Quino fez de sua Mafalda uma tira atemporal e, quem sabe, uma unanimidade. Não há quem não goste das aventuras da garotinha, que soube falar sobre (quase) tudo, sem perder o bom humor e a inocência. Formador de gerações de leitores, Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino, morto há dois anos, estimulou o pensamento crítico não só de crianças e jovens, seus quadrinhos se tornaram referência mesmo para adultos por abordarem assuntos universais, entre temas espinhosos, de maneira inteligente e delicada.
Com menos de 20 anos, o jovem aluno da Faculdade de Belas Artes abandonou o mundo acadêmico para realizar um sonho: desenhar. Começou na imprensa alternativa ainda nos anos 1950, influenciado pela Banda Desenhada e por com autores americanos como Schulz, Mafalda foi criada, originalmente, para ser ‘garota propaganda’ da loja Mansfield de eletrodomésticos, o que não aconteceu.
A propaganda foi engavetada, a garotinha, não, tendo ela sido publicada na revista Primera Plana em 1964, isso só depois de ser recusada pelo diário Clarín. Durou 9 anos, até 1973, embora seja replicada até hoje, quase meio século depois, sem perder a atualidade. Mafalda faz parte da memória afetiva de leitores do mundo todo (o trabalho de Quino ganhou traduções, ainda nas décadas de 1960 e 1970 em alguns países da Europa, como Portugal e Itália, além da Espanha).
Com o mundo sempre sob turbulências políticas, econômicas e existenciais, Quino, com muita sensatez e certa discrição (mesmo o quadrinho sendo tarjado como ‘para adultos’, como na Itália), passou a incorporar temas políticos, ainda que amiúde, em suas tiras. Mafalda questionava os sistemas de poder, sim, mas o fazia como as crianças o fazem: é uma garotinha perguntadeira.
No final da década de 1960, a turma de Mafalda ganhou seu primeiro almanaque de histórias. Um sucesso nas vendas – até hoje, 60 anos depois. Depois do encerramento das tiras de Mafalda, Quino viveu para celebrar a sua obra. Ele recebeu diversas honrarias, como o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades e a Medalha da Ordem e Letras da França.
O tino filosófico se tornou marca do trabalho do argentino nascido em Mendoza, que viveu a maior parte da vida na capital Buenos Aires, ele morreu aos 88 anos, já de volta à cidade natal, após complicações de um AVC.