Livro conta a história da psicanálise popular na Europa


Florent Gabarron-Garcia mostra a influência de Freud, Vera Schmidt e Wilhelm Reich

Por Eduardo Ribeiro
Atualização:

Florent Gabarron-Garcia, intelectual francês considerado um dos mais importantes psicanalistas contemporâneos, vem atiçando o debate clínico ao defender a psicanálise como ferramenta de crítica social. Professor da Universidade de Paris 8, membro da revista Chimères, fundada por Deleuze e Guattari, e tendo atuado na clínica La Borde com Marie Depussé e Jean Oury, entre as discussões que ele conseguiu reavivar está a concepção de que a teoria freudiana não é uma disciplina neutra. Mais que isso, recupera o contexto em que Freud expressa suas convicções políticas e revela como sua criação está intimamente costurada por questões ideológicas.

Muitas vezes ofuscada ou desprezada pelos historiadores do assunto, a psicanálise como alternativa de resistência à repressão social e facilitadora das emancipações individual e coletiva é objeto de análise em Uma História da Psicanálise Popular, obra de Gabarron-Garcia que a Editora Ubu disponibiliza em português. Destaca-se, no lançamento, a qualidade em desconstruir os paradoxos, contradições e conflitos acerca do tema ao longo do tempo.

Freud em 1929  Foto: Library of USA Congress/Reuters
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O autor parte do princípio de que estamos diante de uma das ideias mais influentes do século 20, responsável por impactar diversas áreas, como a literatura, a arte e a cultura pop mundial. Para fugir ao academicismo e disseminar esta compreensão, Gabarron-Garcia ilustra suas análises com exemplos concretos e casos clínicos. Além disso, apresenta as diferentes correntes da disciplina com justiça, sem favorecimentos.

E faz isso enquanto nos agracia com uma leitura fluida, beneficiada pela ótima da tradução de Célia Euvaldo, ao introduzir a associação política a favor das classes trabalhadoras propostas não só por Freud, mas por outros nomes importantes, como Vera Schmidt, Wilhelm Reich, Marie Langer e François Tosquelles, chegando à “nova escola” da psicanálise alemã com o Coletivo Socialista de Pacientes (SPK) em Heidelberg, nos anos 1970 – que trouxe uma abordagem mais engajada com a luta pelos direitos civis. Em substrato, o volume repensa a psicanálise em seus aspectos mais polêmicos e provoca ao refletir sobre o papel da teoria psicanalítica nos novos tempos.

O texto evidencia a todo momento uma visão impiedosa e plural da história da psicanálise, justapondo avanços e entraves. Salta à percepção uma latente inquietude pessoal para resgatar o potencial transformador da teoria. Em relação ao espectro político, o francês grifa a importância de observar as experiências em suas particularidades históricas, como a Rússia bolchevique ou a Alemanha nazista, para esmiuçar melhor a interação da disciplina com as estruturas de poder e controle.

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‘Uma História da Psicanálise Popular’ sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência

Uma História da Psicanálise Popular sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência – algo condicionado à forma de aplicação e interpretação. Até aí, não é segredo que, desde sua criação, ela tem sido instrumentalizada para justificar ordens sociais estabelecidas, mas também para subvertê-las. Freud, inclusive, chegou a atacar ele mesmo o “psicanalismo”, fundamentando o uso da psicanálise enquanto prática revolucionária na Rússia, na Argentina peronista ou na Espanha durante a Guerra Civil; por outro lado, na Alemanha, ela foi perseguida pelo regime hitlerista e muitos psicanalistas tiveram que fugir.

Certa passagem observa que em O Futuro de uma Ilusão (1927) Freud sai em favor de uma educação em que a pressão social seja diluída e ceda espaço a uma perspectiva concreta e racional, estimulando “o amor entre os homens” e “a limitação do sofrimento”. No mesmo livro, endossa a revolta das massas contra o classicismo e denuncia a condição subjugada das mulheres. Encontra gancho aí o foco da crítica de Gabarron-Garcia ao “psicanalismo”, já que a disciplina surgiu em meio a uma efervescência de angústias socioeconômicas que levaram seu criador à tentativa de prestar auxílio às pessoas, libertando-as dos condicionamentos que as mantinham doentes e, consequentemente, acorrentadas.

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A psicanálise, emoldurada em um profissionalismo burocrático, destituída de sua humanidade, surge portanto como fio condutor da edição. Com o desenrolar das décadas, para Gabarron-Garcia, ela perdeu sua conexão com a essência, e a terapia individual pode acabar servindo aos interesses autoritários na medida em que incentiva a adaptação a um sistema cômodo de vida. Ele condena, em paralelo, a concentração excessiva no indivíduo e em seus conflitos pessoais sem levar em conta as relações de submissão presentes nas múltiplas dimensões de uma estrutura de sobrevivência em que as cartas do jogo não são as mesmas para todos. Apesar disso, segundo o autor, ainda é possível encontrar nela uma frutífera via de acesso à busca do bem estar social e contra os retrocessos que nos cercam. Mas, para tanto, é necessário libertá-la, em primeiro lugar.

Uma História da Psicanálise Popular

Florent Gabarron-Garcia

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UBU Editora

224 págs. R$ 69,90

Florent Gabarron-Garcia, intelectual francês considerado um dos mais importantes psicanalistas contemporâneos, vem atiçando o debate clínico ao defender a psicanálise como ferramenta de crítica social. Professor da Universidade de Paris 8, membro da revista Chimères, fundada por Deleuze e Guattari, e tendo atuado na clínica La Borde com Marie Depussé e Jean Oury, entre as discussões que ele conseguiu reavivar está a concepção de que a teoria freudiana não é uma disciplina neutra. Mais que isso, recupera o contexto em que Freud expressa suas convicções políticas e revela como sua criação está intimamente costurada por questões ideológicas.

Muitas vezes ofuscada ou desprezada pelos historiadores do assunto, a psicanálise como alternativa de resistência à repressão social e facilitadora das emancipações individual e coletiva é objeto de análise em Uma História da Psicanálise Popular, obra de Gabarron-Garcia que a Editora Ubu disponibiliza em português. Destaca-se, no lançamento, a qualidade em desconstruir os paradoxos, contradições e conflitos acerca do tema ao longo do tempo.

Freud em 1929  Foto: Library of USA Congress/Reuters

O autor parte do princípio de que estamos diante de uma das ideias mais influentes do século 20, responsável por impactar diversas áreas, como a literatura, a arte e a cultura pop mundial. Para fugir ao academicismo e disseminar esta compreensão, Gabarron-Garcia ilustra suas análises com exemplos concretos e casos clínicos. Além disso, apresenta as diferentes correntes da disciplina com justiça, sem favorecimentos.

E faz isso enquanto nos agracia com uma leitura fluida, beneficiada pela ótima da tradução de Célia Euvaldo, ao introduzir a associação política a favor das classes trabalhadoras propostas não só por Freud, mas por outros nomes importantes, como Vera Schmidt, Wilhelm Reich, Marie Langer e François Tosquelles, chegando à “nova escola” da psicanálise alemã com o Coletivo Socialista de Pacientes (SPK) em Heidelberg, nos anos 1970 – que trouxe uma abordagem mais engajada com a luta pelos direitos civis. Em substrato, o volume repensa a psicanálise em seus aspectos mais polêmicos e provoca ao refletir sobre o papel da teoria psicanalítica nos novos tempos.

O texto evidencia a todo momento uma visão impiedosa e plural da história da psicanálise, justapondo avanços e entraves. Salta à percepção uma latente inquietude pessoal para resgatar o potencial transformador da teoria. Em relação ao espectro político, o francês grifa a importância de observar as experiências em suas particularidades históricas, como a Rússia bolchevique ou a Alemanha nazista, para esmiuçar melhor a interação da disciplina com as estruturas de poder e controle.

‘Uma História da Psicanálise Popular’ sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência

Uma História da Psicanálise Popular sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência – algo condicionado à forma de aplicação e interpretação. Até aí, não é segredo que, desde sua criação, ela tem sido instrumentalizada para justificar ordens sociais estabelecidas, mas também para subvertê-las. Freud, inclusive, chegou a atacar ele mesmo o “psicanalismo”, fundamentando o uso da psicanálise enquanto prática revolucionária na Rússia, na Argentina peronista ou na Espanha durante a Guerra Civil; por outro lado, na Alemanha, ela foi perseguida pelo regime hitlerista e muitos psicanalistas tiveram que fugir.

Certa passagem observa que em O Futuro de uma Ilusão (1927) Freud sai em favor de uma educação em que a pressão social seja diluída e ceda espaço a uma perspectiva concreta e racional, estimulando “o amor entre os homens” e “a limitação do sofrimento”. No mesmo livro, endossa a revolta das massas contra o classicismo e denuncia a condição subjugada das mulheres. Encontra gancho aí o foco da crítica de Gabarron-Garcia ao “psicanalismo”, já que a disciplina surgiu em meio a uma efervescência de angústias socioeconômicas que levaram seu criador à tentativa de prestar auxílio às pessoas, libertando-as dos condicionamentos que as mantinham doentes e, consequentemente, acorrentadas.

A psicanálise, emoldurada em um profissionalismo burocrático, destituída de sua humanidade, surge portanto como fio condutor da edição. Com o desenrolar das décadas, para Gabarron-Garcia, ela perdeu sua conexão com a essência, e a terapia individual pode acabar servindo aos interesses autoritários na medida em que incentiva a adaptação a um sistema cômodo de vida. Ele condena, em paralelo, a concentração excessiva no indivíduo e em seus conflitos pessoais sem levar em conta as relações de submissão presentes nas múltiplas dimensões de uma estrutura de sobrevivência em que as cartas do jogo não são as mesmas para todos. Apesar disso, segundo o autor, ainda é possível encontrar nela uma frutífera via de acesso à busca do bem estar social e contra os retrocessos que nos cercam. Mas, para tanto, é necessário libertá-la, em primeiro lugar.

Uma História da Psicanálise Popular

Florent Gabarron-Garcia

UBU Editora

224 págs. R$ 69,90

Florent Gabarron-Garcia, intelectual francês considerado um dos mais importantes psicanalistas contemporâneos, vem atiçando o debate clínico ao defender a psicanálise como ferramenta de crítica social. Professor da Universidade de Paris 8, membro da revista Chimères, fundada por Deleuze e Guattari, e tendo atuado na clínica La Borde com Marie Depussé e Jean Oury, entre as discussões que ele conseguiu reavivar está a concepção de que a teoria freudiana não é uma disciplina neutra. Mais que isso, recupera o contexto em que Freud expressa suas convicções políticas e revela como sua criação está intimamente costurada por questões ideológicas.

Muitas vezes ofuscada ou desprezada pelos historiadores do assunto, a psicanálise como alternativa de resistência à repressão social e facilitadora das emancipações individual e coletiva é objeto de análise em Uma História da Psicanálise Popular, obra de Gabarron-Garcia que a Editora Ubu disponibiliza em português. Destaca-se, no lançamento, a qualidade em desconstruir os paradoxos, contradições e conflitos acerca do tema ao longo do tempo.

Freud em 1929  Foto: Library of USA Congress/Reuters

O autor parte do princípio de que estamos diante de uma das ideias mais influentes do século 20, responsável por impactar diversas áreas, como a literatura, a arte e a cultura pop mundial. Para fugir ao academicismo e disseminar esta compreensão, Gabarron-Garcia ilustra suas análises com exemplos concretos e casos clínicos. Além disso, apresenta as diferentes correntes da disciplina com justiça, sem favorecimentos.

E faz isso enquanto nos agracia com uma leitura fluida, beneficiada pela ótima da tradução de Célia Euvaldo, ao introduzir a associação política a favor das classes trabalhadoras propostas não só por Freud, mas por outros nomes importantes, como Vera Schmidt, Wilhelm Reich, Marie Langer e François Tosquelles, chegando à “nova escola” da psicanálise alemã com o Coletivo Socialista de Pacientes (SPK) em Heidelberg, nos anos 1970 – que trouxe uma abordagem mais engajada com a luta pelos direitos civis. Em substrato, o volume repensa a psicanálise em seus aspectos mais polêmicos e provoca ao refletir sobre o papel da teoria psicanalítica nos novos tempos.

O texto evidencia a todo momento uma visão impiedosa e plural da história da psicanálise, justapondo avanços e entraves. Salta à percepção uma latente inquietude pessoal para resgatar o potencial transformador da teoria. Em relação ao espectro político, o francês grifa a importância de observar as experiências em suas particularidades históricas, como a Rússia bolchevique ou a Alemanha nazista, para esmiuçar melhor a interação da disciplina com as estruturas de poder e controle.

‘Uma História da Psicanálise Popular’ sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência

Uma História da Psicanálise Popular sustenta como a psicanálise pode servir tanto para a opressão e o totalitarismo como para a garantia da liberdade e resistência – algo condicionado à forma de aplicação e interpretação. Até aí, não é segredo que, desde sua criação, ela tem sido instrumentalizada para justificar ordens sociais estabelecidas, mas também para subvertê-las. Freud, inclusive, chegou a atacar ele mesmo o “psicanalismo”, fundamentando o uso da psicanálise enquanto prática revolucionária na Rússia, na Argentina peronista ou na Espanha durante a Guerra Civil; por outro lado, na Alemanha, ela foi perseguida pelo regime hitlerista e muitos psicanalistas tiveram que fugir.

Certa passagem observa que em O Futuro de uma Ilusão (1927) Freud sai em favor de uma educação em que a pressão social seja diluída e ceda espaço a uma perspectiva concreta e racional, estimulando “o amor entre os homens” e “a limitação do sofrimento”. No mesmo livro, endossa a revolta das massas contra o classicismo e denuncia a condição subjugada das mulheres. Encontra gancho aí o foco da crítica de Gabarron-Garcia ao “psicanalismo”, já que a disciplina surgiu em meio a uma efervescência de angústias socioeconômicas que levaram seu criador à tentativa de prestar auxílio às pessoas, libertando-as dos condicionamentos que as mantinham doentes e, consequentemente, acorrentadas.

A psicanálise, emoldurada em um profissionalismo burocrático, destituída de sua humanidade, surge portanto como fio condutor da edição. Com o desenrolar das décadas, para Gabarron-Garcia, ela perdeu sua conexão com a essência, e a terapia individual pode acabar servindo aos interesses autoritários na medida em que incentiva a adaptação a um sistema cômodo de vida. Ele condena, em paralelo, a concentração excessiva no indivíduo e em seus conflitos pessoais sem levar em conta as relações de submissão presentes nas múltiplas dimensões de uma estrutura de sobrevivência em que as cartas do jogo não são as mesmas para todos. Apesar disso, segundo o autor, ainda é possível encontrar nela uma frutífera via de acesso à busca do bem estar social e contra os retrocessos que nos cercam. Mas, para tanto, é necessário libertá-la, em primeiro lugar.

Uma História da Psicanálise Popular

Florent Gabarron-Garcia

UBU Editora

224 págs. R$ 69,90

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