Romance de estreia de Tiago Ferro examina a experiência do luto


Com alta voltagem criativa, 'O Pai da Menina Morta' parte da bagagem pessoal de ter perdido uma filha criança

Por Guilherme Sobota

A experiência do luto – e uma maneira muito criativa de significar a busca por uma vida normal após uma perda trágica – é o combustível do narrador de O Pai da Menina Morta, o primeiro livro de Tiago Ferro, publicado agora pela editora Todavia.

O livro é um romance, uma ficção, mas que partiu da experiência do próprio autor: em 2016, uma de suas filhas, de 8 anos, morreu após decorrências de Influenza B, uma gripe muito forte. O mesmo ocorre com o narrador do romance.

“O início da escrita do livro marca o final do meu luto pessoal, ou pelo menos o encerramento da sua fase mais aguda”, diz Ferro, agora, por e-mail. “O narrador busca um lugar na sociedade em uma tentativa de se readaptar após ter visto as coisas de um outro ângulo, após ter estranhado a própria vida e todo o seu aparato cultural e social. É nesse processo que psicanálise, política, sexo, amizade, música, literatura vão surgindo como clichês. E por isso ele se vê incapaz de se engajar em um projeto qualquer.”

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Tiago Ferro. Fundador da editora e-galáxia e da revista 'Peixe Elétrico' Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

O livro é composto numa estrutura fragmentária de alta voltagem criativa em que pensamentos, reflexões, listas, e-mails, mensagens de redes sociais, memórias, descrições, sonhos e fotografias se misturam para mostrar a tentativa de reconstrução de um indivíduo.

“A ficção para mim representou uma possibilidade de investigar o que não faz mais nenhum sentido, mas fazia até ‘ontem’ (mesmo que parcialmente). O narrador quer ser aceito novamente, mas ao mesmo tempo ele não pode fingir que não viu tudo estranhado, distorcido. Ninguém pode lhe oferecer uma resposta satisfatória sobre o sentido da vida após a perda trágica. Ele fica entre os seus, mas em um local desconfortável.”

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Ferro rejeita o título de autoficção para o livro. “Apesar de autor e narrador terem em comum a perda da filha e esse episódio ser o que move o romance, não busquei usar a minha vida como tema. Questionar os limites entre ficção e realidade, algo bastante comum na autoficção, também não está presente no meu livro”, diz.

“Se de fato é importante encontrar o corte biográfico em uma obra ficcional”, prossegue, “ele vai ser interessante quando revelar aquilo que traiu as intenções originais do autor, quando expõe o que foge ao controle no processo criativo”.

O autor situa o livro em 2016, e o ambiente político deteriorado do País é presente em alguns trechos – como quando o narrador se lembra do momento em que a coordenadora da escola (a Pueri Domus) libera a sua classe para participar dos protestos contra Collor, e, na frase seguinte, 20 anos depois, os libera para participar das manifestações contra Dilma Rousseff.

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Um dos caminhos que o narrador busca para lidar com o luto é a psicanálise. O autor diz nunca ter frequentado sessões, mas questionado se a escrita literária pode servir a propósitos parecidos, diz: “Durante a escrita do livro, enquanto as questões subjetivas, encobertas, sem nome ou forma vão se articulando no texto literário, ocorre uma espécie de euforia. Como se aquilo que faltava, os buracos, finalmente encontrassem formas que os preenchessem. Terminado o livro, novas questões surgem. Ou as mesmas questões já reformuladas. Sempre os vazios...”.

A linguagem fragmentária, para o autor, é o que “há de mais importante” no livro. “É nela que a minha experiência pessoal é articulada (e cifrada na forma) com o meio social e histórico no qual eu vivo. O tema em si da perda de um filho não é nenhuma novidade. A questão era justamente encontrar um forma única de contar essa história”, diz.

Em 2016, Ferro compartilhou seu luto publicamente, com postagens encharcadas de sinceridade nas redes sociais e com um longo texto para a revista piauí (em um momento de O Pai da Menina Morta, o narrador diz após entregar um texto semelhante: “Eu não sabia que era capaz de escrever”). 

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Ele entende, porém, que a literatura provê questões, e nunca respostas. “Acredito que o que se espera de um livro como o meu é uma experiência da dor. Há dor, claro. Mas há principalmente um narrador que se move com uma enorme potência de vida, provavelmente vinda justamente da paradoxal liberdade de não poder acreditar mais nas respostas prontas, mas não abrir mão de procurá-las.”

O PAI DA MENINA MORTA

Autor: Tiago Ferro

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Editora: Todavia (176 págs., R$ 44,90, R$ 30,90 digital)

A experiência do luto – e uma maneira muito criativa de significar a busca por uma vida normal após uma perda trágica – é o combustível do narrador de O Pai da Menina Morta, o primeiro livro de Tiago Ferro, publicado agora pela editora Todavia.

O livro é um romance, uma ficção, mas que partiu da experiência do próprio autor: em 2016, uma de suas filhas, de 8 anos, morreu após decorrências de Influenza B, uma gripe muito forte. O mesmo ocorre com o narrador do romance.

“O início da escrita do livro marca o final do meu luto pessoal, ou pelo menos o encerramento da sua fase mais aguda”, diz Ferro, agora, por e-mail. “O narrador busca um lugar na sociedade em uma tentativa de se readaptar após ter visto as coisas de um outro ângulo, após ter estranhado a própria vida e todo o seu aparato cultural e social. É nesse processo que psicanálise, política, sexo, amizade, música, literatura vão surgindo como clichês. E por isso ele se vê incapaz de se engajar em um projeto qualquer.”

Tiago Ferro. Fundador da editora e-galáxia e da revista 'Peixe Elétrico' Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

O livro é composto numa estrutura fragmentária de alta voltagem criativa em que pensamentos, reflexões, listas, e-mails, mensagens de redes sociais, memórias, descrições, sonhos e fotografias se misturam para mostrar a tentativa de reconstrução de um indivíduo.

“A ficção para mim representou uma possibilidade de investigar o que não faz mais nenhum sentido, mas fazia até ‘ontem’ (mesmo que parcialmente). O narrador quer ser aceito novamente, mas ao mesmo tempo ele não pode fingir que não viu tudo estranhado, distorcido. Ninguém pode lhe oferecer uma resposta satisfatória sobre o sentido da vida após a perda trágica. Ele fica entre os seus, mas em um local desconfortável.”

Ferro rejeita o título de autoficção para o livro. “Apesar de autor e narrador terem em comum a perda da filha e esse episódio ser o que move o romance, não busquei usar a minha vida como tema. Questionar os limites entre ficção e realidade, algo bastante comum na autoficção, também não está presente no meu livro”, diz.

“Se de fato é importante encontrar o corte biográfico em uma obra ficcional”, prossegue, “ele vai ser interessante quando revelar aquilo que traiu as intenções originais do autor, quando expõe o que foge ao controle no processo criativo”.

O autor situa o livro em 2016, e o ambiente político deteriorado do País é presente em alguns trechos – como quando o narrador se lembra do momento em que a coordenadora da escola (a Pueri Domus) libera a sua classe para participar dos protestos contra Collor, e, na frase seguinte, 20 anos depois, os libera para participar das manifestações contra Dilma Rousseff.

Um dos caminhos que o narrador busca para lidar com o luto é a psicanálise. O autor diz nunca ter frequentado sessões, mas questionado se a escrita literária pode servir a propósitos parecidos, diz: “Durante a escrita do livro, enquanto as questões subjetivas, encobertas, sem nome ou forma vão se articulando no texto literário, ocorre uma espécie de euforia. Como se aquilo que faltava, os buracos, finalmente encontrassem formas que os preenchessem. Terminado o livro, novas questões surgem. Ou as mesmas questões já reformuladas. Sempre os vazios...”.

A linguagem fragmentária, para o autor, é o que “há de mais importante” no livro. “É nela que a minha experiência pessoal é articulada (e cifrada na forma) com o meio social e histórico no qual eu vivo. O tema em si da perda de um filho não é nenhuma novidade. A questão era justamente encontrar um forma única de contar essa história”, diz.

Em 2016, Ferro compartilhou seu luto publicamente, com postagens encharcadas de sinceridade nas redes sociais e com um longo texto para a revista piauí (em um momento de O Pai da Menina Morta, o narrador diz após entregar um texto semelhante: “Eu não sabia que era capaz de escrever”). 

Ele entende, porém, que a literatura provê questões, e nunca respostas. “Acredito que o que se espera de um livro como o meu é uma experiência da dor. Há dor, claro. Mas há principalmente um narrador que se move com uma enorme potência de vida, provavelmente vinda justamente da paradoxal liberdade de não poder acreditar mais nas respostas prontas, mas não abrir mão de procurá-las.”

O PAI DA MENINA MORTA

Autor: Tiago Ferro

Editora: Todavia (176 págs., R$ 44,90, R$ 30,90 digital)

A experiência do luto – e uma maneira muito criativa de significar a busca por uma vida normal após uma perda trágica – é o combustível do narrador de O Pai da Menina Morta, o primeiro livro de Tiago Ferro, publicado agora pela editora Todavia.

O livro é um romance, uma ficção, mas que partiu da experiência do próprio autor: em 2016, uma de suas filhas, de 8 anos, morreu após decorrências de Influenza B, uma gripe muito forte. O mesmo ocorre com o narrador do romance.

“O início da escrita do livro marca o final do meu luto pessoal, ou pelo menos o encerramento da sua fase mais aguda”, diz Ferro, agora, por e-mail. “O narrador busca um lugar na sociedade em uma tentativa de se readaptar após ter visto as coisas de um outro ângulo, após ter estranhado a própria vida e todo o seu aparato cultural e social. É nesse processo que psicanálise, política, sexo, amizade, música, literatura vão surgindo como clichês. E por isso ele se vê incapaz de se engajar em um projeto qualquer.”

Tiago Ferro. Fundador da editora e-galáxia e da revista 'Peixe Elétrico' Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

O livro é composto numa estrutura fragmentária de alta voltagem criativa em que pensamentos, reflexões, listas, e-mails, mensagens de redes sociais, memórias, descrições, sonhos e fotografias se misturam para mostrar a tentativa de reconstrução de um indivíduo.

“A ficção para mim representou uma possibilidade de investigar o que não faz mais nenhum sentido, mas fazia até ‘ontem’ (mesmo que parcialmente). O narrador quer ser aceito novamente, mas ao mesmo tempo ele não pode fingir que não viu tudo estranhado, distorcido. Ninguém pode lhe oferecer uma resposta satisfatória sobre o sentido da vida após a perda trágica. Ele fica entre os seus, mas em um local desconfortável.”

Ferro rejeita o título de autoficção para o livro. “Apesar de autor e narrador terem em comum a perda da filha e esse episódio ser o que move o romance, não busquei usar a minha vida como tema. Questionar os limites entre ficção e realidade, algo bastante comum na autoficção, também não está presente no meu livro”, diz.

“Se de fato é importante encontrar o corte biográfico em uma obra ficcional”, prossegue, “ele vai ser interessante quando revelar aquilo que traiu as intenções originais do autor, quando expõe o que foge ao controle no processo criativo”.

O autor situa o livro em 2016, e o ambiente político deteriorado do País é presente em alguns trechos – como quando o narrador se lembra do momento em que a coordenadora da escola (a Pueri Domus) libera a sua classe para participar dos protestos contra Collor, e, na frase seguinte, 20 anos depois, os libera para participar das manifestações contra Dilma Rousseff.

Um dos caminhos que o narrador busca para lidar com o luto é a psicanálise. O autor diz nunca ter frequentado sessões, mas questionado se a escrita literária pode servir a propósitos parecidos, diz: “Durante a escrita do livro, enquanto as questões subjetivas, encobertas, sem nome ou forma vão se articulando no texto literário, ocorre uma espécie de euforia. Como se aquilo que faltava, os buracos, finalmente encontrassem formas que os preenchessem. Terminado o livro, novas questões surgem. Ou as mesmas questões já reformuladas. Sempre os vazios...”.

A linguagem fragmentária, para o autor, é o que “há de mais importante” no livro. “É nela que a minha experiência pessoal é articulada (e cifrada na forma) com o meio social e histórico no qual eu vivo. O tema em si da perda de um filho não é nenhuma novidade. A questão era justamente encontrar um forma única de contar essa história”, diz.

Em 2016, Ferro compartilhou seu luto publicamente, com postagens encharcadas de sinceridade nas redes sociais e com um longo texto para a revista piauí (em um momento de O Pai da Menina Morta, o narrador diz após entregar um texto semelhante: “Eu não sabia que era capaz de escrever”). 

Ele entende, porém, que a literatura provê questões, e nunca respostas. “Acredito que o que se espera de um livro como o meu é uma experiência da dor. Há dor, claro. Mas há principalmente um narrador que se move com uma enorme potência de vida, provavelmente vinda justamente da paradoxal liberdade de não poder acreditar mais nas respostas prontas, mas não abrir mão de procurá-las.”

O PAI DA MENINA MORTA

Autor: Tiago Ferro

Editora: Todavia (176 págs., R$ 44,90, R$ 30,90 digital)

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