‘Se morresse, não seria esquecido’, diz, na Flip, escritor palestino que fez diário da guerra


Para Atef Abu Saif, que presenciou três meses de bombardeios em Gaza, ‘escrever era uma forma de sobrevivência’; ele participou de mesa com a brasileira Julia Dantas, uma das vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul; veja o vídeo abaixo

Por Julia Queiroz
Atualização:

“Para escrever um poema que não seja político, devo escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, é preciso que cesse o bombardeio.” Ao ler este breve poema do palestino Marwan Makhoul na abertura de um debate na noite desta sexta-feira, 11, na Festa Literária Internacional de Paraty, a curadora Ana Lima Cecilio deu o tom de como seria a conversa entre outro palestino, o escritor Atef Abu Saif, e a gaúcha Julia Dantas.

Com medição de Bianca Tavolari, a mesa Não existe mais lá, da Flip 2024, buscou traçar paralelos entre a guerra que acontece em Gaza há mais de um ano e as enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre entre abril e maio.

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Saif, nascido em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em 1973 e autor de ensaios e romances, publicou no Brasil, pela editora Elefante, o livro Quero Estar Acordado Quando Morrer: Diário do Genocídio em Gaza. Ele, que foi ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina e vive em Ramallah, na Cisjordânia, estava em Gaza a trabalho quando a nova guerra começou. Ele estava com o filho e só conseguiu deixar a região três meses após o início dos bombardeios.

O escritor palestino Atef Abu Saif, autor de 'Quero Estar Acordado Quando Morrer', durante mesa na Flip na noite de sexta, 11 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

“Depois de uma semana, pensei: eu posso morrer. Tudo está ruindo ao meu redor. Nós conseguíamos sentir o cheio da morte. Isso não é nada metafórico” disse ele, que passou, então, a registrar o dia a dia. “Pensei: ‘caso eu morra, não serei esquecido.’”

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O diário também foi a forma que Julia Dantas - gaúcha de 39 anos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e autora de A Mulher de Dois Esqueletos (Dublinense), entre outros - achou de lidar com o caos. Ela fundou, em 2020, o blog Diário da Pandemia, que reuniu o depoimento de cerca de 200 pessoas. A iniciativa inspirou, neste ano, o Diário da Enchente, organizado pelos jornalistas Raphaela Donaduce Flores e Luís Felipe dos Santos.

“As coisas precisavam ser ditas naquele instante. Na pandemia, tínhamos a ilusão de que duraria pouco. Na enchente, todo mundo estava perdido e desorientado. Eu, pelo menos, estava”, explicou. Julia foi uma das pessoas que perderam a casa com a tragédia que afetou Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul, e escreveu um depoimento para o blog.

A mesa foi marcada, também, por alguns ruídos na tradução simultânea e uma tentativa de interrupção na plateia. Um homem - que a reportagem do Estadão já ouvia falando alto no início da mesa - deixava a tenda quando disse, em direção ao palco, que o problema das enchentes “acontece toda hora” na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.

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Julia não interrompeu sua fala, mas logo comentou a situação e afirmou que muitos bairros e cidades da periferia do RS inundam todos os anos, mas que agora que a situação chegou também à classe média - e de forma tão colossal -, é que estão pensando em uma forma de resolver isso.

A escritora Julia Dantas foi uma das vítimas da enchente que atingiu Porto Alegre este ano Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Ambos os escritores ressaltaram que escrever foi importante nos momentos difíceis que enfrentaram. “Escrever era uma forma de sobrevivência”, disse Saif, que, quando estava em Gaza, lia em voz alta aquilo que escrevia e, assim, reforçava a si mesmo que estava vivo. “O momento de escrita é o momento de desapego da realidade. Você faz parte, mas está assistindo”, completou o palestino.

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Política no final

Questões políticas apareceram com mais força apenas no final da conversa. Saif teceu críticas a Israel e aos Estados Unidos, afirmando que não acha que nenhum dos candidatos à eleição americana pretende interromper a guerra em Gaza.

Já Julia lamentou a possibilidade de reeleição do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, que teve 49,72% dos votos no primeiro turno. Mas o que chamou a atenção, a escritora ressaltou, foi que houve mais abstenções (345.544) do que votos no candidato à reeleição (345.420), que disputa agora o segundo turno com Maria do Rosário (PT), a segunda colocada. Para a escritora, isso demostra um “desânimo” e “descrença” da população com relação à política.

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Veja a conversa entre Julia Dantas e Atef Abu Saif

A repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador do evento

“Para escrever um poema que não seja político, devo escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, é preciso que cesse o bombardeio.” Ao ler este breve poema do palestino Marwan Makhoul na abertura de um debate na noite desta sexta-feira, 11, na Festa Literária Internacional de Paraty, a curadora Ana Lima Cecilio deu o tom de como seria a conversa entre outro palestino, o escritor Atef Abu Saif, e a gaúcha Julia Dantas.

Com medição de Bianca Tavolari, a mesa Não existe mais lá, da Flip 2024, buscou traçar paralelos entre a guerra que acontece em Gaza há mais de um ano e as enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre entre abril e maio.

Saif, nascido em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em 1973 e autor de ensaios e romances, publicou no Brasil, pela editora Elefante, o livro Quero Estar Acordado Quando Morrer: Diário do Genocídio em Gaza. Ele, que foi ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina e vive em Ramallah, na Cisjordânia, estava em Gaza a trabalho quando a nova guerra começou. Ele estava com o filho e só conseguiu deixar a região três meses após o início dos bombardeios.

O escritor palestino Atef Abu Saif, autor de 'Quero Estar Acordado Quando Morrer', durante mesa na Flip na noite de sexta, 11 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

“Depois de uma semana, pensei: eu posso morrer. Tudo está ruindo ao meu redor. Nós conseguíamos sentir o cheio da morte. Isso não é nada metafórico” disse ele, que passou, então, a registrar o dia a dia. “Pensei: ‘caso eu morra, não serei esquecido.’”

O diário também foi a forma que Julia Dantas - gaúcha de 39 anos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e autora de A Mulher de Dois Esqueletos (Dublinense), entre outros - achou de lidar com o caos. Ela fundou, em 2020, o blog Diário da Pandemia, que reuniu o depoimento de cerca de 200 pessoas. A iniciativa inspirou, neste ano, o Diário da Enchente, organizado pelos jornalistas Raphaela Donaduce Flores e Luís Felipe dos Santos.

“As coisas precisavam ser ditas naquele instante. Na pandemia, tínhamos a ilusão de que duraria pouco. Na enchente, todo mundo estava perdido e desorientado. Eu, pelo menos, estava”, explicou. Julia foi uma das pessoas que perderam a casa com a tragédia que afetou Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul, e escreveu um depoimento para o blog.

A mesa foi marcada, também, por alguns ruídos na tradução simultânea e uma tentativa de interrupção na plateia. Um homem - que a reportagem do Estadão já ouvia falando alto no início da mesa - deixava a tenda quando disse, em direção ao palco, que o problema das enchentes “acontece toda hora” na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.

Julia não interrompeu sua fala, mas logo comentou a situação e afirmou que muitos bairros e cidades da periferia do RS inundam todos os anos, mas que agora que a situação chegou também à classe média - e de forma tão colossal -, é que estão pensando em uma forma de resolver isso.

A escritora Julia Dantas foi uma das vítimas da enchente que atingiu Porto Alegre este ano Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Ambos os escritores ressaltaram que escrever foi importante nos momentos difíceis que enfrentaram. “Escrever era uma forma de sobrevivência”, disse Saif, que, quando estava em Gaza, lia em voz alta aquilo que escrevia e, assim, reforçava a si mesmo que estava vivo. “O momento de escrita é o momento de desapego da realidade. Você faz parte, mas está assistindo”, completou o palestino.

Política no final

Questões políticas apareceram com mais força apenas no final da conversa. Saif teceu críticas a Israel e aos Estados Unidos, afirmando que não acha que nenhum dos candidatos à eleição americana pretende interromper a guerra em Gaza.

Já Julia lamentou a possibilidade de reeleição do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, que teve 49,72% dos votos no primeiro turno. Mas o que chamou a atenção, a escritora ressaltou, foi que houve mais abstenções (345.544) do que votos no candidato à reeleição (345.420), que disputa agora o segundo turno com Maria do Rosário (PT), a segunda colocada. Para a escritora, isso demostra um “desânimo” e “descrença” da população com relação à política.

Veja a conversa entre Julia Dantas e Atef Abu Saif

A repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador do evento

“Para escrever um poema que não seja político, devo escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, é preciso que cesse o bombardeio.” Ao ler este breve poema do palestino Marwan Makhoul na abertura de um debate na noite desta sexta-feira, 11, na Festa Literária Internacional de Paraty, a curadora Ana Lima Cecilio deu o tom de como seria a conversa entre outro palestino, o escritor Atef Abu Saif, e a gaúcha Julia Dantas.

Com medição de Bianca Tavolari, a mesa Não existe mais lá, da Flip 2024, buscou traçar paralelos entre a guerra que acontece em Gaza há mais de um ano e as enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre entre abril e maio.

Saif, nascido em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em 1973 e autor de ensaios e romances, publicou no Brasil, pela editora Elefante, o livro Quero Estar Acordado Quando Morrer: Diário do Genocídio em Gaza. Ele, que foi ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina e vive em Ramallah, na Cisjordânia, estava em Gaza a trabalho quando a nova guerra começou. Ele estava com o filho e só conseguiu deixar a região três meses após o início dos bombardeios.

O escritor palestino Atef Abu Saif, autor de 'Quero Estar Acordado Quando Morrer', durante mesa na Flip na noite de sexta, 11 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

“Depois de uma semana, pensei: eu posso morrer. Tudo está ruindo ao meu redor. Nós conseguíamos sentir o cheio da morte. Isso não é nada metafórico” disse ele, que passou, então, a registrar o dia a dia. “Pensei: ‘caso eu morra, não serei esquecido.’”

O diário também foi a forma que Julia Dantas - gaúcha de 39 anos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e autora de A Mulher de Dois Esqueletos (Dublinense), entre outros - achou de lidar com o caos. Ela fundou, em 2020, o blog Diário da Pandemia, que reuniu o depoimento de cerca de 200 pessoas. A iniciativa inspirou, neste ano, o Diário da Enchente, organizado pelos jornalistas Raphaela Donaduce Flores e Luís Felipe dos Santos.

“As coisas precisavam ser ditas naquele instante. Na pandemia, tínhamos a ilusão de que duraria pouco. Na enchente, todo mundo estava perdido e desorientado. Eu, pelo menos, estava”, explicou. Julia foi uma das pessoas que perderam a casa com a tragédia que afetou Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul, e escreveu um depoimento para o blog.

A mesa foi marcada, também, por alguns ruídos na tradução simultânea e uma tentativa de interrupção na plateia. Um homem - que a reportagem do Estadão já ouvia falando alto no início da mesa - deixava a tenda quando disse, em direção ao palco, que o problema das enchentes “acontece toda hora” na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.

Julia não interrompeu sua fala, mas logo comentou a situação e afirmou que muitos bairros e cidades da periferia do RS inundam todos os anos, mas que agora que a situação chegou também à classe média - e de forma tão colossal -, é que estão pensando em uma forma de resolver isso.

A escritora Julia Dantas foi uma das vítimas da enchente que atingiu Porto Alegre este ano Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Ambos os escritores ressaltaram que escrever foi importante nos momentos difíceis que enfrentaram. “Escrever era uma forma de sobrevivência”, disse Saif, que, quando estava em Gaza, lia em voz alta aquilo que escrevia e, assim, reforçava a si mesmo que estava vivo. “O momento de escrita é o momento de desapego da realidade. Você faz parte, mas está assistindo”, completou o palestino.

Política no final

Questões políticas apareceram com mais força apenas no final da conversa. Saif teceu críticas a Israel e aos Estados Unidos, afirmando que não acha que nenhum dos candidatos à eleição americana pretende interromper a guerra em Gaza.

Já Julia lamentou a possibilidade de reeleição do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, que teve 49,72% dos votos no primeiro turno. Mas o que chamou a atenção, a escritora ressaltou, foi que houve mais abstenções (345.544) do que votos no candidato à reeleição (345.420), que disputa agora o segundo turno com Maria do Rosário (PT), a segunda colocada. Para a escritora, isso demostra um “desânimo” e “descrença” da população com relação à política.

Veja a conversa entre Julia Dantas e Atef Abu Saif

A repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador do evento

“Para escrever um poema que não seja político, devo escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, é preciso que cesse o bombardeio.” Ao ler este breve poema do palestino Marwan Makhoul na abertura de um debate na noite desta sexta-feira, 11, na Festa Literária Internacional de Paraty, a curadora Ana Lima Cecilio deu o tom de como seria a conversa entre outro palestino, o escritor Atef Abu Saif, e a gaúcha Julia Dantas.

Com medição de Bianca Tavolari, a mesa Não existe mais lá, da Flip 2024, buscou traçar paralelos entre a guerra que acontece em Gaza há mais de um ano e as enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre entre abril e maio.

Saif, nascido em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em 1973 e autor de ensaios e romances, publicou no Brasil, pela editora Elefante, o livro Quero Estar Acordado Quando Morrer: Diário do Genocídio em Gaza. Ele, que foi ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina e vive em Ramallah, na Cisjordânia, estava em Gaza a trabalho quando a nova guerra começou. Ele estava com o filho e só conseguiu deixar a região três meses após o início dos bombardeios.

O escritor palestino Atef Abu Saif, autor de 'Quero Estar Acordado Quando Morrer', durante mesa na Flip na noite de sexta, 11 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

“Depois de uma semana, pensei: eu posso morrer. Tudo está ruindo ao meu redor. Nós conseguíamos sentir o cheio da morte. Isso não é nada metafórico” disse ele, que passou, então, a registrar o dia a dia. “Pensei: ‘caso eu morra, não serei esquecido.’”

O diário também foi a forma que Julia Dantas - gaúcha de 39 anos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e autora de A Mulher de Dois Esqueletos (Dublinense), entre outros - achou de lidar com o caos. Ela fundou, em 2020, o blog Diário da Pandemia, que reuniu o depoimento de cerca de 200 pessoas. A iniciativa inspirou, neste ano, o Diário da Enchente, organizado pelos jornalistas Raphaela Donaduce Flores e Luís Felipe dos Santos.

“As coisas precisavam ser ditas naquele instante. Na pandemia, tínhamos a ilusão de que duraria pouco. Na enchente, todo mundo estava perdido e desorientado. Eu, pelo menos, estava”, explicou. Julia foi uma das pessoas que perderam a casa com a tragédia que afetou Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul, e escreveu um depoimento para o blog.

A mesa foi marcada, também, por alguns ruídos na tradução simultânea e uma tentativa de interrupção na plateia. Um homem - que a reportagem do Estadão já ouvia falando alto no início da mesa - deixava a tenda quando disse, em direção ao palco, que o problema das enchentes “acontece toda hora” na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.

Julia não interrompeu sua fala, mas logo comentou a situação e afirmou que muitos bairros e cidades da periferia do RS inundam todos os anos, mas que agora que a situação chegou também à classe média - e de forma tão colossal -, é que estão pensando em uma forma de resolver isso.

A escritora Julia Dantas foi uma das vítimas da enchente que atingiu Porto Alegre este ano Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Ambos os escritores ressaltaram que escrever foi importante nos momentos difíceis que enfrentaram. “Escrever era uma forma de sobrevivência”, disse Saif, que, quando estava em Gaza, lia em voz alta aquilo que escrevia e, assim, reforçava a si mesmo que estava vivo. “O momento de escrita é o momento de desapego da realidade. Você faz parte, mas está assistindo”, completou o palestino.

Política no final

Questões políticas apareceram com mais força apenas no final da conversa. Saif teceu críticas a Israel e aos Estados Unidos, afirmando que não acha que nenhum dos candidatos à eleição americana pretende interromper a guerra em Gaza.

Já Julia lamentou a possibilidade de reeleição do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, que teve 49,72% dos votos no primeiro turno. Mas o que chamou a atenção, a escritora ressaltou, foi que houve mais abstenções (345.544) do que votos no candidato à reeleição (345.420), que disputa agora o segundo turno com Maria do Rosário (PT), a segunda colocada. Para a escritora, isso demostra um “desânimo” e “descrença” da população com relação à política.

Veja a conversa entre Julia Dantas e Atef Abu Saif

A repórter viajou a convite do Instituto CCR, patrocinador do evento

“Para escrever um poema que não seja político, devo escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, é preciso que cesse o bombardeio.” Ao ler este breve poema do palestino Marwan Makhoul na abertura de um debate na noite desta sexta-feira, 11, na Festa Literária Internacional de Paraty, a curadora Ana Lima Cecilio deu o tom de como seria a conversa entre outro palestino, o escritor Atef Abu Saif, e a gaúcha Julia Dantas.

Com medição de Bianca Tavolari, a mesa Não existe mais lá, da Flip 2024, buscou traçar paralelos entre a guerra que acontece em Gaza há mais de um ano e as enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre entre abril e maio.

Saif, nascido em um campo de refugiados na Faixa de Gaza em 1973 e autor de ensaios e romances, publicou no Brasil, pela editora Elefante, o livro Quero Estar Acordado Quando Morrer: Diário do Genocídio em Gaza. Ele, que foi ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina e vive em Ramallah, na Cisjordânia, estava em Gaza a trabalho quando a nova guerra começou. Ele estava com o filho e só conseguiu deixar a região três meses após o início dos bombardeios.

O escritor palestino Atef Abu Saif, autor de 'Quero Estar Acordado Quando Morrer', durante mesa na Flip na noite de sexta, 11 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

“Depois de uma semana, pensei: eu posso morrer. Tudo está ruindo ao meu redor. Nós conseguíamos sentir o cheio da morte. Isso não é nada metafórico” disse ele, que passou, então, a registrar o dia a dia. “Pensei: ‘caso eu morra, não serei esquecido.’”

O diário também foi a forma que Julia Dantas - gaúcha de 39 anos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e autora de A Mulher de Dois Esqueletos (Dublinense), entre outros - achou de lidar com o caos. Ela fundou, em 2020, o blog Diário da Pandemia, que reuniu o depoimento de cerca de 200 pessoas. A iniciativa inspirou, neste ano, o Diário da Enchente, organizado pelos jornalistas Raphaela Donaduce Flores e Luís Felipe dos Santos.

“As coisas precisavam ser ditas naquele instante. Na pandemia, tínhamos a ilusão de que duraria pouco. Na enchente, todo mundo estava perdido e desorientado. Eu, pelo menos, estava”, explicou. Julia foi uma das pessoas que perderam a casa com a tragédia que afetou Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul, e escreveu um depoimento para o blog.

A mesa foi marcada, também, por alguns ruídos na tradução simultânea e uma tentativa de interrupção na plateia. Um homem - que a reportagem do Estadão já ouvia falando alto no início da mesa - deixava a tenda quando disse, em direção ao palco, que o problema das enchentes “acontece toda hora” na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.

Julia não interrompeu sua fala, mas logo comentou a situação e afirmou que muitos bairros e cidades da periferia do RS inundam todos os anos, mas que agora que a situação chegou também à classe média - e de forma tão colossal -, é que estão pensando em uma forma de resolver isso.

A escritora Julia Dantas foi uma das vítimas da enchente que atingiu Porto Alegre este ano Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Ambos os escritores ressaltaram que escrever foi importante nos momentos difíceis que enfrentaram. “Escrever era uma forma de sobrevivência”, disse Saif, que, quando estava em Gaza, lia em voz alta aquilo que escrevia e, assim, reforçava a si mesmo que estava vivo. “O momento de escrita é o momento de desapego da realidade. Você faz parte, mas está assistindo”, completou o palestino.

Política no final

Questões políticas apareceram com mais força apenas no final da conversa. Saif teceu críticas a Israel e aos Estados Unidos, afirmando que não acha que nenhum dos candidatos à eleição americana pretende interromper a guerra em Gaza.

Já Julia lamentou a possibilidade de reeleição do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, que teve 49,72% dos votos no primeiro turno. Mas o que chamou a atenção, a escritora ressaltou, foi que houve mais abstenções (345.544) do que votos no candidato à reeleição (345.420), que disputa agora o segundo turno com Maria do Rosário (PT), a segunda colocada. Para a escritora, isso demostra um “desânimo” e “descrença” da população com relação à política.

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