'Vivemos uma era de mudanças que lembra os anos 1930', diz Margaret Atwood


Autora de 'O Conto da Aia' afirma que escreveu seu livro inspirada em '1984'

Por Ubiratan Brasil

FRANKFURT - Os cabelos prateados e o sorriso amistoso são o cartão de visita da escritora canadense Margaret Atwood que, no próximo mês, completa 78 anos. Mas, como são encaracoladas, as madeixas aumentam sua vantagem, revelando uma elegante senhora cheia de estilo, charme, energia e, principalmente, bom humor. Margaret ri de suas próprias piadas, o que as tornam ainda mais engraçadas. Foi o que tornou tão ruidosa a entrevista coletiva da qual participou na manhã de sábado, 14, na Feira do Livro de Frankfurt, que terminou ontem.

A escritora canadense Margaret Atwood Foto:

Ela veio à cidade para receber o Prêmio da Paz, conferido anualmente pela Associação de Livreiros Alemães. Desde que um de seus antigos livros, O Conto da Aia (Rocco), publicado em 1985, alcançou um novo e estrondoso vigor mundial ao inspirar a série de sucesso The Handmaid’s Tale, a escritora de olhos azuis voltou a ser uma celebridade. “Foi o primeiro produto em streaming a ganhar um Emmy”, comentou ela, em tom de orgulho, referindo-se ao prêmio americano tradicionalmente dedicado à TV. 

continua após a publicidade

Distópico, o romance tornou-se profético depois da eleição de Donald Trump, alçando Margaret a uma posição de profetisa. “O que o torna tão moderno é o retrato do totalitarismo americano”, comentou. De fato, O Conto da Aia é ambientado em uma república em um futuro próximo. Lá, não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. Tampouco universidades. Extinguiu-se ainda a profissão de advogado porque ninguém tem direito a defesa – quem é considerado criminoso é fuzilado sumariamente e seu corpo é pendurado em praça pública, para que o apodrecimento escancarado sirva como exemplo e intimidação. Atos banais tornaram-se crimes, como cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi chamada de Estados Unidos.

“Quando escrevi essa história, eu vivia em Berlim, nos anos 1980. O muro ainda dividia a cidade e nada indicava alguma mudança – mal sabíamos que, cinco anos depois, ele seria derrubado”, observou. “Hoje, sentimos que é uma realidade possível. Vivemos uma era de mudanças, o que me faz lembrar dos anos 1930”, comentou, referindo-se à fase de surgimento de líderes fascistas e populistas, o que culminou com a 2.ª Guerra Mundial. “E o que surpreende os europeus é que isso também acontece nos EUA, sempre considerados um modelo de democracia.” 

Margaret referiu-se tanto à crise espanhola provocada pela tentativa de separação da Catalunha quanto aos constantes tropeços do governo Trump. Aliás, a fim de explicar o atual sucesso de O Conto da Aia, a autora se lembrou da tentativa do presidente americano e de alguns políticos em controlar os direitos femininos – no romance, as mulheres de Gilead não têm direitos e ainda são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. À personagem Offred, por exemplo, coube a categoria de aia, ou seja, sua função resume-se à procriação, uma vez que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas.

continua após a publicidade

“O Canadá se tornou o país onde os americanos buscam refúgio sempre que estão inquietos. É o que acontece com as mulheres hoje”, disse Margaret que, indagada sobre o cristianismo, lembrou que as religiões de todo tipo tentam impor restrições às mulheres. “O propósito de todas as crenças é o de ter sempre muitos seguidores, daí a importância do papel feminino na procriação. Somente os shakers (seita religiosa fundada no século 8.º, na Inglaterra, e famosa por seu comportamento frenético durante os cultos) não tentaram controlar os corpos das mulheres porque adotaram órfãos. Mas eles desapareceram rapidamente, devido à escassez justamente de órfãos”, disse ela, ecoando mais um tema de seu romance.

Questionada sobre educação e cultura, a escritora ressaltou a importância da leitura. “Uma pessoa terá seu caráter forjado pelo que leu entre os 10 e os 20 anos de idade”, acredita. “Li 1984 (de George Orwell) quando estava com 13 anos e, mais tarde, pensei em escrever algo semelhante, mas de forma diferente.” O resultado é justamente O Conto da Aia, uma história assustadora, que leva o leitor a refletir sobre temas diversos, mas indispensáveis, como liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo que se desenha hoje, o futuro e, principalmente, o presente. 

FRANKFURT - Os cabelos prateados e o sorriso amistoso são o cartão de visita da escritora canadense Margaret Atwood que, no próximo mês, completa 78 anos. Mas, como são encaracoladas, as madeixas aumentam sua vantagem, revelando uma elegante senhora cheia de estilo, charme, energia e, principalmente, bom humor. Margaret ri de suas próprias piadas, o que as tornam ainda mais engraçadas. Foi o que tornou tão ruidosa a entrevista coletiva da qual participou na manhã de sábado, 14, na Feira do Livro de Frankfurt, que terminou ontem.

A escritora canadense Margaret Atwood Foto:

Ela veio à cidade para receber o Prêmio da Paz, conferido anualmente pela Associação de Livreiros Alemães. Desde que um de seus antigos livros, O Conto da Aia (Rocco), publicado em 1985, alcançou um novo e estrondoso vigor mundial ao inspirar a série de sucesso The Handmaid’s Tale, a escritora de olhos azuis voltou a ser uma celebridade. “Foi o primeiro produto em streaming a ganhar um Emmy”, comentou ela, em tom de orgulho, referindo-se ao prêmio americano tradicionalmente dedicado à TV. 

Distópico, o romance tornou-se profético depois da eleição de Donald Trump, alçando Margaret a uma posição de profetisa. “O que o torna tão moderno é o retrato do totalitarismo americano”, comentou. De fato, O Conto da Aia é ambientado em uma república em um futuro próximo. Lá, não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. Tampouco universidades. Extinguiu-se ainda a profissão de advogado porque ninguém tem direito a defesa – quem é considerado criminoso é fuzilado sumariamente e seu corpo é pendurado em praça pública, para que o apodrecimento escancarado sirva como exemplo e intimidação. Atos banais tornaram-se crimes, como cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi chamada de Estados Unidos.

“Quando escrevi essa história, eu vivia em Berlim, nos anos 1980. O muro ainda dividia a cidade e nada indicava alguma mudança – mal sabíamos que, cinco anos depois, ele seria derrubado”, observou. “Hoje, sentimos que é uma realidade possível. Vivemos uma era de mudanças, o que me faz lembrar dos anos 1930”, comentou, referindo-se à fase de surgimento de líderes fascistas e populistas, o que culminou com a 2.ª Guerra Mundial. “E o que surpreende os europeus é que isso também acontece nos EUA, sempre considerados um modelo de democracia.” 

Margaret referiu-se tanto à crise espanhola provocada pela tentativa de separação da Catalunha quanto aos constantes tropeços do governo Trump. Aliás, a fim de explicar o atual sucesso de O Conto da Aia, a autora se lembrou da tentativa do presidente americano e de alguns políticos em controlar os direitos femininos – no romance, as mulheres de Gilead não têm direitos e ainda são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. À personagem Offred, por exemplo, coube a categoria de aia, ou seja, sua função resume-se à procriação, uma vez que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas.

“O Canadá se tornou o país onde os americanos buscam refúgio sempre que estão inquietos. É o que acontece com as mulheres hoje”, disse Margaret que, indagada sobre o cristianismo, lembrou que as religiões de todo tipo tentam impor restrições às mulheres. “O propósito de todas as crenças é o de ter sempre muitos seguidores, daí a importância do papel feminino na procriação. Somente os shakers (seita religiosa fundada no século 8.º, na Inglaterra, e famosa por seu comportamento frenético durante os cultos) não tentaram controlar os corpos das mulheres porque adotaram órfãos. Mas eles desapareceram rapidamente, devido à escassez justamente de órfãos”, disse ela, ecoando mais um tema de seu romance.

Questionada sobre educação e cultura, a escritora ressaltou a importância da leitura. “Uma pessoa terá seu caráter forjado pelo que leu entre os 10 e os 20 anos de idade”, acredita. “Li 1984 (de George Orwell) quando estava com 13 anos e, mais tarde, pensei em escrever algo semelhante, mas de forma diferente.” O resultado é justamente O Conto da Aia, uma história assustadora, que leva o leitor a refletir sobre temas diversos, mas indispensáveis, como liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo que se desenha hoje, o futuro e, principalmente, o presente. 

FRANKFURT - Os cabelos prateados e o sorriso amistoso são o cartão de visita da escritora canadense Margaret Atwood que, no próximo mês, completa 78 anos. Mas, como são encaracoladas, as madeixas aumentam sua vantagem, revelando uma elegante senhora cheia de estilo, charme, energia e, principalmente, bom humor. Margaret ri de suas próprias piadas, o que as tornam ainda mais engraçadas. Foi o que tornou tão ruidosa a entrevista coletiva da qual participou na manhã de sábado, 14, na Feira do Livro de Frankfurt, que terminou ontem.

A escritora canadense Margaret Atwood Foto:

Ela veio à cidade para receber o Prêmio da Paz, conferido anualmente pela Associação de Livreiros Alemães. Desde que um de seus antigos livros, O Conto da Aia (Rocco), publicado em 1985, alcançou um novo e estrondoso vigor mundial ao inspirar a série de sucesso The Handmaid’s Tale, a escritora de olhos azuis voltou a ser uma celebridade. “Foi o primeiro produto em streaming a ganhar um Emmy”, comentou ela, em tom de orgulho, referindo-se ao prêmio americano tradicionalmente dedicado à TV. 

Distópico, o romance tornou-se profético depois da eleição de Donald Trump, alçando Margaret a uma posição de profetisa. “O que o torna tão moderno é o retrato do totalitarismo americano”, comentou. De fato, O Conto da Aia é ambientado em uma república em um futuro próximo. Lá, não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. Tampouco universidades. Extinguiu-se ainda a profissão de advogado porque ninguém tem direito a defesa – quem é considerado criminoso é fuzilado sumariamente e seu corpo é pendurado em praça pública, para que o apodrecimento escancarado sirva como exemplo e intimidação. Atos banais tornaram-se crimes, como cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi chamada de Estados Unidos.

“Quando escrevi essa história, eu vivia em Berlim, nos anos 1980. O muro ainda dividia a cidade e nada indicava alguma mudança – mal sabíamos que, cinco anos depois, ele seria derrubado”, observou. “Hoje, sentimos que é uma realidade possível. Vivemos uma era de mudanças, o que me faz lembrar dos anos 1930”, comentou, referindo-se à fase de surgimento de líderes fascistas e populistas, o que culminou com a 2.ª Guerra Mundial. “E o que surpreende os europeus é que isso também acontece nos EUA, sempre considerados um modelo de democracia.” 

Margaret referiu-se tanto à crise espanhola provocada pela tentativa de separação da Catalunha quanto aos constantes tropeços do governo Trump. Aliás, a fim de explicar o atual sucesso de O Conto da Aia, a autora se lembrou da tentativa do presidente americano e de alguns políticos em controlar os direitos femininos – no romance, as mulheres de Gilead não têm direitos e ainda são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. À personagem Offred, por exemplo, coube a categoria de aia, ou seja, sua função resume-se à procriação, uma vez que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas.

“O Canadá se tornou o país onde os americanos buscam refúgio sempre que estão inquietos. É o que acontece com as mulheres hoje”, disse Margaret que, indagada sobre o cristianismo, lembrou que as religiões de todo tipo tentam impor restrições às mulheres. “O propósito de todas as crenças é o de ter sempre muitos seguidores, daí a importância do papel feminino na procriação. Somente os shakers (seita religiosa fundada no século 8.º, na Inglaterra, e famosa por seu comportamento frenético durante os cultos) não tentaram controlar os corpos das mulheres porque adotaram órfãos. Mas eles desapareceram rapidamente, devido à escassez justamente de órfãos”, disse ela, ecoando mais um tema de seu romance.

Questionada sobre educação e cultura, a escritora ressaltou a importância da leitura. “Uma pessoa terá seu caráter forjado pelo que leu entre os 10 e os 20 anos de idade”, acredita. “Li 1984 (de George Orwell) quando estava com 13 anos e, mais tarde, pensei em escrever algo semelhante, mas de forma diferente.” O resultado é justamente O Conto da Aia, uma história assustadora, que leva o leitor a refletir sobre temas diversos, mas indispensáveis, como liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo que se desenha hoje, o futuro e, principalmente, o presente. 

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.