‘Se você não escreve, você não pensa’, diz publicitário Alexandre Gama, em estreia na poesia


Aos 65 anos, fundador da Neogama e da Inovnation lança obra com poemas escritos entre 1990 e 2024 sobre temas que vão da infância até o uso de IA na arte. ‘Ser talentoso não é tão importante quanto ser persistente’, diz ao ‘Estadão’

Por Julia Queiroz

Há dez anos, o publicitário Alexandre Gama exibia em São Paulo uma exposição que reunia peças publicitárias desenvolvidas por ele e pela equipe da Neogama, uma das maiores agências de publicidade do País - fundada por ele. Todas as obras eram estruturadas pelo que o empresário chama de “santíssima trindade” da comunicação: palavra, imagem e música.

Agora, aos 65 anos, com a empresa vendida, diferentes projetos consolidados em outras áreas da indústria criativa e mais tempo livre, o empresário resgata um desejo antigo e investe no primeiro pilar dessa trinca. Ele lança, na próxima quarta, 5, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Funil.

“O meu livro vai surpreender muita gente porque a minha imagem nunca foi construída nesse pilar. Existe até um preconceito contra isso. ‘Alguém que fez uma empresa de comunicação agora vai se meter a escrever poesia?’ Eu não me meto a escrever. Escrevo poesia desde que eu me conheço como profissional. A literatura, aliás, foi o que me levou para o profissional”, conta Gama em entrevista ao Estadão.

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O empresário, publicitário e escritor Alexandre Gama, de 65 anos, que lança seu primeiro livro de poesia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Publicada pela Afluente, a obra contém 39 poemas. A maioria é da safra recente, escrita nos últimos cinco anos. Mas há também os poemas elaborados na década de 1990, resgatados pelo autor na preparação da antologia.

Seus escritos tratam de diversos temas - de reflexões sobre tópicos atemporais, como infância, envelhecimento e relacionamentos, a assuntos atuais como o uso da inteligência artificial na arte.

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O caminho até a escrita

A literatura sempre fez parte da vida de Gama - desde os tempos de escola, nas aulas de língua portuguesa. “Sempre dizia para todo mundo, até depois, na minha profissão, que, se você não escreve, você não pensa. Pra mim, escrever era um ato de pensar. Tudo que me definiu como pessoa e como crença vinha do fato de escrever”, diz.

Ele também sempre gostou de música, e nunca deixou de praticá-la, mesmo que em segundo plano. Quando jovem, queria viver de arte, mas não foi possível: “Vim de uma família de classe média baixa, não tinha recursos para bancar [isso]. Lá nos meus 17, 18 anos, eu queria escrever e tocar, mas eu tinha que trabalhar.”

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A escrita o levou para o mercado publicitário. “Não tinha material de comunicação, eu tinha textos, crônicas, poemas. E era tudo o que eu tinha para mostrar”. Conseguiu criar uma rede de indicações - aquilo que hoje chamamos de networking - e, eventualmente, construir a carreira que veio a ter. O pé nas artes sempre esteve ali, contudo.

O empresário se lembra de muitas histórias similares na época: artistas plásticos ou cineastas aspirantes tornavam-se diretores de arte ou ilustradores, escritores viravam jornalistas ou redatores. “Naquela época, a comunicação no Brasil se beneficiou de uma riqueza cultural que não era dela. Era, na verdade, das artes, que não tinham como fundamentar o seu ganho. Eu estou nesse meio”, diz.

“Eu nunca deixei de escrever literariamente, mesmo quando eu estava em comunicação. Mas eu, obviamente, não publicava. Não tinha nem tempo para isso. E como estava tudo muito bem, eu não queria mexer nisso, não queria estragar nada”, explica Gama. As coisas começaram a mudar a partir de 2012, quando ele vendeu a Neogama ao grupo Publicis. Ele seguiu na liderança da empresa até 2018, quando deixou a agência. No ano seguinte, fundou a Inovnation, hub de inovação.

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“A venda me deu recursos para ficar bem, digamos. Naturalmente, o outro lado falou: e aí? Tem muita coisa para dizer, muita coisa para escrever, para mostrar, para publicar. Sem deixar de fazer o trabalho de empresário - mas com mais folga, vamos dizer - comecei a dar mais espaço para esse lado que sempre foi muito definidor da pessoa que eu sou”, conta.

Esse momento coincidiu com a chegada da pandemia de covid-19, que fez com que Gama escrevesse ainda mais do que costumava. A família e amigos do publicitário já cobravam um livro, diziam que ele tinha que publicar algo - em 2014, ele chegou a lançar Ideia e Forma, que contava sua trajetória, com o mesmo título da exposição citada no início da reportagem, mas não era bem isso que ele queria.

O que quero é ser criativo. É criar, e não narrar o que eu já fiz. Essa veia criativa é impossível de você segurar. Quando você a tem, quer fazer coisas. Você quer tirar do nada, você quer erigir coisas novas que não estavam ali ainda”, explica. Foi então que ele decidiu ser o momento, e Funil começou a ser planejado.

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Por que poesia?

Se Gama sempre gostou de escrever, por que não um romance ou um livro de contos? Por que escolher a poesia para sua estreia na literatura? O empresário é atraído pelo experimentalismo de nomes como Ferreira Gullar e Haroldo de Campos.

“Esse tipo de escrita me fascinava porque era muito criativa. Aquela coisa das aliterações, das metáforas, de trabalhar a palavra em si, me chamava muito mais atenção do que a prosa, os contos e as crônicas”, ele diz. “Achava absolutamente incrível o que eles faziam com uma folha pequena, com tamanha concisão, mas com uma carga de significado tão grande”, completa.

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Essa capacidade de síntese, de transportar muito com pouco e ainda assim causar um impacto, está diretamente relacionada com a profissão de Gama. “O que eu sempre gostei e me considero um estudioso de - e domino essa técnica - é a construção da palavra”, diz ele.

Alexandre Gama diz que a publicidade o ajudou na construção do seu livro de poemas. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Nesse sentido, ele diz que a publicidade auxiliou na construção do livro porque, mesmo que em outra forma de linguagem, ele sempre exercitou essa habilidade de concisão e essa criatividade. Para o autor, quem está inserido no mercado da comunicação e “sabe como usar a palavra” possui “um domínio sobre o discurso mais amplo do que alguém que não vem dessa área”.

Esse domínio, para Gama, vem por meio da prática. “Não é só uma questão de talento. Ele está ali, mas ele tem que ser muito melhor. Você precisa extrapolar realmente os seus limites. Digo que ser talentoso não é tão importante quanto ser persistente. Agora, se você tem talento e persiste, você está no caminho mais do que certo.”

‘Minha expectativa com isso não é ser gostado’

“A palavra poesia remete as pessoas a uma certa sensação de lirismo, de desapego da realidade”, diz Gama, mesmo que os textos de seu livro não tenham essa pretensão: “Eles abordam questões contundentes. De uma maneira poética, sim, mas não é uma poesia para elevar você. Pelo contrário, é uma poesia para fazer pensar”.

O empresário também destaca o trabalho de criação por trás da obra. “Esse livro é uma peça conceitual. Desenvolvi a direção de arte, a parte gráfica e a construção visual. Tudo isso tem uma amarração temática”, diz ele. Ela vem pela figura do funil, que, além de ser o poema que dá título ao livro, aparece visualmente na capa e na contracapa.

Alexandre Gama mostra a capa e contracapa de seu livro 'Funil'. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Os poemas, para Gama, são uma conversa consigo mesmo, mas que ele espera que conversem com outras pessoas. “A única maneira de você falar legitimamente sobre alguma coisa é se você se colocar na questão. Eu me coloco. Mas o que me interessa é o tema, e não eu”, diz. “Para mim, escrever é um processo de reflexão pessoal e do contexto onde estou.”

Mas ele não tem a pretensão de ser amado por todos, algo que, ele sabe, nem os maiores poetas da nossa história conseguiram. “Na poesia, você está abrindo várias conversas, mas nem todo mundo vai se identificar com a mesma coisa. A minha expectativa com isso não é ser gostado. Não escrevo porque preciso, mas porque gosto. Nós publicamos porque queremos tornar aquilo público para que alguém ache alguma coisa que goste”, afirma.

Na minha profissão anterior, eu tinha a obrigação de conquistar corações e mentes. Nas artes, você não tem o compromisso de ser gostado.

Alexandre Gama

E ele não pretende parar. Conta que, no momento da nossa entrevista, já tem mais de 20 textos novos e guardados, que, quem sabe, são o início de uma nova coletânea. “É um negócio meio louco. Eu não sei de onde vem o poema, ele simplesmente vem”, conclui.

Funil

  • Autor: Alexandre Gama
  • Editora: Afluente (108 págs; R$ 185)
  • Lançamento: 5 de junho, às 19h. Livrara da Travessa do Shopping Iguatemi (Av. Brig. Faria Lima, 2.232. São Paulo)

Há dez anos, o publicitário Alexandre Gama exibia em São Paulo uma exposição que reunia peças publicitárias desenvolvidas por ele e pela equipe da Neogama, uma das maiores agências de publicidade do País - fundada por ele. Todas as obras eram estruturadas pelo que o empresário chama de “santíssima trindade” da comunicação: palavra, imagem e música.

Agora, aos 65 anos, com a empresa vendida, diferentes projetos consolidados em outras áreas da indústria criativa e mais tempo livre, o empresário resgata um desejo antigo e investe no primeiro pilar dessa trinca. Ele lança, na próxima quarta, 5, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Funil.

“O meu livro vai surpreender muita gente porque a minha imagem nunca foi construída nesse pilar. Existe até um preconceito contra isso. ‘Alguém que fez uma empresa de comunicação agora vai se meter a escrever poesia?’ Eu não me meto a escrever. Escrevo poesia desde que eu me conheço como profissional. A literatura, aliás, foi o que me levou para o profissional”, conta Gama em entrevista ao Estadão.

O empresário, publicitário e escritor Alexandre Gama, de 65 anos, que lança seu primeiro livro de poesia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Publicada pela Afluente, a obra contém 39 poemas. A maioria é da safra recente, escrita nos últimos cinco anos. Mas há também os poemas elaborados na década de 1990, resgatados pelo autor na preparação da antologia.

Seus escritos tratam de diversos temas - de reflexões sobre tópicos atemporais, como infância, envelhecimento e relacionamentos, a assuntos atuais como o uso da inteligência artificial na arte.

O caminho até a escrita

A literatura sempre fez parte da vida de Gama - desde os tempos de escola, nas aulas de língua portuguesa. “Sempre dizia para todo mundo, até depois, na minha profissão, que, se você não escreve, você não pensa. Pra mim, escrever era um ato de pensar. Tudo que me definiu como pessoa e como crença vinha do fato de escrever”, diz.

Ele também sempre gostou de música, e nunca deixou de praticá-la, mesmo que em segundo plano. Quando jovem, queria viver de arte, mas não foi possível: “Vim de uma família de classe média baixa, não tinha recursos para bancar [isso]. Lá nos meus 17, 18 anos, eu queria escrever e tocar, mas eu tinha que trabalhar.”

A escrita o levou para o mercado publicitário. “Não tinha material de comunicação, eu tinha textos, crônicas, poemas. E era tudo o que eu tinha para mostrar”. Conseguiu criar uma rede de indicações - aquilo que hoje chamamos de networking - e, eventualmente, construir a carreira que veio a ter. O pé nas artes sempre esteve ali, contudo.

O empresário se lembra de muitas histórias similares na época: artistas plásticos ou cineastas aspirantes tornavam-se diretores de arte ou ilustradores, escritores viravam jornalistas ou redatores. “Naquela época, a comunicação no Brasil se beneficiou de uma riqueza cultural que não era dela. Era, na verdade, das artes, que não tinham como fundamentar o seu ganho. Eu estou nesse meio”, diz.

“Eu nunca deixei de escrever literariamente, mesmo quando eu estava em comunicação. Mas eu, obviamente, não publicava. Não tinha nem tempo para isso. E como estava tudo muito bem, eu não queria mexer nisso, não queria estragar nada”, explica Gama. As coisas começaram a mudar a partir de 2012, quando ele vendeu a Neogama ao grupo Publicis. Ele seguiu na liderança da empresa até 2018, quando deixou a agência. No ano seguinte, fundou a Inovnation, hub de inovação.

“A venda me deu recursos para ficar bem, digamos. Naturalmente, o outro lado falou: e aí? Tem muita coisa para dizer, muita coisa para escrever, para mostrar, para publicar. Sem deixar de fazer o trabalho de empresário - mas com mais folga, vamos dizer - comecei a dar mais espaço para esse lado que sempre foi muito definidor da pessoa que eu sou”, conta.

Esse momento coincidiu com a chegada da pandemia de covid-19, que fez com que Gama escrevesse ainda mais do que costumava. A família e amigos do publicitário já cobravam um livro, diziam que ele tinha que publicar algo - em 2014, ele chegou a lançar Ideia e Forma, que contava sua trajetória, com o mesmo título da exposição citada no início da reportagem, mas não era bem isso que ele queria.

O que quero é ser criativo. É criar, e não narrar o que eu já fiz. Essa veia criativa é impossível de você segurar. Quando você a tem, quer fazer coisas. Você quer tirar do nada, você quer erigir coisas novas que não estavam ali ainda”, explica. Foi então que ele decidiu ser o momento, e Funil começou a ser planejado.

Por que poesia?

Se Gama sempre gostou de escrever, por que não um romance ou um livro de contos? Por que escolher a poesia para sua estreia na literatura? O empresário é atraído pelo experimentalismo de nomes como Ferreira Gullar e Haroldo de Campos.

“Esse tipo de escrita me fascinava porque era muito criativa. Aquela coisa das aliterações, das metáforas, de trabalhar a palavra em si, me chamava muito mais atenção do que a prosa, os contos e as crônicas”, ele diz. “Achava absolutamente incrível o que eles faziam com uma folha pequena, com tamanha concisão, mas com uma carga de significado tão grande”, completa.

Essa capacidade de síntese, de transportar muito com pouco e ainda assim causar um impacto, está diretamente relacionada com a profissão de Gama. “O que eu sempre gostei e me considero um estudioso de - e domino essa técnica - é a construção da palavra”, diz ele.

Alexandre Gama diz que a publicidade o ajudou na construção do seu livro de poemas. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Nesse sentido, ele diz que a publicidade auxiliou na construção do livro porque, mesmo que em outra forma de linguagem, ele sempre exercitou essa habilidade de concisão e essa criatividade. Para o autor, quem está inserido no mercado da comunicação e “sabe como usar a palavra” possui “um domínio sobre o discurso mais amplo do que alguém que não vem dessa área”.

Esse domínio, para Gama, vem por meio da prática. “Não é só uma questão de talento. Ele está ali, mas ele tem que ser muito melhor. Você precisa extrapolar realmente os seus limites. Digo que ser talentoso não é tão importante quanto ser persistente. Agora, se você tem talento e persiste, você está no caminho mais do que certo.”

‘Minha expectativa com isso não é ser gostado’

“A palavra poesia remete as pessoas a uma certa sensação de lirismo, de desapego da realidade”, diz Gama, mesmo que os textos de seu livro não tenham essa pretensão: “Eles abordam questões contundentes. De uma maneira poética, sim, mas não é uma poesia para elevar você. Pelo contrário, é uma poesia para fazer pensar”.

O empresário também destaca o trabalho de criação por trás da obra. “Esse livro é uma peça conceitual. Desenvolvi a direção de arte, a parte gráfica e a construção visual. Tudo isso tem uma amarração temática”, diz ele. Ela vem pela figura do funil, que, além de ser o poema que dá título ao livro, aparece visualmente na capa e na contracapa.

Alexandre Gama mostra a capa e contracapa de seu livro 'Funil'. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Os poemas, para Gama, são uma conversa consigo mesmo, mas que ele espera que conversem com outras pessoas. “A única maneira de você falar legitimamente sobre alguma coisa é se você se colocar na questão. Eu me coloco. Mas o que me interessa é o tema, e não eu”, diz. “Para mim, escrever é um processo de reflexão pessoal e do contexto onde estou.”

Mas ele não tem a pretensão de ser amado por todos, algo que, ele sabe, nem os maiores poetas da nossa história conseguiram. “Na poesia, você está abrindo várias conversas, mas nem todo mundo vai se identificar com a mesma coisa. A minha expectativa com isso não é ser gostado. Não escrevo porque preciso, mas porque gosto. Nós publicamos porque queremos tornar aquilo público para que alguém ache alguma coisa que goste”, afirma.

Na minha profissão anterior, eu tinha a obrigação de conquistar corações e mentes. Nas artes, você não tem o compromisso de ser gostado.

Alexandre Gama

E ele não pretende parar. Conta que, no momento da nossa entrevista, já tem mais de 20 textos novos e guardados, que, quem sabe, são o início de uma nova coletânea. “É um negócio meio louco. Eu não sei de onde vem o poema, ele simplesmente vem”, conclui.

Funil

  • Autor: Alexandre Gama
  • Editora: Afluente (108 págs; R$ 185)
  • Lançamento: 5 de junho, às 19h. Livrara da Travessa do Shopping Iguatemi (Av. Brig. Faria Lima, 2.232. São Paulo)

Há dez anos, o publicitário Alexandre Gama exibia em São Paulo uma exposição que reunia peças publicitárias desenvolvidas por ele e pela equipe da Neogama, uma das maiores agências de publicidade do País - fundada por ele. Todas as obras eram estruturadas pelo que o empresário chama de “santíssima trindade” da comunicação: palavra, imagem e música.

Agora, aos 65 anos, com a empresa vendida, diferentes projetos consolidados em outras áreas da indústria criativa e mais tempo livre, o empresário resgata um desejo antigo e investe no primeiro pilar dessa trinca. Ele lança, na próxima quarta, 5, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Funil.

“O meu livro vai surpreender muita gente porque a minha imagem nunca foi construída nesse pilar. Existe até um preconceito contra isso. ‘Alguém que fez uma empresa de comunicação agora vai se meter a escrever poesia?’ Eu não me meto a escrever. Escrevo poesia desde que eu me conheço como profissional. A literatura, aliás, foi o que me levou para o profissional”, conta Gama em entrevista ao Estadão.

O empresário, publicitário e escritor Alexandre Gama, de 65 anos, que lança seu primeiro livro de poesia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Publicada pela Afluente, a obra contém 39 poemas. A maioria é da safra recente, escrita nos últimos cinco anos. Mas há também os poemas elaborados na década de 1990, resgatados pelo autor na preparação da antologia.

Seus escritos tratam de diversos temas - de reflexões sobre tópicos atemporais, como infância, envelhecimento e relacionamentos, a assuntos atuais como o uso da inteligência artificial na arte.

O caminho até a escrita

A literatura sempre fez parte da vida de Gama - desde os tempos de escola, nas aulas de língua portuguesa. “Sempre dizia para todo mundo, até depois, na minha profissão, que, se você não escreve, você não pensa. Pra mim, escrever era um ato de pensar. Tudo que me definiu como pessoa e como crença vinha do fato de escrever”, diz.

Ele também sempre gostou de música, e nunca deixou de praticá-la, mesmo que em segundo plano. Quando jovem, queria viver de arte, mas não foi possível: “Vim de uma família de classe média baixa, não tinha recursos para bancar [isso]. Lá nos meus 17, 18 anos, eu queria escrever e tocar, mas eu tinha que trabalhar.”

A escrita o levou para o mercado publicitário. “Não tinha material de comunicação, eu tinha textos, crônicas, poemas. E era tudo o que eu tinha para mostrar”. Conseguiu criar uma rede de indicações - aquilo que hoje chamamos de networking - e, eventualmente, construir a carreira que veio a ter. O pé nas artes sempre esteve ali, contudo.

O empresário se lembra de muitas histórias similares na época: artistas plásticos ou cineastas aspirantes tornavam-se diretores de arte ou ilustradores, escritores viravam jornalistas ou redatores. “Naquela época, a comunicação no Brasil se beneficiou de uma riqueza cultural que não era dela. Era, na verdade, das artes, que não tinham como fundamentar o seu ganho. Eu estou nesse meio”, diz.

“Eu nunca deixei de escrever literariamente, mesmo quando eu estava em comunicação. Mas eu, obviamente, não publicava. Não tinha nem tempo para isso. E como estava tudo muito bem, eu não queria mexer nisso, não queria estragar nada”, explica Gama. As coisas começaram a mudar a partir de 2012, quando ele vendeu a Neogama ao grupo Publicis. Ele seguiu na liderança da empresa até 2018, quando deixou a agência. No ano seguinte, fundou a Inovnation, hub de inovação.

“A venda me deu recursos para ficar bem, digamos. Naturalmente, o outro lado falou: e aí? Tem muita coisa para dizer, muita coisa para escrever, para mostrar, para publicar. Sem deixar de fazer o trabalho de empresário - mas com mais folga, vamos dizer - comecei a dar mais espaço para esse lado que sempre foi muito definidor da pessoa que eu sou”, conta.

Esse momento coincidiu com a chegada da pandemia de covid-19, que fez com que Gama escrevesse ainda mais do que costumava. A família e amigos do publicitário já cobravam um livro, diziam que ele tinha que publicar algo - em 2014, ele chegou a lançar Ideia e Forma, que contava sua trajetória, com o mesmo título da exposição citada no início da reportagem, mas não era bem isso que ele queria.

O que quero é ser criativo. É criar, e não narrar o que eu já fiz. Essa veia criativa é impossível de você segurar. Quando você a tem, quer fazer coisas. Você quer tirar do nada, você quer erigir coisas novas que não estavam ali ainda”, explica. Foi então que ele decidiu ser o momento, e Funil começou a ser planejado.

Por que poesia?

Se Gama sempre gostou de escrever, por que não um romance ou um livro de contos? Por que escolher a poesia para sua estreia na literatura? O empresário é atraído pelo experimentalismo de nomes como Ferreira Gullar e Haroldo de Campos.

“Esse tipo de escrita me fascinava porque era muito criativa. Aquela coisa das aliterações, das metáforas, de trabalhar a palavra em si, me chamava muito mais atenção do que a prosa, os contos e as crônicas”, ele diz. “Achava absolutamente incrível o que eles faziam com uma folha pequena, com tamanha concisão, mas com uma carga de significado tão grande”, completa.

Essa capacidade de síntese, de transportar muito com pouco e ainda assim causar um impacto, está diretamente relacionada com a profissão de Gama. “O que eu sempre gostei e me considero um estudioso de - e domino essa técnica - é a construção da palavra”, diz ele.

Alexandre Gama diz que a publicidade o ajudou na construção do seu livro de poemas. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Nesse sentido, ele diz que a publicidade auxiliou na construção do livro porque, mesmo que em outra forma de linguagem, ele sempre exercitou essa habilidade de concisão e essa criatividade. Para o autor, quem está inserido no mercado da comunicação e “sabe como usar a palavra” possui “um domínio sobre o discurso mais amplo do que alguém que não vem dessa área”.

Esse domínio, para Gama, vem por meio da prática. “Não é só uma questão de talento. Ele está ali, mas ele tem que ser muito melhor. Você precisa extrapolar realmente os seus limites. Digo que ser talentoso não é tão importante quanto ser persistente. Agora, se você tem talento e persiste, você está no caminho mais do que certo.”

‘Minha expectativa com isso não é ser gostado’

“A palavra poesia remete as pessoas a uma certa sensação de lirismo, de desapego da realidade”, diz Gama, mesmo que os textos de seu livro não tenham essa pretensão: “Eles abordam questões contundentes. De uma maneira poética, sim, mas não é uma poesia para elevar você. Pelo contrário, é uma poesia para fazer pensar”.

O empresário também destaca o trabalho de criação por trás da obra. “Esse livro é uma peça conceitual. Desenvolvi a direção de arte, a parte gráfica e a construção visual. Tudo isso tem uma amarração temática”, diz ele. Ela vem pela figura do funil, que, além de ser o poema que dá título ao livro, aparece visualmente na capa e na contracapa.

Alexandre Gama mostra a capa e contracapa de seu livro 'Funil'. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Os poemas, para Gama, são uma conversa consigo mesmo, mas que ele espera que conversem com outras pessoas. “A única maneira de você falar legitimamente sobre alguma coisa é se você se colocar na questão. Eu me coloco. Mas o que me interessa é o tema, e não eu”, diz. “Para mim, escrever é um processo de reflexão pessoal e do contexto onde estou.”

Mas ele não tem a pretensão de ser amado por todos, algo que, ele sabe, nem os maiores poetas da nossa história conseguiram. “Na poesia, você está abrindo várias conversas, mas nem todo mundo vai se identificar com a mesma coisa. A minha expectativa com isso não é ser gostado. Não escrevo porque preciso, mas porque gosto. Nós publicamos porque queremos tornar aquilo público para que alguém ache alguma coisa que goste”, afirma.

Na minha profissão anterior, eu tinha a obrigação de conquistar corações e mentes. Nas artes, você não tem o compromisso de ser gostado.

Alexandre Gama

E ele não pretende parar. Conta que, no momento da nossa entrevista, já tem mais de 20 textos novos e guardados, que, quem sabe, são o início de uma nova coletânea. “É um negócio meio louco. Eu não sei de onde vem o poema, ele simplesmente vem”, conclui.

Funil

  • Autor: Alexandre Gama
  • Editora: Afluente (108 págs; R$ 185)
  • Lançamento: 5 de junho, às 19h. Livrara da Travessa do Shopping Iguatemi (Av. Brig. Faria Lima, 2.232. São Paulo)

Há dez anos, o publicitário Alexandre Gama exibia em São Paulo uma exposição que reunia peças publicitárias desenvolvidas por ele e pela equipe da Neogama, uma das maiores agências de publicidade do País - fundada por ele. Todas as obras eram estruturadas pelo que o empresário chama de “santíssima trindade” da comunicação: palavra, imagem e música.

Agora, aos 65 anos, com a empresa vendida, diferentes projetos consolidados em outras áreas da indústria criativa e mais tempo livre, o empresário resgata um desejo antigo e investe no primeiro pilar dessa trinca. Ele lança, na próxima quarta, 5, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Funil.

“O meu livro vai surpreender muita gente porque a minha imagem nunca foi construída nesse pilar. Existe até um preconceito contra isso. ‘Alguém que fez uma empresa de comunicação agora vai se meter a escrever poesia?’ Eu não me meto a escrever. Escrevo poesia desde que eu me conheço como profissional. A literatura, aliás, foi o que me levou para o profissional”, conta Gama em entrevista ao Estadão.

O empresário, publicitário e escritor Alexandre Gama, de 65 anos, que lança seu primeiro livro de poesia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Publicada pela Afluente, a obra contém 39 poemas. A maioria é da safra recente, escrita nos últimos cinco anos. Mas há também os poemas elaborados na década de 1990, resgatados pelo autor na preparação da antologia.

Seus escritos tratam de diversos temas - de reflexões sobre tópicos atemporais, como infância, envelhecimento e relacionamentos, a assuntos atuais como o uso da inteligência artificial na arte.

O caminho até a escrita

A literatura sempre fez parte da vida de Gama - desde os tempos de escola, nas aulas de língua portuguesa. “Sempre dizia para todo mundo, até depois, na minha profissão, que, se você não escreve, você não pensa. Pra mim, escrever era um ato de pensar. Tudo que me definiu como pessoa e como crença vinha do fato de escrever”, diz.

Ele também sempre gostou de música, e nunca deixou de praticá-la, mesmo que em segundo plano. Quando jovem, queria viver de arte, mas não foi possível: “Vim de uma família de classe média baixa, não tinha recursos para bancar [isso]. Lá nos meus 17, 18 anos, eu queria escrever e tocar, mas eu tinha que trabalhar.”

A escrita o levou para o mercado publicitário. “Não tinha material de comunicação, eu tinha textos, crônicas, poemas. E era tudo o que eu tinha para mostrar”. Conseguiu criar uma rede de indicações - aquilo que hoje chamamos de networking - e, eventualmente, construir a carreira que veio a ter. O pé nas artes sempre esteve ali, contudo.

O empresário se lembra de muitas histórias similares na época: artistas plásticos ou cineastas aspirantes tornavam-se diretores de arte ou ilustradores, escritores viravam jornalistas ou redatores. “Naquela época, a comunicação no Brasil se beneficiou de uma riqueza cultural que não era dela. Era, na verdade, das artes, que não tinham como fundamentar o seu ganho. Eu estou nesse meio”, diz.

“Eu nunca deixei de escrever literariamente, mesmo quando eu estava em comunicação. Mas eu, obviamente, não publicava. Não tinha nem tempo para isso. E como estava tudo muito bem, eu não queria mexer nisso, não queria estragar nada”, explica Gama. As coisas começaram a mudar a partir de 2012, quando ele vendeu a Neogama ao grupo Publicis. Ele seguiu na liderança da empresa até 2018, quando deixou a agência. No ano seguinte, fundou a Inovnation, hub de inovação.

“A venda me deu recursos para ficar bem, digamos. Naturalmente, o outro lado falou: e aí? Tem muita coisa para dizer, muita coisa para escrever, para mostrar, para publicar. Sem deixar de fazer o trabalho de empresário - mas com mais folga, vamos dizer - comecei a dar mais espaço para esse lado que sempre foi muito definidor da pessoa que eu sou”, conta.

Esse momento coincidiu com a chegada da pandemia de covid-19, que fez com que Gama escrevesse ainda mais do que costumava. A família e amigos do publicitário já cobravam um livro, diziam que ele tinha que publicar algo - em 2014, ele chegou a lançar Ideia e Forma, que contava sua trajetória, com o mesmo título da exposição citada no início da reportagem, mas não era bem isso que ele queria.

O que quero é ser criativo. É criar, e não narrar o que eu já fiz. Essa veia criativa é impossível de você segurar. Quando você a tem, quer fazer coisas. Você quer tirar do nada, você quer erigir coisas novas que não estavam ali ainda”, explica. Foi então que ele decidiu ser o momento, e Funil começou a ser planejado.

Por que poesia?

Se Gama sempre gostou de escrever, por que não um romance ou um livro de contos? Por que escolher a poesia para sua estreia na literatura? O empresário é atraído pelo experimentalismo de nomes como Ferreira Gullar e Haroldo de Campos.

“Esse tipo de escrita me fascinava porque era muito criativa. Aquela coisa das aliterações, das metáforas, de trabalhar a palavra em si, me chamava muito mais atenção do que a prosa, os contos e as crônicas”, ele diz. “Achava absolutamente incrível o que eles faziam com uma folha pequena, com tamanha concisão, mas com uma carga de significado tão grande”, completa.

Essa capacidade de síntese, de transportar muito com pouco e ainda assim causar um impacto, está diretamente relacionada com a profissão de Gama. “O que eu sempre gostei e me considero um estudioso de - e domino essa técnica - é a construção da palavra”, diz ele.

Alexandre Gama diz que a publicidade o ajudou na construção do seu livro de poemas. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Nesse sentido, ele diz que a publicidade auxiliou na construção do livro porque, mesmo que em outra forma de linguagem, ele sempre exercitou essa habilidade de concisão e essa criatividade. Para o autor, quem está inserido no mercado da comunicação e “sabe como usar a palavra” possui “um domínio sobre o discurso mais amplo do que alguém que não vem dessa área”.

Esse domínio, para Gama, vem por meio da prática. “Não é só uma questão de talento. Ele está ali, mas ele tem que ser muito melhor. Você precisa extrapolar realmente os seus limites. Digo que ser talentoso não é tão importante quanto ser persistente. Agora, se você tem talento e persiste, você está no caminho mais do que certo.”

‘Minha expectativa com isso não é ser gostado’

“A palavra poesia remete as pessoas a uma certa sensação de lirismo, de desapego da realidade”, diz Gama, mesmo que os textos de seu livro não tenham essa pretensão: “Eles abordam questões contundentes. De uma maneira poética, sim, mas não é uma poesia para elevar você. Pelo contrário, é uma poesia para fazer pensar”.

O empresário também destaca o trabalho de criação por trás da obra. “Esse livro é uma peça conceitual. Desenvolvi a direção de arte, a parte gráfica e a construção visual. Tudo isso tem uma amarração temática”, diz ele. Ela vem pela figura do funil, que, além de ser o poema que dá título ao livro, aparece visualmente na capa e na contracapa.

Alexandre Gama mostra a capa e contracapa de seu livro 'Funil'. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Os poemas, para Gama, são uma conversa consigo mesmo, mas que ele espera que conversem com outras pessoas. “A única maneira de você falar legitimamente sobre alguma coisa é se você se colocar na questão. Eu me coloco. Mas o que me interessa é o tema, e não eu”, diz. “Para mim, escrever é um processo de reflexão pessoal e do contexto onde estou.”

Mas ele não tem a pretensão de ser amado por todos, algo que, ele sabe, nem os maiores poetas da nossa história conseguiram. “Na poesia, você está abrindo várias conversas, mas nem todo mundo vai se identificar com a mesma coisa. A minha expectativa com isso não é ser gostado. Não escrevo porque preciso, mas porque gosto. Nós publicamos porque queremos tornar aquilo público para que alguém ache alguma coisa que goste”, afirma.

Na minha profissão anterior, eu tinha a obrigação de conquistar corações e mentes. Nas artes, você não tem o compromisso de ser gostado.

Alexandre Gama

E ele não pretende parar. Conta que, no momento da nossa entrevista, já tem mais de 20 textos novos e guardados, que, quem sabe, são o início de uma nova coletânea. “É um negócio meio louco. Eu não sei de onde vem o poema, ele simplesmente vem”, conclui.

Funil

  • Autor: Alexandre Gama
  • Editora: Afluente (108 págs; R$ 185)
  • Lançamento: 5 de junho, às 19h. Livrara da Travessa do Shopping Iguatemi (Av. Brig. Faria Lima, 2.232. São Paulo)

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