O som de fita lacrando caixas e mais caixas de livros é desolador. A cena, também. Na manhã desta sexta-feira, 10, a primeira desde que foi decretada a falência da Livraria Cultura, a área dedicada à editora Companhia das Letras, na entrada da loja do Conjunto Nacional, ficou vazia em poucos minutos enquanto clientes e curiosos circulavam pelo local em busca de uma promoção, uma última foto, uma despedida.
“Estou me desmanchando. Isso não podia estar acontecendo. É o Brasil morrendo”, desabafou, emocionado, o professor Dario Celebrone, de 73 anos, enquanto olhava ao redor da loja que estava com uma movimentação atípica - nos últimos meses o local estava sempre vazio. Ele leu a notícia da falência na noite desta quinta, 9. Tinha dentista marcado ali perto e aproveitou para dar um pulo na livraria que frequentava desde que se entende por gente. “Não sei se eu devia ter vindo. Estou com um travo no peito gigantesco”, finalizou com a voz embargada.
Nascido na China, Chu, psicólogo “com mais de 70 anos” e que vive no Brasil desde a adolescência, foi pego de surpresa. “Ah, vai fechar?”, perguntou assustado à repórter. “Que pena, eu gosto muito dessa livraria. Que triste. Absurdo”, disse o cliente que ajudou, sem saber, a Livraria Cultura a ganhar uma sobrevida - ele aderiu, no ano passado, ao serviço de assinatura de livros criado pela empresa que estava em recuperação judicial desde 2019.
Três estudantes de Veterinária souberam da notícia por um amigo e, acabada a aula na Rua Augusta, foram até o Conjunto Nacional em busca de algum saldo. Foram embora levando um exemplar apenas. “Com o livro sendo vendido mais barato online, as livrarias acabam perdendo o espaço. Aqui é gostoso de ficar, mas há outras livrarias assim”, comentou Tainah Rodrigues, de 22 anos.
Amarildo Teixeira, de 60 anos, estava sentado numa das cadeiras da rampa central, olhando. Morador de Paraty, onde tem um restaurante, ele gostava de ir à Livraria Cultura sempre que vinha a São Paulo - e fez isso na manhã desta sexta. “Eu já sabia que ia fechar, mas entrei aqui e deu uma tristeza. É uma situação muito triste não apenas para São Paulo, mas para a cultura brasileira e para o Brasil. Fico me perguntando o que aconteceu de errado para que um patrimônio gigante como a Cultura acabasse assim”, disse Teixeira.
A microbiologista Min Yang, de 40 anos, aproveitou o dia de folga para fazer o que gosta de fazer desde a adolescência: passar um tempo na livraria. Ela ouviu a notícia da falência na noite passada, no rádio, e foi passear lá mais uma vez. “Por mais que tenha a conveniência de encontrar livros na internet, ir a uma livraria é especial. É muito triste que ela vá fechar.”
Enquanto a repórter conversa com Yang, um pai passa com uma criança e comenta: “Acho que isso aqui vai virar várias livrarias”. Seria uma boa notícia, mas infelizmente isso não deve acontecer.
Terminado o serviço de retirada dos livros da Companhia das Letras (algumas editoras operavam seus próprios espaços dentro da livraria), no térreo, por profissionais enviados pela editora, um funcionário da Cultura tratou de começar a distribuir outros livros nas prateleiras. O som das fitas fechando as caixas continuava vindo do segundo andar, onde outros profissionais encaixotavam o acervo da JBC. Em outro corredor, a Zastras Presentes Educativos também embalava seus produtos.
A loja segue aberta até segunda ordem. É isso o que os funcionários respondem aos clientes.
Em nota, a empresa informou, no final da tarde desta sexta-feira, que recebeu a notícia da falência “com grande surpresa”. E completou: “Nesse momento iremos analisar a decisão do juiz, mas pretendemos recorrer pois entendemos que há soluções mais apropriadas à empresa, buscando sua recuperação, que não a falência. As operações das duas lojas físicas (Conjunto Nacional, em São Paulo, e Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre), site e demais canais mantém-se normalmente em funcionamento”.
A Cultura já teve várias lojas dentro do Conjunto Nacional, onde chegou em 1969 - esta principal, a de arte, a geek, entre outras que operou para editoras. A Livraria Drummond, inaugurada ali em 2022, já herdou alguns clientes que não encontravam mais livros na loja vizinha. É o caso da cantora Suzana Salles, de 67 anos, que foi à Cultura com mãe em busca de um livro sobre os Beatles e só encontrou na Drummond. “Fazia um tempo que a Cultura não estava correspondendo às expectativas, mas na história de São Paulo ela vai fazer muita falta. É triste”, finalizou a cantora que já se apresentou no Teatro Eva Herz - que, aliás, leva o nome da mulher que iniciou este negócio em 1947, como uma biblioteca circulante, ainda em sua casa. Seu filho, Pedro Herz, e depois os netos tocaram a empresa até agora.