Sérgio Sant’Anna lança quinto livro inédito em seis anos e não dá sinais de que vai parar cedo


Ele lança 'Anjo Noturno' e fala sobre o livro e o Brasil de hoje

Por Guilherme Sobota

Sérgio Sant’Anna está prestes a completar 76 anos no fim de outubro, e seu ritmo e qualidade de publicações na última década revelam um escritor em pleno domínio de sua habilidade literária. Anjo Noturno, conjunto de textos inéditos que a Companhia das Letras colocou recentemente nas livrarias, é o seu quinto livro inédito em 6 anos. A sequência começou com O Livro de Praga, em 2011, e, antes do Anjo, foi até O Conto Zero e Outras Histórias, finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos.

Acostumado a distinções e reconhecimentos, Sant’Anna continua criando nos seus textos ficcionais uma ambientação sensual para reflexões profundas que encontra poucos paralelos na literatura brasileira contemporânea (Stella Manhattan, de Silviano Santiago, que tem também uma reedição agora, seria um deles, até mais direto).

Autor. Textos autobiográficos, mas com um tratamento literário Foto: Wilton Junior/O Estado de S. Paulo
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Sexualidade na arte, como sabe qualquer pessoa com uma rede social no Brasil neste outubro do século 21, é um tema em plena evidência. “Se esses grupos (políticos) tentassem me boicotar por causa da boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores”, diz Sant’Anna ao Estado. Em uma das cenas de Talk Show, novela em Anjo Noturno (que também tem textos autobiográficos, contos e uma peça de teatro), o personagem tem uma interação curiosa com uma boneca de pano. O escritor falou sobre o livro e o Brasil na entrevista a seguir.

Tem muito a ver com o livro: o que você está achando das manifestações de grupos políticos protestando e propondo boicotes contra exposições e performances artísticas? Esse boicote a expressões artísticas, em pleno século 21, é evidentemente abominável. Só traz uma vantagem, provoca a reação dos artistas, que sairão mais fortes e livres da polêmica.

Uma brincadeira: seria possível que esses mesmos grupos pedissem o boicote ou a censura do conto ‘Talk Show’, por conta da cena com a boneca? Se esses grupos tentassem me boicotar por causa da cena com a boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores. Aliás, no conto, ou novela, Talk Show, antecipo uma reação desse tipo. A atração pela boneca é uma fantasia fetichista, que sempre esteve presente em meus livros. Para fazer arte é preciso estar com a libido desperta.

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Falando nele, de onde veio esse ‘Talk Show’? É arriscado associar a apresentadora Edwina e Hebe Camargo? Talk Show, embora totalmente ficcional, bebeu sim num certo tipo de programa de televisão. Tem algo de Hebe Camago, na apresentadora Edwina, mas misturada com outras personagens. Eu não quis ofender a Hebe. Na verdade já fui várias vezes à TV, mas nunca a um programa como aquele. Foi tudo inventado, mas, é claro, a partir de minhas observações como espectador de televisão. E levei ao extremo essa experiência de telespectador.

Numa entrevista em 2012, você mencionou que ‘O Monstro’ foi adotado em vestibulares, mas mesmo assim não houve reclamações de pais e mães. Os tempos mudaram, ou é a literatura que tem menos alcance mesmo? É, espantei-me que o livro O Monstro fosse adotado em algumas universidades particulares. Mas, em palestras, tive reações muito positivas a esse livro, de alunos muito jovens. No conto, há estupro, assassinato, mas um paradoxo que é a assunção do crime pelo protagonista, que resta apaixonado por sua vítima. Este personagem, que atuou junto com uma mulher, faz uma reflexão bastante profunda sobre impulsos humanos. É isso, sobretudo, que me interessa, além das formas das narrativas.

Três narrativas têm um cheiro forte de tinta autobiográfica (‘A Mãe’, ‘A Rua e a Casa’, ‘Amigos’). A reconstituição do dia do golpe militar é impressionante. Você sente, agora, no ar e nas ruas, uma clima político e artístico parecido com aquele de 1964? Os três textos que você mencionou são mesmo totalmente autobiográficos, mas com um tratamento literário. Estou com 75 anos e andei sentindo um grande impulso de mergulhar no meu passado, de certa forma tornando este passado uma nova realidade. É um privilégio, sendo um escritor, poder fazer isso. Gostei também de tirar do baú o golpe militar, que me pegou em pleno ativismo político de esquerda. Felizmente, não fui preso ou torturado, como vários de meus amigos, que me deixam entristecido até hoje. Mas fui processado num inquérito policial-militar e demitido de meu emprego. Porém, acho a situação política brasileira, apesar de tenebrosa, com a corrupção instalada nos mais alto escalões, nem de longe mostra a violência da ditadura militar. Mas estão abusando da paciência do povo; só espero que a verdadeira direita não venha a lucrar com isso.

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Outra imagem muito forte aparece em ‘O Conto Fracassado’, quando o narrador lê Proust ao som dos “tiros de grosso calibre”. O Rio de Janeiro é, um pouco, essa contradição: uma cidade bela e literária versus uma cidade em conflito permanente. O Rio é o seu cenário desde sempre... o que é que se passa por aí? O Rio é mesmo o meu cenário, pois nasci e vivi aqui. Mas também morei em Belo Horizonte por 12 anos, estada que, pela convivência com muitos artistas, foi fundamental na minha formação literária. E, por incrível que possa parecer, durante um certo tempo eu ouvia, constantemente, os tiroteios, com armas de alto calibre, vindo dos morros mais próximos. E houve momentos, sim, que me vi lendo alta literatura, ou escrevendo, ao som desses tiroteios. Mas é também porque as balas não chegam a atingir o prédio onde moro. E no conto que você mencionou há um episódio em que um bandido adolescente faz amor com sua namorada numa situação de alto risco. É imperdoável que o País não tenha criado perspectivas para as crianças e adolescentes das comunidades mais pobres.

Seu ritmo de produção está acelerado, não? Você ainda escreve todo dia? Está satisfeito?  Meu ritmo de publicação tem sido de fato acelerado. Mas escrevo muito devagar, acho a linguagem fundamental e tem de ser muito trabalhada. Mas agora estou me dando um tempo, me permitindo não escrever, muitas vezes ficar à toa, vivendo a própria vida em si.

O que você tem lido? Leio escritores novos brasileiros, sim. Por exemplo, gostei muito, de Só Faltou o Título, de Reginaldo Pujol Filho (Record). Agora estou lendo Restinga, de Miguel del Castilho (Companhia das Letras), também muito bom. Mas livro que me encantou ultimamente foi Stoner, do norte-americano John Williams (Rádio Londres). Obra-prima.

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ANJO NOTURNO Autor: Sérgio Sant’Anna Ed.: Companhia das Letras (184 págs.,R$ 39,90,R$ 27,90 o e-book)

Sérgio Sant’Anna está prestes a completar 76 anos no fim de outubro, e seu ritmo e qualidade de publicações na última década revelam um escritor em pleno domínio de sua habilidade literária. Anjo Noturno, conjunto de textos inéditos que a Companhia das Letras colocou recentemente nas livrarias, é o seu quinto livro inédito em 6 anos. A sequência começou com O Livro de Praga, em 2011, e, antes do Anjo, foi até O Conto Zero e Outras Histórias, finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos.

Acostumado a distinções e reconhecimentos, Sant’Anna continua criando nos seus textos ficcionais uma ambientação sensual para reflexões profundas que encontra poucos paralelos na literatura brasileira contemporânea (Stella Manhattan, de Silviano Santiago, que tem também uma reedição agora, seria um deles, até mais direto).

Autor. Textos autobiográficos, mas com um tratamento literário Foto: Wilton Junior/O Estado de S. Paulo

Sexualidade na arte, como sabe qualquer pessoa com uma rede social no Brasil neste outubro do século 21, é um tema em plena evidência. “Se esses grupos (políticos) tentassem me boicotar por causa da boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores”, diz Sant’Anna ao Estado. Em uma das cenas de Talk Show, novela em Anjo Noturno (que também tem textos autobiográficos, contos e uma peça de teatro), o personagem tem uma interação curiosa com uma boneca de pano. O escritor falou sobre o livro e o Brasil na entrevista a seguir.

Tem muito a ver com o livro: o que você está achando das manifestações de grupos políticos protestando e propondo boicotes contra exposições e performances artísticas? Esse boicote a expressões artísticas, em pleno século 21, é evidentemente abominável. Só traz uma vantagem, provoca a reação dos artistas, que sairão mais fortes e livres da polêmica.

Uma brincadeira: seria possível que esses mesmos grupos pedissem o boicote ou a censura do conto ‘Talk Show’, por conta da cena com a boneca? Se esses grupos tentassem me boicotar por causa da cena com a boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores. Aliás, no conto, ou novela, Talk Show, antecipo uma reação desse tipo. A atração pela boneca é uma fantasia fetichista, que sempre esteve presente em meus livros. Para fazer arte é preciso estar com a libido desperta.

Falando nele, de onde veio esse ‘Talk Show’? É arriscado associar a apresentadora Edwina e Hebe Camargo? Talk Show, embora totalmente ficcional, bebeu sim num certo tipo de programa de televisão. Tem algo de Hebe Camago, na apresentadora Edwina, mas misturada com outras personagens. Eu não quis ofender a Hebe. Na verdade já fui várias vezes à TV, mas nunca a um programa como aquele. Foi tudo inventado, mas, é claro, a partir de minhas observações como espectador de televisão. E levei ao extremo essa experiência de telespectador.

Numa entrevista em 2012, você mencionou que ‘O Monstro’ foi adotado em vestibulares, mas mesmo assim não houve reclamações de pais e mães. Os tempos mudaram, ou é a literatura que tem menos alcance mesmo? É, espantei-me que o livro O Monstro fosse adotado em algumas universidades particulares. Mas, em palestras, tive reações muito positivas a esse livro, de alunos muito jovens. No conto, há estupro, assassinato, mas um paradoxo que é a assunção do crime pelo protagonista, que resta apaixonado por sua vítima. Este personagem, que atuou junto com uma mulher, faz uma reflexão bastante profunda sobre impulsos humanos. É isso, sobretudo, que me interessa, além das formas das narrativas.

Três narrativas têm um cheiro forte de tinta autobiográfica (‘A Mãe’, ‘A Rua e a Casa’, ‘Amigos’). A reconstituição do dia do golpe militar é impressionante. Você sente, agora, no ar e nas ruas, uma clima político e artístico parecido com aquele de 1964? Os três textos que você mencionou são mesmo totalmente autobiográficos, mas com um tratamento literário. Estou com 75 anos e andei sentindo um grande impulso de mergulhar no meu passado, de certa forma tornando este passado uma nova realidade. É um privilégio, sendo um escritor, poder fazer isso. Gostei também de tirar do baú o golpe militar, que me pegou em pleno ativismo político de esquerda. Felizmente, não fui preso ou torturado, como vários de meus amigos, que me deixam entristecido até hoje. Mas fui processado num inquérito policial-militar e demitido de meu emprego. Porém, acho a situação política brasileira, apesar de tenebrosa, com a corrupção instalada nos mais alto escalões, nem de longe mostra a violência da ditadura militar. Mas estão abusando da paciência do povo; só espero que a verdadeira direita não venha a lucrar com isso.

Outra imagem muito forte aparece em ‘O Conto Fracassado’, quando o narrador lê Proust ao som dos “tiros de grosso calibre”. O Rio de Janeiro é, um pouco, essa contradição: uma cidade bela e literária versus uma cidade em conflito permanente. O Rio é o seu cenário desde sempre... o que é que se passa por aí? O Rio é mesmo o meu cenário, pois nasci e vivi aqui. Mas também morei em Belo Horizonte por 12 anos, estada que, pela convivência com muitos artistas, foi fundamental na minha formação literária. E, por incrível que possa parecer, durante um certo tempo eu ouvia, constantemente, os tiroteios, com armas de alto calibre, vindo dos morros mais próximos. E houve momentos, sim, que me vi lendo alta literatura, ou escrevendo, ao som desses tiroteios. Mas é também porque as balas não chegam a atingir o prédio onde moro. E no conto que você mencionou há um episódio em que um bandido adolescente faz amor com sua namorada numa situação de alto risco. É imperdoável que o País não tenha criado perspectivas para as crianças e adolescentes das comunidades mais pobres.

Seu ritmo de produção está acelerado, não? Você ainda escreve todo dia? Está satisfeito?  Meu ritmo de publicação tem sido de fato acelerado. Mas escrevo muito devagar, acho a linguagem fundamental e tem de ser muito trabalhada. Mas agora estou me dando um tempo, me permitindo não escrever, muitas vezes ficar à toa, vivendo a própria vida em si.

O que você tem lido? Leio escritores novos brasileiros, sim. Por exemplo, gostei muito, de Só Faltou o Título, de Reginaldo Pujol Filho (Record). Agora estou lendo Restinga, de Miguel del Castilho (Companhia das Letras), também muito bom. Mas livro que me encantou ultimamente foi Stoner, do norte-americano John Williams (Rádio Londres). Obra-prima.

ANJO NOTURNO Autor: Sérgio Sant’Anna Ed.: Companhia das Letras (184 págs.,R$ 39,90,R$ 27,90 o e-book)

Sérgio Sant’Anna está prestes a completar 76 anos no fim de outubro, e seu ritmo e qualidade de publicações na última década revelam um escritor em pleno domínio de sua habilidade literária. Anjo Noturno, conjunto de textos inéditos que a Companhia das Letras colocou recentemente nas livrarias, é o seu quinto livro inédito em 6 anos. A sequência começou com O Livro de Praga, em 2011, e, antes do Anjo, foi até O Conto Zero e Outras Histórias, finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos.

Acostumado a distinções e reconhecimentos, Sant’Anna continua criando nos seus textos ficcionais uma ambientação sensual para reflexões profundas que encontra poucos paralelos na literatura brasileira contemporânea (Stella Manhattan, de Silviano Santiago, que tem também uma reedição agora, seria um deles, até mais direto).

Autor. Textos autobiográficos, mas com um tratamento literário Foto: Wilton Junior/O Estado de S. Paulo

Sexualidade na arte, como sabe qualquer pessoa com uma rede social no Brasil neste outubro do século 21, é um tema em plena evidência. “Se esses grupos (políticos) tentassem me boicotar por causa da boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores”, diz Sant’Anna ao Estado. Em uma das cenas de Talk Show, novela em Anjo Noturno (que também tem textos autobiográficos, contos e uma peça de teatro), o personagem tem uma interação curiosa com uma boneca de pano. O escritor falou sobre o livro e o Brasil na entrevista a seguir.

Tem muito a ver com o livro: o que você está achando das manifestações de grupos políticos protestando e propondo boicotes contra exposições e performances artísticas? Esse boicote a expressões artísticas, em pleno século 21, é evidentemente abominável. Só traz uma vantagem, provoca a reação dos artistas, que sairão mais fortes e livres da polêmica.

Uma brincadeira: seria possível que esses mesmos grupos pedissem o boicote ou a censura do conto ‘Talk Show’, por conta da cena com a boneca? Se esses grupos tentassem me boicotar por causa da cena com a boneca, só fariam despertar mais interesse dos leitores. Aliás, no conto, ou novela, Talk Show, antecipo uma reação desse tipo. A atração pela boneca é uma fantasia fetichista, que sempre esteve presente em meus livros. Para fazer arte é preciso estar com a libido desperta.

Falando nele, de onde veio esse ‘Talk Show’? É arriscado associar a apresentadora Edwina e Hebe Camargo? Talk Show, embora totalmente ficcional, bebeu sim num certo tipo de programa de televisão. Tem algo de Hebe Camago, na apresentadora Edwina, mas misturada com outras personagens. Eu não quis ofender a Hebe. Na verdade já fui várias vezes à TV, mas nunca a um programa como aquele. Foi tudo inventado, mas, é claro, a partir de minhas observações como espectador de televisão. E levei ao extremo essa experiência de telespectador.

Numa entrevista em 2012, você mencionou que ‘O Monstro’ foi adotado em vestibulares, mas mesmo assim não houve reclamações de pais e mães. Os tempos mudaram, ou é a literatura que tem menos alcance mesmo? É, espantei-me que o livro O Monstro fosse adotado em algumas universidades particulares. Mas, em palestras, tive reações muito positivas a esse livro, de alunos muito jovens. No conto, há estupro, assassinato, mas um paradoxo que é a assunção do crime pelo protagonista, que resta apaixonado por sua vítima. Este personagem, que atuou junto com uma mulher, faz uma reflexão bastante profunda sobre impulsos humanos. É isso, sobretudo, que me interessa, além das formas das narrativas.

Três narrativas têm um cheiro forte de tinta autobiográfica (‘A Mãe’, ‘A Rua e a Casa’, ‘Amigos’). A reconstituição do dia do golpe militar é impressionante. Você sente, agora, no ar e nas ruas, uma clima político e artístico parecido com aquele de 1964? Os três textos que você mencionou são mesmo totalmente autobiográficos, mas com um tratamento literário. Estou com 75 anos e andei sentindo um grande impulso de mergulhar no meu passado, de certa forma tornando este passado uma nova realidade. É um privilégio, sendo um escritor, poder fazer isso. Gostei também de tirar do baú o golpe militar, que me pegou em pleno ativismo político de esquerda. Felizmente, não fui preso ou torturado, como vários de meus amigos, que me deixam entristecido até hoje. Mas fui processado num inquérito policial-militar e demitido de meu emprego. Porém, acho a situação política brasileira, apesar de tenebrosa, com a corrupção instalada nos mais alto escalões, nem de longe mostra a violência da ditadura militar. Mas estão abusando da paciência do povo; só espero que a verdadeira direita não venha a lucrar com isso.

Outra imagem muito forte aparece em ‘O Conto Fracassado’, quando o narrador lê Proust ao som dos “tiros de grosso calibre”. O Rio de Janeiro é, um pouco, essa contradição: uma cidade bela e literária versus uma cidade em conflito permanente. O Rio é o seu cenário desde sempre... o que é que se passa por aí? O Rio é mesmo o meu cenário, pois nasci e vivi aqui. Mas também morei em Belo Horizonte por 12 anos, estada que, pela convivência com muitos artistas, foi fundamental na minha formação literária. E, por incrível que possa parecer, durante um certo tempo eu ouvia, constantemente, os tiroteios, com armas de alto calibre, vindo dos morros mais próximos. E houve momentos, sim, que me vi lendo alta literatura, ou escrevendo, ao som desses tiroteios. Mas é também porque as balas não chegam a atingir o prédio onde moro. E no conto que você mencionou há um episódio em que um bandido adolescente faz amor com sua namorada numa situação de alto risco. É imperdoável que o País não tenha criado perspectivas para as crianças e adolescentes das comunidades mais pobres.

Seu ritmo de produção está acelerado, não? Você ainda escreve todo dia? Está satisfeito?  Meu ritmo de publicação tem sido de fato acelerado. Mas escrevo muito devagar, acho a linguagem fundamental e tem de ser muito trabalhada. Mas agora estou me dando um tempo, me permitindo não escrever, muitas vezes ficar à toa, vivendo a própria vida em si.

O que você tem lido? Leio escritores novos brasileiros, sim. Por exemplo, gostei muito, de Só Faltou o Título, de Reginaldo Pujol Filho (Record). Agora estou lendo Restinga, de Miguel del Castilho (Companhia das Letras), também muito bom. Mas livro que me encantou ultimamente foi Stoner, do norte-americano John Williams (Rádio Londres). Obra-prima.

ANJO NOTURNO Autor: Sérgio Sant’Anna Ed.: Companhia das Letras (184 págs.,R$ 39,90,R$ 27,90 o e-book)

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