BOLONHA - “Ainda era dia quando a lua apareceu. Como não precisava iluminar o dia, foi à praia descansar um pouco”, narra o início do livro Dia de Lua. Na sequência, a obra mostra o satélite natural em diversas situações ao longo do dia, sem ser notada, até que há uma reviravolta final.
A publicação brasileira recebeu o prêmio de melhor livro para bebês, que estreou como uma categoria (”Toddler”) do BolognaRagazzi Awards neste ano, promovido pela 61ª Feira do Livro Infantil de Bolonha, a maior do setor. Ao todo, foram 3.355 títulos inscritos por editoras de 65 países e em diversas categorias.
A obra é assinada por Renato Moriconi, autor de cerca de 90 livros, e integra a coleção Literatura de Colo, da Jujuba Editora, de São Paulo — que tem 18 títulos voltados especialmente a esse público e foi indicada a melhor editora da América Latina e Caribe na feira do ano passado.
Voltado a publicações desenvolvidas para crianças de 1 a 3 anos, o prêmio de melhor livro para bebês foi entregue durante a feira italiana, realizada entre os dias 8 e 11, na Itália. O troféu foi recebido com muita comemoração pela editora e fundadora da Jujuba, Daniela Padilha, e por Moriconi.
Na justificativa, o júri do prêmio destacou o cuidado com cada detalhe gráfico, como a capa sem título, os cantos arredondados e a paleta de três cores (azul, branco e preto). Entre os pontos ressaltados, também estavam a criatividade e a mistura de elementos.
Além disso, o júri elogiou a proposta de narrar o dia da lua, a qual exerce funções diferentes para além de iluminar o céu, transformando-se em rede, guarda-chuva, chifre de rinoceronte e outros. “A pureza do design gráfico do livro cativa os leitores nesta jornada diurna/lunar magistralmente executada”, conclui a justificativa oficial.
Como é Dia de Lua? O que tem de diferente de outros livros para bebês?
Dia de Lua é um livro voltado para os bebês e aqueles com quem compartilham essa experiência, como os pais e cuidadores. Embora tenha esse público prioritário, igualmente se propõe às demais faixas etárias.
“Tem características que dialogam com o leitor bebê e o adulto de referência, que está lendo com o bebê. E você só consegue essa relação com o livro se surpreender esses dois públicos”, explica a editora, Daniela Padilha. Para ela, a obra já começa com uma provocação, uma quebra de expectativa, por não ter o título exposto na capa frontal, mas apenas na lombada.
Ao longo das páginas, as ilustrações mostram a lua em diferentes situações ao longo do dia, desde o chifre de um rinoceronte até a base de um vaso de flores. Em frases curtas e imagens, narra experiências um tanto poéticas e um certo incômodo do satélite natural com a pouca atenção, até que toma uma decisão final.
Por ser voltado prioritariamente à primeiríssima infância, o livro é de capa dura, com pontas arredondadas e páginas de maior gramatura. Essa proposta permite um melhor manuseio pelo leitor iniciante, ao mesmo tempo que aumenta a durabilidade no caso de puxões mais bruscos, contato com a boca e outras situações esperadas nessa faixa etária.
Autor do livro, Renato Moriconi destaca que ele não foi inicialmente pensado para bebês, mas cujo potencial foi identificado por Daniela, embora não se limite exclusivamente esse público. “É um livro que inclui também o bebê”, diz. “É um exercício gigante conversar com faixa etária muito longe da sua, poder tocar no coração deles, fazê-los se emocionarem e se divertirem”, aponta.
Moriconi aponta que o livro foi bem acolhido e elogiado na feira, o que mostra que trouxe alguns elementos mais universais. Ao mesmo tempo, percebe que há algumas referências regionais, como um trecho sobre a lua ter ficado “cheia”, o qual também se referia a ter esgotado a paciência.
“O livro trabalha com símbolos. Tem um humor que trabalha com códigos e símbolos da nossa cultura, da nossa língua e da nossa visualidade — que, de certa maneira, outras culturas compartilham, mas nem tudo”, avalia.
Editora tem produção voltada à ‘literatura de colo’
A obra faz parte da coleção Literatura de Colo. Criada em 2018, ela é o carro-chefe da produção na Jujuba. Daniela Padilha avalia que a premiação do Dia de Lua mostra a importância também de obras com esse perfil. Dos 18 livros da coleção, três são de Moriconi.
A proposta nasceu da percepção da baixa produção autoral nacional de literatura para os bebês. Como destaca Daniela, as opções no País eram basicamente traduções de obras estrangeiras ou com um perfil distinto — como feitos de pano ou plástico, assemelhando-se a um brinquedo e, por vezes, sem uma narrativa.
Para a editora, embora opções que se assemelham a brinquedos não sejam ruins, a produção para esse público pode ganhar maior pluralidade de propostas. Além disso, destaca que a leitura não precisa ser vista apenas como um instrumento para o desenvolvimento da criança. “O livro para bebês esteve nesse lugar do adulto detentor ensinando. O que a Jujuba propõe é que os dois encontrem coisas novas juntos”, compara Daniela, que também é pesquisadora da relação da literatura entre mães e bebês. “Pensamos na narrativa enquanto experiência literária entre duas pessoas”, completa.
Além disso, ela defende que esse contato deve ser entendido como uma experiência prolongada. No primeiro contato, por exemplo, é normal que a criança não queira prosseguir até o fim. “É importante evitar essa frustração”, diz.
Prêmios e futuro
Indicado a vários prêmios entregues e/ou anunciados na feira, o Brasil sairá do evento com dois reconhecimentos. Além do troféu para Dia de Lua, Henrique Moreira venceu o concurso entre os ilustradores que expuseram na mostra da feira. LEIA MAIS SOBRE O PRÊMIO E SEU TRABALHO
Com o reconhecimento, o Dia de Lua ganhou destaque na entrada e diferentes áreas da feira, inclusive no setor de vendas para o público em geral. Também foi tema de uma mesa e um workshop.
Além disso, a premiação trouxe uma rotina agitada de reuniões para a editora Daniela Padilha ao longo do evento. Ela diz que a projeção pode trazer a primeira publicação da Jujuba em outro idioma, mas que os resultados serão confirmados ao longo das próximas semanas. “Somos uma editora pequena e independente. Editoras de fora estão procurando a gente. E acabam se interessando por outros livros da Jujuba também”, conta.
* A repórter viajou a convite da Feira do Livro Infantil de Bolonha