Livro analisa a repercussão dos clássicos russos no Brasil de Vargas


'Dostoievski na Rua do Ouvidor' mostra como os dois países tiveram um trânsito cultural assimétrico no Estado Novo

Por Irineu Franco Perpetuo
Atualização:

Embora padecendo sob ditaduras isolacionistas, situadas nos extremos opostos do campo ideológico, Brasil e Rússia tiveram trocas literárias de uma intensidade inaudita durante o Estado Novo. Trocas tão intensas quanto assimétricas: se nossa literatura penetrava a conta-gotas no país dos sovietes, a nação de Vargas sofreu uma inigualada invasão das letras russas, como demonstra Bruno Barreto Gomide em Dostoievski na Rua do Ouvidor: a Literatura Russa e o Estado Novo.

O escritor russo Fiodor Dostoievski Foto: Wikimedia Commons

Professor livre-docente de literatura e cultura russa na USP, Gomide vem se especializando no estudo da recepção da literatura daquele país por aqui. Faturou o Prêmio Jabuti com Da Estepe à Caatinga: o Romance Russo no Brasil (1887-1936), em que mapeia o momento inicial da chegada dessa produção às nossas praias, e não surpreenderá se for novamente laureado pelo volume atual, que continua a pesquisa anterior com o mesmo rigor.

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Em 2016, Maria Fernanda Rodrigues revelou, nas páginas do Estado, que, em meio ao trabalho de elaboração do livro, Gomide descobrira que ninguém menos que o cultuado intelectual vienense Otto Maria Carpeaux (1900-1978) havia plagiado, em 1942, nas páginas do Correio da Manhã, O Narrador, ensaios sobre o escritor Nikolai Leskov (1831-1895) de autoria de Walter Benjamin (1892-1940), pilar da Escola de Frankfurt.

Em Dostoievski na Rua do Ouvidor, Gomide reconhece os méritos de Carpeaux como ensaísta mas é implacável: “Não há dúvidas de que Carpeaux plagiou Benjamin”, crava.

Para além da demolição de uma “vaca sagrada” da vida intelectual brasileira do período, Gomide mapeia meticulosamente os dois períodos da “febre russa” que nos teria acometido na Era Vargas – um período em que referências à literatura russa apareciam cotidianamente na imprensa, em relatos policiais e na discussão de temas políticos, e em que sobrenomes de escritores poderiam batizar de jogadores de futebol (Tolstoi Torransy) a industriais (Eugenio Pouchkine). 

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O primeiro, entre 1930 e 1935, foi interrompido pela Intentona Comunista, e a reação contra tudo que era russo que se seguiu ao fracasso da rebelião e à implantação do Estado Novo, em 1937. O segundo, em 1943 e 1945, corresponde ao afrouxamento da ditadura varguista e à entrada do Brasil na 2.ª Guerra, do mesmo lado da URSS. Os números configuram um verdadeiro tsunami, impressionante mesmo para o leitor brasileiro de hoje, que, especialmente a partir de 2000, se acostumou a ver livros russos sendo lançados em nosso país com regularidade, e obtendo destaque na mídia e nas estantes das livrarias.

“Nunca se publicou tanta literatura russa quanto entre 1943 e 1945. São nada menos do que 83 volumes de literatura russa”, contabiliza Gomide. A tradução indireta ainda era a regra, mas o período marca a estreia de um certo Boris Solomónov, que, nas décadas seguintes, abandonaria o pseudônimo para se tornar, com seu nome verdadeiro, o pai-fundador da russística brasileira moderna: Boris Schnaiderman (1917-2016).

O título do livro faz referência ao endereço em que se localizava a editora José Olympio, que coroou a “febre russa” com o lançamento de uma ambiciosa e ricamente ilustrada coleção de obras de Dostoievski – a primeira iniciativa do gênero dedicada a um escritor estrangeiro no Brasil.

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Pois, então como agora, o autor de Crime e Castigo era não apenas o mais conhecido escritor russo por aqui, como a preferência por ele abarcava todos os campos do espectro político, funcionando como um raro denominador comum em uma era de polarização. O pesquisador ainda atravessa o Atlântico para mapear a recepção de nossa literatura na URSS do período, chegando a uma figura ainda não suficientemente estudada e conhecida mesmo pelos russos: David Vygódski (1893-1943), que se correspondia com autores latino-americanos como Jorge Amado e Octavio Paz, e incluiu o português entre os mais de vinte idiomas de que traduziu, até sua morte em no gulag stalinista.

Gomide mergulha na correspondência de Vygódski (primo do célebre psicólogo Lev Vygótski) e revela um esforço de inserção de literatura brasileira na Rússia que, embora muito inferior com relação à avalanche russa que avassalava nossas prateleiras, é ainda mais variado do que a oferta que se encontra hoje naquele país. A lista de autores traduzidos e divulgados por Vygódski na URSS inclui de Machado de Assis a Mário de Andrade, passando por Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros. Para os estudiosos da área, não há saída: Dostoiévski na Rua do Ouvidor é um livro incontornável. *Irineu Franco Perpetuo é tradutor e crítico 

Embora padecendo sob ditaduras isolacionistas, situadas nos extremos opostos do campo ideológico, Brasil e Rússia tiveram trocas literárias de uma intensidade inaudita durante o Estado Novo. Trocas tão intensas quanto assimétricas: se nossa literatura penetrava a conta-gotas no país dos sovietes, a nação de Vargas sofreu uma inigualada invasão das letras russas, como demonstra Bruno Barreto Gomide em Dostoievski na Rua do Ouvidor: a Literatura Russa e o Estado Novo.

O escritor russo Fiodor Dostoievski Foto: Wikimedia Commons

Professor livre-docente de literatura e cultura russa na USP, Gomide vem se especializando no estudo da recepção da literatura daquele país por aqui. Faturou o Prêmio Jabuti com Da Estepe à Caatinga: o Romance Russo no Brasil (1887-1936), em que mapeia o momento inicial da chegada dessa produção às nossas praias, e não surpreenderá se for novamente laureado pelo volume atual, que continua a pesquisa anterior com o mesmo rigor.

Em 2016, Maria Fernanda Rodrigues revelou, nas páginas do Estado, que, em meio ao trabalho de elaboração do livro, Gomide descobrira que ninguém menos que o cultuado intelectual vienense Otto Maria Carpeaux (1900-1978) havia plagiado, em 1942, nas páginas do Correio da Manhã, O Narrador, ensaios sobre o escritor Nikolai Leskov (1831-1895) de autoria de Walter Benjamin (1892-1940), pilar da Escola de Frankfurt.

Em Dostoievski na Rua do Ouvidor, Gomide reconhece os méritos de Carpeaux como ensaísta mas é implacável: “Não há dúvidas de que Carpeaux plagiou Benjamin”, crava.

Para além da demolição de uma “vaca sagrada” da vida intelectual brasileira do período, Gomide mapeia meticulosamente os dois períodos da “febre russa” que nos teria acometido na Era Vargas – um período em que referências à literatura russa apareciam cotidianamente na imprensa, em relatos policiais e na discussão de temas políticos, e em que sobrenomes de escritores poderiam batizar de jogadores de futebol (Tolstoi Torransy) a industriais (Eugenio Pouchkine). 

O primeiro, entre 1930 e 1935, foi interrompido pela Intentona Comunista, e a reação contra tudo que era russo que se seguiu ao fracasso da rebelião e à implantação do Estado Novo, em 1937. O segundo, em 1943 e 1945, corresponde ao afrouxamento da ditadura varguista e à entrada do Brasil na 2.ª Guerra, do mesmo lado da URSS. Os números configuram um verdadeiro tsunami, impressionante mesmo para o leitor brasileiro de hoje, que, especialmente a partir de 2000, se acostumou a ver livros russos sendo lançados em nosso país com regularidade, e obtendo destaque na mídia e nas estantes das livrarias.

“Nunca se publicou tanta literatura russa quanto entre 1943 e 1945. São nada menos do que 83 volumes de literatura russa”, contabiliza Gomide. A tradução indireta ainda era a regra, mas o período marca a estreia de um certo Boris Solomónov, que, nas décadas seguintes, abandonaria o pseudônimo para se tornar, com seu nome verdadeiro, o pai-fundador da russística brasileira moderna: Boris Schnaiderman (1917-2016).

O título do livro faz referência ao endereço em que se localizava a editora José Olympio, que coroou a “febre russa” com o lançamento de uma ambiciosa e ricamente ilustrada coleção de obras de Dostoievski – a primeira iniciativa do gênero dedicada a um escritor estrangeiro no Brasil.

Pois, então como agora, o autor de Crime e Castigo era não apenas o mais conhecido escritor russo por aqui, como a preferência por ele abarcava todos os campos do espectro político, funcionando como um raro denominador comum em uma era de polarização. O pesquisador ainda atravessa o Atlântico para mapear a recepção de nossa literatura na URSS do período, chegando a uma figura ainda não suficientemente estudada e conhecida mesmo pelos russos: David Vygódski (1893-1943), que se correspondia com autores latino-americanos como Jorge Amado e Octavio Paz, e incluiu o português entre os mais de vinte idiomas de que traduziu, até sua morte em no gulag stalinista.

Gomide mergulha na correspondência de Vygódski (primo do célebre psicólogo Lev Vygótski) e revela um esforço de inserção de literatura brasileira na Rússia que, embora muito inferior com relação à avalanche russa que avassalava nossas prateleiras, é ainda mais variado do que a oferta que se encontra hoje naquele país. A lista de autores traduzidos e divulgados por Vygódski na URSS inclui de Machado de Assis a Mário de Andrade, passando por Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros. Para os estudiosos da área, não há saída: Dostoiévski na Rua do Ouvidor é um livro incontornável. *Irineu Franco Perpetuo é tradutor e crítico 

Embora padecendo sob ditaduras isolacionistas, situadas nos extremos opostos do campo ideológico, Brasil e Rússia tiveram trocas literárias de uma intensidade inaudita durante o Estado Novo. Trocas tão intensas quanto assimétricas: se nossa literatura penetrava a conta-gotas no país dos sovietes, a nação de Vargas sofreu uma inigualada invasão das letras russas, como demonstra Bruno Barreto Gomide em Dostoievski na Rua do Ouvidor: a Literatura Russa e o Estado Novo.

O escritor russo Fiodor Dostoievski Foto: Wikimedia Commons

Professor livre-docente de literatura e cultura russa na USP, Gomide vem se especializando no estudo da recepção da literatura daquele país por aqui. Faturou o Prêmio Jabuti com Da Estepe à Caatinga: o Romance Russo no Brasil (1887-1936), em que mapeia o momento inicial da chegada dessa produção às nossas praias, e não surpreenderá se for novamente laureado pelo volume atual, que continua a pesquisa anterior com o mesmo rigor.

Em 2016, Maria Fernanda Rodrigues revelou, nas páginas do Estado, que, em meio ao trabalho de elaboração do livro, Gomide descobrira que ninguém menos que o cultuado intelectual vienense Otto Maria Carpeaux (1900-1978) havia plagiado, em 1942, nas páginas do Correio da Manhã, O Narrador, ensaios sobre o escritor Nikolai Leskov (1831-1895) de autoria de Walter Benjamin (1892-1940), pilar da Escola de Frankfurt.

Em Dostoievski na Rua do Ouvidor, Gomide reconhece os méritos de Carpeaux como ensaísta mas é implacável: “Não há dúvidas de que Carpeaux plagiou Benjamin”, crava.

Para além da demolição de uma “vaca sagrada” da vida intelectual brasileira do período, Gomide mapeia meticulosamente os dois períodos da “febre russa” que nos teria acometido na Era Vargas – um período em que referências à literatura russa apareciam cotidianamente na imprensa, em relatos policiais e na discussão de temas políticos, e em que sobrenomes de escritores poderiam batizar de jogadores de futebol (Tolstoi Torransy) a industriais (Eugenio Pouchkine). 

O primeiro, entre 1930 e 1935, foi interrompido pela Intentona Comunista, e a reação contra tudo que era russo que se seguiu ao fracasso da rebelião e à implantação do Estado Novo, em 1937. O segundo, em 1943 e 1945, corresponde ao afrouxamento da ditadura varguista e à entrada do Brasil na 2.ª Guerra, do mesmo lado da URSS. Os números configuram um verdadeiro tsunami, impressionante mesmo para o leitor brasileiro de hoje, que, especialmente a partir de 2000, se acostumou a ver livros russos sendo lançados em nosso país com regularidade, e obtendo destaque na mídia e nas estantes das livrarias.

“Nunca se publicou tanta literatura russa quanto entre 1943 e 1945. São nada menos do que 83 volumes de literatura russa”, contabiliza Gomide. A tradução indireta ainda era a regra, mas o período marca a estreia de um certo Boris Solomónov, que, nas décadas seguintes, abandonaria o pseudônimo para se tornar, com seu nome verdadeiro, o pai-fundador da russística brasileira moderna: Boris Schnaiderman (1917-2016).

O título do livro faz referência ao endereço em que se localizava a editora José Olympio, que coroou a “febre russa” com o lançamento de uma ambiciosa e ricamente ilustrada coleção de obras de Dostoievski – a primeira iniciativa do gênero dedicada a um escritor estrangeiro no Brasil.

Pois, então como agora, o autor de Crime e Castigo era não apenas o mais conhecido escritor russo por aqui, como a preferência por ele abarcava todos os campos do espectro político, funcionando como um raro denominador comum em uma era de polarização. O pesquisador ainda atravessa o Atlântico para mapear a recepção de nossa literatura na URSS do período, chegando a uma figura ainda não suficientemente estudada e conhecida mesmo pelos russos: David Vygódski (1893-1943), que se correspondia com autores latino-americanos como Jorge Amado e Octavio Paz, e incluiu o português entre os mais de vinte idiomas de que traduziu, até sua morte em no gulag stalinista.

Gomide mergulha na correspondência de Vygódski (primo do célebre psicólogo Lev Vygótski) e revela um esforço de inserção de literatura brasileira na Rússia que, embora muito inferior com relação à avalanche russa que avassalava nossas prateleiras, é ainda mais variado do que a oferta que se encontra hoje naquele país. A lista de autores traduzidos e divulgados por Vygódski na URSS inclui de Machado de Assis a Mário de Andrade, passando por Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros. Para os estudiosos da área, não há saída: Dostoiévski na Rua do Ouvidor é um livro incontornável. *Irineu Franco Perpetuo é tradutor e crítico 

Embora padecendo sob ditaduras isolacionistas, situadas nos extremos opostos do campo ideológico, Brasil e Rússia tiveram trocas literárias de uma intensidade inaudita durante o Estado Novo. Trocas tão intensas quanto assimétricas: se nossa literatura penetrava a conta-gotas no país dos sovietes, a nação de Vargas sofreu uma inigualada invasão das letras russas, como demonstra Bruno Barreto Gomide em Dostoievski na Rua do Ouvidor: a Literatura Russa e o Estado Novo.

O escritor russo Fiodor Dostoievski Foto: Wikimedia Commons

Professor livre-docente de literatura e cultura russa na USP, Gomide vem se especializando no estudo da recepção da literatura daquele país por aqui. Faturou o Prêmio Jabuti com Da Estepe à Caatinga: o Romance Russo no Brasil (1887-1936), em que mapeia o momento inicial da chegada dessa produção às nossas praias, e não surpreenderá se for novamente laureado pelo volume atual, que continua a pesquisa anterior com o mesmo rigor.

Em 2016, Maria Fernanda Rodrigues revelou, nas páginas do Estado, que, em meio ao trabalho de elaboração do livro, Gomide descobrira que ninguém menos que o cultuado intelectual vienense Otto Maria Carpeaux (1900-1978) havia plagiado, em 1942, nas páginas do Correio da Manhã, O Narrador, ensaios sobre o escritor Nikolai Leskov (1831-1895) de autoria de Walter Benjamin (1892-1940), pilar da Escola de Frankfurt.

Em Dostoievski na Rua do Ouvidor, Gomide reconhece os méritos de Carpeaux como ensaísta mas é implacável: “Não há dúvidas de que Carpeaux plagiou Benjamin”, crava.

Para além da demolição de uma “vaca sagrada” da vida intelectual brasileira do período, Gomide mapeia meticulosamente os dois períodos da “febre russa” que nos teria acometido na Era Vargas – um período em que referências à literatura russa apareciam cotidianamente na imprensa, em relatos policiais e na discussão de temas políticos, e em que sobrenomes de escritores poderiam batizar de jogadores de futebol (Tolstoi Torransy) a industriais (Eugenio Pouchkine). 

O primeiro, entre 1930 e 1935, foi interrompido pela Intentona Comunista, e a reação contra tudo que era russo que se seguiu ao fracasso da rebelião e à implantação do Estado Novo, em 1937. O segundo, em 1943 e 1945, corresponde ao afrouxamento da ditadura varguista e à entrada do Brasil na 2.ª Guerra, do mesmo lado da URSS. Os números configuram um verdadeiro tsunami, impressionante mesmo para o leitor brasileiro de hoje, que, especialmente a partir de 2000, se acostumou a ver livros russos sendo lançados em nosso país com regularidade, e obtendo destaque na mídia e nas estantes das livrarias.

“Nunca se publicou tanta literatura russa quanto entre 1943 e 1945. São nada menos do que 83 volumes de literatura russa”, contabiliza Gomide. A tradução indireta ainda era a regra, mas o período marca a estreia de um certo Boris Solomónov, que, nas décadas seguintes, abandonaria o pseudônimo para se tornar, com seu nome verdadeiro, o pai-fundador da russística brasileira moderna: Boris Schnaiderman (1917-2016).

O título do livro faz referência ao endereço em que se localizava a editora José Olympio, que coroou a “febre russa” com o lançamento de uma ambiciosa e ricamente ilustrada coleção de obras de Dostoievski – a primeira iniciativa do gênero dedicada a um escritor estrangeiro no Brasil.

Pois, então como agora, o autor de Crime e Castigo era não apenas o mais conhecido escritor russo por aqui, como a preferência por ele abarcava todos os campos do espectro político, funcionando como um raro denominador comum em uma era de polarização. O pesquisador ainda atravessa o Atlântico para mapear a recepção de nossa literatura na URSS do período, chegando a uma figura ainda não suficientemente estudada e conhecida mesmo pelos russos: David Vygódski (1893-1943), que se correspondia com autores latino-americanos como Jorge Amado e Octavio Paz, e incluiu o português entre os mais de vinte idiomas de que traduziu, até sua morte em no gulag stalinista.

Gomide mergulha na correspondência de Vygódski (primo do célebre psicólogo Lev Vygótski) e revela um esforço de inserção de literatura brasileira na Rússia que, embora muito inferior com relação à avalanche russa que avassalava nossas prateleiras, é ainda mais variado do que a oferta que se encontra hoje naquele país. A lista de autores traduzidos e divulgados por Vygódski na URSS inclui de Machado de Assis a Mário de Andrade, passando por Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros. Para os estudiosos da área, não há saída: Dostoiévski na Rua do Ouvidor é um livro incontornável. *Irineu Franco Perpetuo é tradutor e crítico 

Embora padecendo sob ditaduras isolacionistas, situadas nos extremos opostos do campo ideológico, Brasil e Rússia tiveram trocas literárias de uma intensidade inaudita durante o Estado Novo. Trocas tão intensas quanto assimétricas: se nossa literatura penetrava a conta-gotas no país dos sovietes, a nação de Vargas sofreu uma inigualada invasão das letras russas, como demonstra Bruno Barreto Gomide em Dostoievski na Rua do Ouvidor: a Literatura Russa e o Estado Novo.

O escritor russo Fiodor Dostoievski Foto: Wikimedia Commons

Professor livre-docente de literatura e cultura russa na USP, Gomide vem se especializando no estudo da recepção da literatura daquele país por aqui. Faturou o Prêmio Jabuti com Da Estepe à Caatinga: o Romance Russo no Brasil (1887-1936), em que mapeia o momento inicial da chegada dessa produção às nossas praias, e não surpreenderá se for novamente laureado pelo volume atual, que continua a pesquisa anterior com o mesmo rigor.

Em 2016, Maria Fernanda Rodrigues revelou, nas páginas do Estado, que, em meio ao trabalho de elaboração do livro, Gomide descobrira que ninguém menos que o cultuado intelectual vienense Otto Maria Carpeaux (1900-1978) havia plagiado, em 1942, nas páginas do Correio da Manhã, O Narrador, ensaios sobre o escritor Nikolai Leskov (1831-1895) de autoria de Walter Benjamin (1892-1940), pilar da Escola de Frankfurt.

Em Dostoievski na Rua do Ouvidor, Gomide reconhece os méritos de Carpeaux como ensaísta mas é implacável: “Não há dúvidas de que Carpeaux plagiou Benjamin”, crava.

Para além da demolição de uma “vaca sagrada” da vida intelectual brasileira do período, Gomide mapeia meticulosamente os dois períodos da “febre russa” que nos teria acometido na Era Vargas – um período em que referências à literatura russa apareciam cotidianamente na imprensa, em relatos policiais e na discussão de temas políticos, e em que sobrenomes de escritores poderiam batizar de jogadores de futebol (Tolstoi Torransy) a industriais (Eugenio Pouchkine). 

O primeiro, entre 1930 e 1935, foi interrompido pela Intentona Comunista, e a reação contra tudo que era russo que se seguiu ao fracasso da rebelião e à implantação do Estado Novo, em 1937. O segundo, em 1943 e 1945, corresponde ao afrouxamento da ditadura varguista e à entrada do Brasil na 2.ª Guerra, do mesmo lado da URSS. Os números configuram um verdadeiro tsunami, impressionante mesmo para o leitor brasileiro de hoje, que, especialmente a partir de 2000, se acostumou a ver livros russos sendo lançados em nosso país com regularidade, e obtendo destaque na mídia e nas estantes das livrarias.

“Nunca se publicou tanta literatura russa quanto entre 1943 e 1945. São nada menos do que 83 volumes de literatura russa”, contabiliza Gomide. A tradução indireta ainda era a regra, mas o período marca a estreia de um certo Boris Solomónov, que, nas décadas seguintes, abandonaria o pseudônimo para se tornar, com seu nome verdadeiro, o pai-fundador da russística brasileira moderna: Boris Schnaiderman (1917-2016).

O título do livro faz referência ao endereço em que se localizava a editora José Olympio, que coroou a “febre russa” com o lançamento de uma ambiciosa e ricamente ilustrada coleção de obras de Dostoievski – a primeira iniciativa do gênero dedicada a um escritor estrangeiro no Brasil.

Pois, então como agora, o autor de Crime e Castigo era não apenas o mais conhecido escritor russo por aqui, como a preferência por ele abarcava todos os campos do espectro político, funcionando como um raro denominador comum em uma era de polarização. O pesquisador ainda atravessa o Atlântico para mapear a recepção de nossa literatura na URSS do período, chegando a uma figura ainda não suficientemente estudada e conhecida mesmo pelos russos: David Vygódski (1893-1943), que se correspondia com autores latino-americanos como Jorge Amado e Octavio Paz, e incluiu o português entre os mais de vinte idiomas de que traduziu, até sua morte em no gulag stalinista.

Gomide mergulha na correspondência de Vygódski (primo do célebre psicólogo Lev Vygótski) e revela um esforço de inserção de literatura brasileira na Rússia que, embora muito inferior com relação à avalanche russa que avassalava nossas prateleiras, é ainda mais variado do que a oferta que se encontra hoje naquele país. A lista de autores traduzidos e divulgados por Vygódski na URSS inclui de Machado de Assis a Mário de Andrade, passando por Manuel Bandeira, Murilo Mendes e outros. Para os estudiosos da área, não há saída: Dostoiévski na Rua do Ouvidor é um livro incontornável. *Irineu Franco Perpetuo é tradutor e crítico 

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