasta, o Estadão pediu para seus colunistas, jornalistas e colaboradores indicarem quais foram os melhores livros de 2023.
Ignácio de Loyola Brandão, Leandro Karnal, Sergio Augusto, Marcelo Rubens Paiva, Maria Fernanda Rodrigues, Rodrigo Ortega, André de Leones e Dirce Waltrick do Amarante contam, a seguir, suas três melhores leituras deste ano.
Dois livros aparecem duas vezes: Sempre Paris: Crônica de uma Cidade, Seus Escritores e Artistas, de Rosa Freite d’ Aguiar, e Onde Pastam os Minotauros, de Joca Terron. Uma das obras selecionadas por Karnal não foi publicada exatamente em 2023 - mas como Extremo Oeste teve uma circulação restrita no ano passado e acaba de ganhar o Jabuti na categoria autor estreante, ele ficou na lista.
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Os melhores livros de 2023
André de Leones
- Uma Volta Pela Lagoa, de Juliana Krapp (Círculo de Poemas): Krapp é uma das melhores poetas brasileiras, e é meio enlouquecedor pensar que ela demorou tanto tempo para publicar seu primeiro volume de versos. Mas, por outro lado, é interessante observar a tensão entre poemas mais “antigos”, contidos, e outros mais recentes e caudalosos. Nos primeiros, os espaços vazios calçam a poesia; nos últimos, a palavra extravasa a página.
- Onde Pastam os Minotauros, de Joca Reiners Terron (Todavia): Em um abatedouro halal, o desastre humano é ecumênico. É um matadouro-labirinto que a certa altura adquire feições alucinatórias: os olhos dos bois nos sugam para uma inversão perturbadora. Com “Minotauros”, Terron dá prosseguimento a uma sequência estonteante de romances febris, escritos, ao que parece, do ponto de vista do abismo.
- The Shards, de Bret Easton Ellis (Knopf): Um dos melhores romances de 2023, ainda inédito no Brasil. Los Angeles, 1981, um colégio particular, um grupo de amigos, uma seita de malucos e um assassino à solta. Ellis exercita sua estética de excessos, toma a própria obra como parâmetro (radicalizando o que fizera em Lunar Park) e oferece um livro longo, gorduroso e repetitivo, mas (também por tudo isso) arrasador. Não é autoficção, mas autoestranhamento: o bom ficcionista, afinal, é sempre um monstro.
Dirce Waltrick do Amarante
- Sempre Paris: Crônica de uma Cidade, Seus Escritores e Artistas, de Rosa Freite d’ Aguiar (Companhia das Letras): A autora relata sua vida em Paris nos anos 1970 e 1980, quando foi correspondente de importantes jornais e revistas brasileiros, e compartilha com o leitor o diálogo que teve com grandes escritores, artistas e intelectuais. Além disso, comenta temas centrais da época, os quais se repetem, infelizmente, ainda hoje como, por exemplo,o conflito na Faixa de Gaza.
- 100 poemas, de Seamus Heaney (Isto edições): Essa edição bilíngue, em tradução de Luci Collin, oferece ao leitor uma ampla antologia de um dos maiores poetas irlandeses, agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1995. A seleção criteriosa de poemas de Heaney apresenta as múltiplas facetas do escritor. Vale lembrar que a tradutora, além de conhecer muito bem a literatura irlandesa, é também poeta, o que se reflete em uma tradução lapidar do nobelista.
- O Que Aparece e o Que Não Aparece, de Sérgio Medeiros (Iluminuras): No livro, o poeta retoma os temas que lhe são caros desde suas primeiras obras: a descrição dos inumanos e dos detritos do Antropoceno num cenário que é verbal e visual - a letra e o glifo dialogam e traçam quadros enigmáticos do futuro.
Ignácio de Loyola Brandão
- Vida ao Vivo, de Ivan Angelo (Companhia das Letras): Súbito, Ivan Angelo rompeu o longo silêncio. Com a mesma força do consagrado A Festa, dos anos 70. Tudo se passa em torno de um big boss de poderosa rede de TV que revela décadas da história do Brasil. Ironia, sarcasmo, humor. Impossível parar de ler. Ditadura, censura, fake news, corrupção, está tudo aí. Há muito.
- Rita Lee: Outra Autobiografia (Globo): Um ícone. Podem surgir quantos livros forem, vamos gostar de todos. Poucos significaram o que ela foi. Nossa super star, seus medos, depressões, pânicos, luta contra a dor e pela vida. Dela me ficou uma frase:”Você não está só, é somente um nó que precisa ser desfeito”. Assim somos todos? Nós?
- O Que vi dos Presidentes, de Cristiana Lobo (Planeta): Ela conviveu com oito presidentes da República. De perto. Por dentro. Uma das mais argutas e bem informadas cronistas políticas do Brasil por 40 anos, Cristiana traz o que chama de fatos e versões - e que fatos - sobre Lula, Fernando Collor, Itamar Franco, Michel Temer, FHC, Dilma Rousseff, José Sarney, Bolsonaro. Imperdível para entender o hoje. Como chegamos ao que chegamos.
Leandro Karnal
- Extremo Oeste, de Paulo Fehlauer (Cepe): Vencedor do Prêmio Jabuti de 2023 na categoria autor estreante. Linguagem original em torno do desaparecimento de um amigo e os caminhos da memória. Fiz parte do júri e fiquei impressionado com a narrativa. Vale muito a pena.
- Como Salvar a Democracia, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Zahar): Os autores criaram uma obra anterior fundamental: Como as Democracias Morrem. Os professores de Harvard indicam caminhos concretos para fortalecer a pluralidade vitalidade da democracia nos EUA, em particular. Eis um livro que faz pensar sobre novos pactos políticos no mundo contemporâneo.
- A Próxima Onda, de Mustafa Suleyman e Michael Bhaskar (Record): A personagem de 2023 foi a inteligência artificial. A IA mudará tudo. O livro trata da análise do que já existe e dos riscos que corremos. Indispensável.
Marcelo Rubens Paiva
- Poder Camuflado: Os Militares e a Política, do Fim da Ditadura à Aliança com Bolsonaro, de Fabio Victor (Companhia das Letras): É um dos livros mais importantes publicados nos últimos tempos, que traz um retrato preciso da ascensão dos militares na política, mostrando que vem de longe essa ambição, e de como ela é danosa à democracia.
- Arrabalde, de João Moreira Salles (Companhia das Letras): Um painel muito bem pesquisado de alguém de fora, com o olhar jornalístico e base científica, dos problemas da Amazônia, que não são poucos.
- Zaranza, de Rita de Podestá (Reformatório): É um livro de remendos de mulheres fragmentadas, divertido e contundente, contos que se unem, mas podem ser lidos separadamente, dos absurdos vividos por uma jovem mulher, que fala de desamor, afeto, solidão, escrito por uma jovem autora que se revela entre tantas mulheres que hoje protagonizam a literatura brasileira.
Maria Fernanda Rodrigues
- Ioga, de Emmanuel Carrère (Alfaguara): Carrère, reconhecido escritor francês, queria escrever um livrinho simpático sobre ioga, em suas palavras, mas seu mundo desmorona e ele mergulha vertiginosamente no abismo, de onde volta com um romance. Uma autoficção. O retrato cruel e impiedoso de um um homem que busca o equilíbrio, e o presente, no meio do caos. LEIA A RESENHA.
- Nosso Corpo, Seu Campo de Batalha, de Christina Lamb (Companhia das Letras): Correspondente de guerra britânica dá voz a mulheres e meninas que sofreram abuso sexual em diferentes lugares do mundo - sempre durante um conflito, enquanto lutavam por sua sobrevivência e depois de passarem por situações extremas, como ver toda a família ser executada, bebês serem estuprados ou depois de serem torturadas. Lamb quer mostrar que o estupro tem sido usado como eficaz e barata arma de guerra. Assunto incômodo. Leitura desagradável, obrigatória e urgente. LEIA A RESENHA E A ENTREVISTA.
- Onde Pastam os Minotauros, de Joca Terron (Todavia): Um livro forte, brutal, situado num centro-oeste brasileiro de paisagens desérticas. Na última segunda-feira do ano, de um ano de pandemia, brasileiros se aglomeram na porta de um matadouro à espera de ossos. A empresa está se adaptando ao abate religioso - já produz carne halal, com funcionários muçulmanos, e está prestes a receber uma inspeção porque quer fazer também carne kosher. Três amigos que trabalham no local planejam algo, querem sair daquele labirinto. Poderia ser uma distopia, mas nisso estamos - como diz o narrador.
Rodrigo Ortega
- Manifesto Antimaternalista, Vera Iaconelli (Companhia das Letras): A palavra ‘manifesto’ no título dá uma ideia correta da força das ideias, mas aqui há mais do que um chamado. Vera Iaconelli busca, em séculos de comportamentos e teorias sobre a maternidade, uma separação: onde estão as armadilhas disfarçadas de naturalidade? É um resumo acessível de um trabalho exaustivo sobre a exaustão - no caso, a sobrecarga feminina decorrente da omissão social (masculina, claro) no trabalho reprodutivo. A forma como ela aceita e rejeita as contribuições e equívocos de Freud e Winnicott remete à expressão batida de ‘descartar a água suja do banho sem jogar fora o bebê'. Ela não só realiza a tarefa como avisa que o bebê é de todos nós.
- O que É Meu, José Henrique Bortoluci (Fósforo): De uma história pessoal, do filho que acompanha e ouve o pai durante o tratamento de um câncer, vem o diagnóstico de um País que parou de compreender a si mesmo - se é que um dia já se entendeu. O esforço do narrador em ouvir e dar voz ao pai, caminhoneiro que rodou o Brasil desde a época da ditadura militar, tenta cobrir buracos sentimentais e sociais. Há um apoio evidente em Annie Ernaux e, com mão pesada, no Léxico Familiar de Natalia Ginzburg. Tudo bem, já que o ajuda na busca do que lhe é particular - o que é seu.
- Macabéa: Flor de Mulungu, Conceição Evaristo (Oficina Raquel): É um texto curto, versão de um conto publicado em 2012 em um projeto de releitura de obras de Clarice Lispector, agora com ilustrações de Luciana Nabuco. Se estivéssemos em Hollywood, seria uma ‘prequel’ de A Hora da Estrela. Mas estamos em um local mais interessante: a Alagoas da infância de Macabéa, datilógrafa que seria vista como coitada no Rio de Janeiro anos depois. Coitado é quem não conheceu essa ‘outra’, costureira e parteira, que criou vida na roça antes de perder a sua na cidade. A Macabéa colorida de Evaristo não anula a pálida de Lispector. No fim das contas, sua potência não anula a tragédia, mas a intensifica.
Sérgio Augusto
- Sempre Paris: Crônica de uma Cidade, Seus Escritores e Artistas, de Rosa Freite d’ Aguiar (Companhia das Letras): O mais novo acréscimo à minha Parisiana é este livro de memórias da jornalista e tradutora (de Proust e Balzac) Rosa Freire d’Aguiar, que a gente lê como se estivesse saboreando a melhor crêpe da margem direita do Sena, onde, aliás, se passa a maior parte das histórias vividamente lembradas ou vividas e testemunhadas por Rosa, a partir de 1973, quando lá chegou, viu e venceu. E venceu escrevendo reportagens, convivendo com as estrelas da intelectualidade europeia e contando a seu modo (parfois com a ajuda de Balzac) a própria história da cidade, onde já teve cinco endereços e nunca pensou em trocar por outra. Duas dezenas de ótimas entrevistas (com Barthes, Simenon, Ionesco, Cortázar, Aron, entre outros) complementam essa carinhosa viagem mnemônica pela mais fascinante metrópole cultural do planeta.
- Montevidéu, de Enrique Vila-Matas (Companhia das Letras): Mais uma autoficção do romancista catalão, na medida para quem curte Calvino, Bolaño, e sobretudo Cortázar e Tabucchi. Seu anônimo narrador (e alter ego) atravessa o Atlântico para tentar reviver as emoções que Cortázar e Bioy Casares haviam experimentado, separadamente, num mesmo quarto de hotel na capital uruguaia, cuja aura de mistério inspirou um conto de cada um deles e agora aciona este jogo especular e labiríntico, fetichista e obsessivo de Vila-Matas, permanentemente intrigante e, ocasionalmente, divertido. LEIA MAIS SOBRE O LIVRO.
- Maniac, de Benjamin Labatut (Todavia): Espécie de coda de Quando Deixamos de Entender o Mundo, do mesmo autor chileno, traduzido no ano passado. Meio romance biográfico, meio relato histórico, meio ensaio filosófico sobre os avanços e desvarios de algumas das maiores sumidades científicas do século passado, gênios do bem e do mal, artífices da derradeira (?) revolução tecnológica e arautos do apocalipse. Atualíssimo. LEIA MAIS SOBRE O LIVRO.