Enquanto o ano de 2020 vem sendo marcado pela imposição de limites provocada pela epidemia da covid-19, Rita Lee parece mais solta do que nunca. OK, ela respeita seriamente o isolamento social, não pondo o pé fora de seu sítio no interior de São Paulo. Mas vem aparecendo publicamente como antes não fazia. Gravou um clipe em que canta Saúde, ao lado do marido Roberto de Carvalho. Também liberou vídeos educativos, mostrando, por exemplo, como se deve lavar as mãos adequadamente.
Ainda ao lado de Roberto, anunciou que Rita Lee: Uma Autobiografia (2016), um de seus best-sellers, vai ganhar uma versão para o cinema e uma série de TV, tão logo a pandemia permita – provavelmente com Mel Lisboa no papel principal. E agora mantém-se firme na escrita, colaborando na obra de amigas (escreveu a orelha do livro autobiográfico da apresentadora Xuxa, que deverá sair neste mês) e refazendo sua obra infantil: depois de relançar, no ano passado, versões atualizadas de Dr. Alex (que saiu em 1986) e Dr. Alex na Amazônia (1990), agora Rita volta ao mercado com novas edições de Dr. Alex e os Reis de Angra (1988) e Dr. Alex e o Phantom, novo título para Dr. Alex e o Oráculo de Quartz, que saiu em 1992.
Alex é um cientista que, transformado em um ratinho, inicia uma saga convidando as crianças a defenderem o meio ambiente. Como o tema se tornou ainda mais urgente nos últimos anos, Rita resolveu revisitar os textos e reforçar ainda mais a mensagem ecológica – de quebra, os livros ganharam novas ilustrações.
“Uma vez, adotei um ratinho lindo. Papo vai, papo vem, ele me contou toda a sua história. E me disse que já havia sido gente! E mais: que se transformou em um rato para defender os bichos e a natureza. Gostei tanto que vou contar para vocês as aventuras de Alex”, escreve ela, iniciando as narrativas.
Aos 72 anos, Rita Lee está há oito longe dos palcos, vivendo mais perto da natureza, mas ainda conectada com o que acontece no planeta. Desiludida com a crescente degradação do meio ambiente, ela aposta nas novas gerações como responsáveis pela mudança necessária. Por isso, reescreve sua obra infantil e colabora na das pessoas que acreditam como ela.
“Me emociona o amor incondicional que ela sente pela causa dos animais e, é claro, pelos baixinhos, que viam nela uma fada colorida que os transportava a um mundo mágico onde só ela era capaz de lhes proporcionar aventuras inesquecíveis”, escreve ela na orelha do livro de Xuxa.
A parceria pró-verde se estende por outros caminhos – recentemente, Xuxa pediu que Rita gravasse um vídeo em defesa dos animais e da Amazônia, que era transmitido no telão durante a turnê Xuxa Xou. Sobre o trabalho com os livros e o momento atual, Rita respondeu por e-mail as seguintes questões.
Livros para criança precisam sempre ter um final feliz, mesmo que a história trate de assuntos desagradáveis, como destruição de florestas e maus tratos de animais?
A intenção é contar para as crianças do desrespeito que acontece atualmente a todas as formas de vida, pois quem herdará a Mãe Terra serão elas. Os reinos mineral, vegetal e animal estão em perigo de verdade. Quanto antes a criançada ficar antenada a essas tragédias ambientais, melhor. Mostre a elas o fogo destruindo milhares de árvores; conte que estão aniquilando indígenas e sua rica cultura; mostre que animais, que sentem dor e são seres vivos como nós, são tratados como coisas. Sim, é desagradável, mas as crianças de hoje devem ser preparadas para aprender o que não se deve fazer com a natureza.
Você traz um novo olhar para Dr Alex e o Phantom. Como foi voltar à essa história e como foi o trabalho de acrescentar novos fatos?
Os quatro livrinhos do Dr. Alex são dos anos 1980, quando então coloquei no papel algumas das histórias que eu contava para meus filhos antes de dormirem. Não se falava tanto em meio ambiente, na causa dos animais, em usinas atômicas, em mineração desenfreada etc. A Globo Livros quis relançá-los por achar os temas tratados nas obras mais atuais hoje do que nos anos 1980. Dei apenas uma atualizada nos textos, que ganharam novas e lindas ilustrações de Guilherme Francini e Quihoma Isaac. Faço coleção de cristais Phantom e tenho um que realmente é mágico. Os estrangeiros caem de boca e fazem a rapa nas pedras brutas semipreciosas que temos aqui e os brasileiros não dão o devido valor.
Aliás, a presença de Vovó Ritinha torna-se cada vez mais constante nos seus livros infantis. Por que? É uma maneira de se conectar mais diretamente com o público infantil?
Meus netos me chamam de vovó Ritinha e eu fico toda babona. Como avó, sou um misto de Dona Benta com Dercy Gonçalves, contadora de histórias e meio desbocada. Me sinto fofa sendo a vovó Ritinha de todas as crianças.
Você já disse que acredita que as crianças de hoje serão responsáveis por retomar o fio da meada hippie da década de 1960 e salvar o planeta do próprio homem. Como a geração pós-millennials conseguirá fazer isso?
Minha esperança é a de aparecer no cenário político homens e mulheres jovens com consciência ambiental e social, que realmente façam a diferença, que encarem a política como missão. Os hippies tentaram, mas o sistemão engoliu o “paz e amor”; porém a semente ficou. Depois, vieram workaholics, yuppies e um monte de rótulos que perdi a conta. Há de surgir novas gerações com saúde mental, psicológica e espiritual para nos resgatar dessa idade “mérdia” na qual vivemos hoje. Mas nem sei se estarei viva para ver isso acontecer. Aposto minhas fichas na criançada que vem por aí.
O Brasil vem sendo assolado por uma onda de queimadas em várias regiões, talvez algo que nunca tenha acontecido antes de forma simultânea. Você acredita que, de uma certa forma, isso nem é tão surpreendente?
A única bandeira que carrego é a da defesa dos reinos mineral, vegetal e animal. Não é de agora que a Amazônia vem sendo estuprada, mas, como hoje, nunca se viu. E ainda fazem vista grossa. O mundo inteiro está vendo que o Brasil está ao deus-dará. Sou do tempo do Getúlio, yes, I’m fucking old, e de lá para cá, só piora.