O presidente mais impopular em começo de mandato na história das pesquisas de opinião fez um comício definido como a partida para a campanha de reeleição em 2020, na véspera de completar um mês no cargo. Se tal euforia sugere alta dose de autoconfiança ou desconexão da realidade, há que compreender o método na aparente loucura: o presidente americano se dirige a cerca de 25% da população, os adultos que votaram nele.
Hoje à noite, na cerimônia do Oscar, uma audiência planetária será brindada com piadas do mestre de cerimônias Jimmy Kimmel e protestos de atores e diretores com acesso ao microfone e o tema será um só: Donald Trump. Mas, como revela uma nova pesquisa, dois terços dos eleitores do presidente desligam a TV se algum artista fala em política em premiações.
Nos mundos paralelos em que vivem os americanos, a esmagadora maioria da comunidade artística está atravessando uma forma de exílio pós-Obama, sacudida diariamente por retrocessos políticos e também por um ataque frontal à sua subsistência.
O New York Times confirmou os planos de desmontagem de instituições federais de apoio às artes, como o National Endowment for the Arts e o National Endowment for the Humanities, além do corte de fundos para as fundações de TV e rádio públicas. É difícil argumentar a motivação de austeridade fiscal quando se considera que todas estas organizações não consomem mais do que 0,01% do orçamento federal. O alvo indisfarçado é a cultura independente e seu viés à esquerda do centro.
Antes da posse presidencial, coletivos de artistas plásticos, músicos e escritores já haviam organizado protestos e performances. A classe artística vive, em menor grau, o momento de mea culpa que o establishment liberal de política e mídia atravessa por ter ignorado o grau de ressentimento econômico e existencial que colocou um outrora azarão na Casa Branca. Passado o susto, é evidente o esforço de canalizar energias criativas para resistência cultural.
Livrarias independentes vão se tornando fóruns de debate e centros de terapia coletiva. Com a disparada espontânea de clássicos na lista de best-sellers sobre distopias, como 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, livrarias começaram a montar vitrines e seleções sobre temas como distopia em ficção ou títulos sobre resistência política. Na semana seguinte ao decreto executivo banindo temporariamente refugiados de qualquer país e cidadão de países de maioria muçulmana, o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) instalou obras de artistas dos sete países banidos junto à sua coleção permanente.
Um projeto global de exposições e eventos sob o lema Hands Off Our Revolution foi lançado no dia 16, para “combater a emergência do populismo de direita” e conta com figuras como Laurie Anderson, Olafur Eliasson e Anish Kapoor.
Em apenas uma semana, em fevereiro, o dramaturgo Robert Shenkkan, ganhador de um Prêmio Pulitzer, escreveu a peça Building the Wall (Construindo o Muro) que vai ser encenada, a partir de março, em cinco teatros no país. A trama se passa em 2019, quando um executivo do governo federal aguarda sentença por perseguição a imigrantes depois de um ataque terrorista.
O resultado da eleição presidencial foi diagnosticado, em parte, como uma falha da imaginação coletiva. Imaginação, o oxigênio do artista, volta ao centro da política.