Livro de 1933 faz viagem surpreendente pelas artes da Rússia


‘O Arqueiro de Olho-e-Meio’, sobre a cena futurista, é traduzido pela primeira vez no Brasil

Por Aurora Bernardini

Esse lendário arqueiro da antiga Cítia que tem um olho ao Oriente e meio olho ao Ocidente é bem o retrato da Rússia da Belle Époque, no relato cativante que Benedikt Lívchits (1887-1938), vítima dos expurgos stalinistas, faz de 1911 a 1914, os últimos quatro anos que a separavam dos eventos sangrentos da 1ª Guerra. Pintor e poeta, além de prestes a se formar em Direito, culto e inteligente, tinha, aos 25 anos, relações muito vivas com pintores e poetas franceses, além dos russos. Ele e seus amigos praticavam quase todos a pintura e alguns deles haveriam de tornar-se artistas plásticos renomados como Matiúchin, Tátlin, Malévitch, Guró, Rozánova, Filónov, e outros, poetas reconhecidos como Maiakóvski, Khlébnikov, Krutchônykh, Nikolai e David Burliúk e o próprio Lívchits.

Composição suprematista (1916) feitapelo artista russo Kazimir Malevitch Foto: Kazimir Malevitch

O Arqueiro de Olho-e-Meio se desenrola como etapas de uma viagem surpreendente pela Rússia de então, em que os leitores são chamados a participar das descobertas em ambas as modalidades artísticas (e acrescente-se também a música, com Arthur Lourié e Nikolai Kulbin, que, além de médico e artista plástico, ainda era compositor), viagem essa que começa com a volta a São Petersburgo de Aleksandra Ekster, uma pintora russa de família muito rica, que trazia ao seu círculo de amigos as novidades de Paris, aonde costumava ir regularmente. Dessa vez tinha trazido uma série de fotografias dos mais famosos quadros cubistas de Picasso. “Vão levantar mil ecos!” entusiasmou-se David, o mais velho e o mais viajado dos irmãos Burliúk, que se tornará o organizador mais incansável do novo movimento que irá surgir na Rússia: o futurismo russo. Embora nas artes plásticas russas tenham sido inovadores o suprematismo (Malévitch), o raionismo (Lariônov e Gontcharova), o construtivismo (El Lissitski), entre outros movimentos associados ao cubismo, foi na literatura russa que o novo movimento se tornará revolucionário, e passará a chamar-se “cubofuturismo”. No dizer de Krystyna Pomorska Jakobson em seu excelente livro Formalismo e Futurismo, “o cubofurismo foi a transformação mais surpreendente do cubismo da pintura em literatura”. Mas isso se deu por caminhos outros que não os da cópia ou mesmo da influência.  Conforme dizia Boris Schnaiderman, costuma acontecer, numa mesma época, de surgirem portadores de ideias semelhantes que não se conhecem entre si, em lugares diferentes. Enquanto Picasso pintava seus quadros cubistas, a partir de 1907, e Marinetti publicava no Figaro seu Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), numa remota região da Rússia Asiática, o Tartaristão, a mil quilômetros de Moscou, Viktor (Velímir) Khlébnikov já compunha seus poemas zaum (transmentais). O que eles tinham de tão característico e, ao mesmo tempo, de tão semelhante ao cubismo? A imagem deslocada, a apreensão difícil, o método analítico, a importância das relações entre as coisas, o princípio da dinamicidade e da compressão, o sincretismo, a simultaneidade, a metonímia e – no que se refere à língua russa trabalhada por Khlébnikov, a declinação interna das palavras e os significados distantes das palavras-parentes. (Exemplos de análises admiráveis de seus poemas podem ser encontrados no livro de Pomorska, e outras traduções de seus poemas podem ser lidas, além das citadas por Lívshits, em Poesia Russa Moderna, organizada pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman). Descoberto por David Burliúk, que reunira alguns desses poemas e o convidara, junto com outros amigos, à herdade do conde Mordvinov (que seu pai geria na Criméia – a antiga Táuride – que, pelas incríveis belezas naturais e pelas ruínas da antiguidade que ali se encontravam esparsas lembrava episódios descritos por Hesíodo e Homero, em suas obras), foi ali que Lívshits conheceu Velímir Khlébnikov. Essa região, fonte de inspiração e encantamento, que passou a ser chamada “Hileia” pelos futuros cubofuturistas, tornou-se o centro irradiador da nova tendência e o mestre de todos eles – conforme proclamou mais tarde o recém-chegado ao movimento, Maiakóvski –, Velímir Khlébnikov, tornou-se, num certo sentido, o herói do livro de Lívshits. Entre os muitos retratos imperdíveis dessa época, que não teriam sobrevivido não fosse por Lívshits, está a visita que Marinetti fez em 1914 a Moscou e a São Petersburgo, e a curiosa polêmica que se seguiu com os futuristas russos que, com certeza, há de divertir os leitores. 

Esse lendário arqueiro da antiga Cítia que tem um olho ao Oriente e meio olho ao Ocidente é bem o retrato da Rússia da Belle Époque, no relato cativante que Benedikt Lívchits (1887-1938), vítima dos expurgos stalinistas, faz de 1911 a 1914, os últimos quatro anos que a separavam dos eventos sangrentos da 1ª Guerra. Pintor e poeta, além de prestes a se formar em Direito, culto e inteligente, tinha, aos 25 anos, relações muito vivas com pintores e poetas franceses, além dos russos. Ele e seus amigos praticavam quase todos a pintura e alguns deles haveriam de tornar-se artistas plásticos renomados como Matiúchin, Tátlin, Malévitch, Guró, Rozánova, Filónov, e outros, poetas reconhecidos como Maiakóvski, Khlébnikov, Krutchônykh, Nikolai e David Burliúk e o próprio Lívchits.

Composição suprematista (1916) feitapelo artista russo Kazimir Malevitch Foto: Kazimir Malevitch

O Arqueiro de Olho-e-Meio se desenrola como etapas de uma viagem surpreendente pela Rússia de então, em que os leitores são chamados a participar das descobertas em ambas as modalidades artísticas (e acrescente-se também a música, com Arthur Lourié e Nikolai Kulbin, que, além de médico e artista plástico, ainda era compositor), viagem essa que começa com a volta a São Petersburgo de Aleksandra Ekster, uma pintora russa de família muito rica, que trazia ao seu círculo de amigos as novidades de Paris, aonde costumava ir regularmente. Dessa vez tinha trazido uma série de fotografias dos mais famosos quadros cubistas de Picasso. “Vão levantar mil ecos!” entusiasmou-se David, o mais velho e o mais viajado dos irmãos Burliúk, que se tornará o organizador mais incansável do novo movimento que irá surgir na Rússia: o futurismo russo. Embora nas artes plásticas russas tenham sido inovadores o suprematismo (Malévitch), o raionismo (Lariônov e Gontcharova), o construtivismo (El Lissitski), entre outros movimentos associados ao cubismo, foi na literatura russa que o novo movimento se tornará revolucionário, e passará a chamar-se “cubofuturismo”. No dizer de Krystyna Pomorska Jakobson em seu excelente livro Formalismo e Futurismo, “o cubofurismo foi a transformação mais surpreendente do cubismo da pintura em literatura”. Mas isso se deu por caminhos outros que não os da cópia ou mesmo da influência.  Conforme dizia Boris Schnaiderman, costuma acontecer, numa mesma época, de surgirem portadores de ideias semelhantes que não se conhecem entre si, em lugares diferentes. Enquanto Picasso pintava seus quadros cubistas, a partir de 1907, e Marinetti publicava no Figaro seu Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), numa remota região da Rússia Asiática, o Tartaristão, a mil quilômetros de Moscou, Viktor (Velímir) Khlébnikov já compunha seus poemas zaum (transmentais). O que eles tinham de tão característico e, ao mesmo tempo, de tão semelhante ao cubismo? A imagem deslocada, a apreensão difícil, o método analítico, a importância das relações entre as coisas, o princípio da dinamicidade e da compressão, o sincretismo, a simultaneidade, a metonímia e – no que se refere à língua russa trabalhada por Khlébnikov, a declinação interna das palavras e os significados distantes das palavras-parentes. (Exemplos de análises admiráveis de seus poemas podem ser encontrados no livro de Pomorska, e outras traduções de seus poemas podem ser lidas, além das citadas por Lívshits, em Poesia Russa Moderna, organizada pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman). Descoberto por David Burliúk, que reunira alguns desses poemas e o convidara, junto com outros amigos, à herdade do conde Mordvinov (que seu pai geria na Criméia – a antiga Táuride – que, pelas incríveis belezas naturais e pelas ruínas da antiguidade que ali se encontravam esparsas lembrava episódios descritos por Hesíodo e Homero, em suas obras), foi ali que Lívshits conheceu Velímir Khlébnikov. Essa região, fonte de inspiração e encantamento, que passou a ser chamada “Hileia” pelos futuros cubofuturistas, tornou-se o centro irradiador da nova tendência e o mestre de todos eles – conforme proclamou mais tarde o recém-chegado ao movimento, Maiakóvski –, Velímir Khlébnikov, tornou-se, num certo sentido, o herói do livro de Lívshits. Entre os muitos retratos imperdíveis dessa época, que não teriam sobrevivido não fosse por Lívshits, está a visita que Marinetti fez em 1914 a Moscou e a São Petersburgo, e a curiosa polêmica que se seguiu com os futuristas russos que, com certeza, há de divertir os leitores. 

Esse lendário arqueiro da antiga Cítia que tem um olho ao Oriente e meio olho ao Ocidente é bem o retrato da Rússia da Belle Époque, no relato cativante que Benedikt Lívchits (1887-1938), vítima dos expurgos stalinistas, faz de 1911 a 1914, os últimos quatro anos que a separavam dos eventos sangrentos da 1ª Guerra. Pintor e poeta, além de prestes a se formar em Direito, culto e inteligente, tinha, aos 25 anos, relações muito vivas com pintores e poetas franceses, além dos russos. Ele e seus amigos praticavam quase todos a pintura e alguns deles haveriam de tornar-se artistas plásticos renomados como Matiúchin, Tátlin, Malévitch, Guró, Rozánova, Filónov, e outros, poetas reconhecidos como Maiakóvski, Khlébnikov, Krutchônykh, Nikolai e David Burliúk e o próprio Lívchits.

Composição suprematista (1916) feitapelo artista russo Kazimir Malevitch Foto: Kazimir Malevitch

O Arqueiro de Olho-e-Meio se desenrola como etapas de uma viagem surpreendente pela Rússia de então, em que os leitores são chamados a participar das descobertas em ambas as modalidades artísticas (e acrescente-se também a música, com Arthur Lourié e Nikolai Kulbin, que, além de médico e artista plástico, ainda era compositor), viagem essa que começa com a volta a São Petersburgo de Aleksandra Ekster, uma pintora russa de família muito rica, que trazia ao seu círculo de amigos as novidades de Paris, aonde costumava ir regularmente. Dessa vez tinha trazido uma série de fotografias dos mais famosos quadros cubistas de Picasso. “Vão levantar mil ecos!” entusiasmou-se David, o mais velho e o mais viajado dos irmãos Burliúk, que se tornará o organizador mais incansável do novo movimento que irá surgir na Rússia: o futurismo russo. Embora nas artes plásticas russas tenham sido inovadores o suprematismo (Malévitch), o raionismo (Lariônov e Gontcharova), o construtivismo (El Lissitski), entre outros movimentos associados ao cubismo, foi na literatura russa que o novo movimento se tornará revolucionário, e passará a chamar-se “cubofuturismo”. No dizer de Krystyna Pomorska Jakobson em seu excelente livro Formalismo e Futurismo, “o cubofurismo foi a transformação mais surpreendente do cubismo da pintura em literatura”. Mas isso se deu por caminhos outros que não os da cópia ou mesmo da influência.  Conforme dizia Boris Schnaiderman, costuma acontecer, numa mesma época, de surgirem portadores de ideias semelhantes que não se conhecem entre si, em lugares diferentes. Enquanto Picasso pintava seus quadros cubistas, a partir de 1907, e Marinetti publicava no Figaro seu Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), numa remota região da Rússia Asiática, o Tartaristão, a mil quilômetros de Moscou, Viktor (Velímir) Khlébnikov já compunha seus poemas zaum (transmentais). O que eles tinham de tão característico e, ao mesmo tempo, de tão semelhante ao cubismo? A imagem deslocada, a apreensão difícil, o método analítico, a importância das relações entre as coisas, o princípio da dinamicidade e da compressão, o sincretismo, a simultaneidade, a metonímia e – no que se refere à língua russa trabalhada por Khlébnikov, a declinação interna das palavras e os significados distantes das palavras-parentes. (Exemplos de análises admiráveis de seus poemas podem ser encontrados no livro de Pomorska, e outras traduções de seus poemas podem ser lidas, além das citadas por Lívshits, em Poesia Russa Moderna, organizada pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman). Descoberto por David Burliúk, que reunira alguns desses poemas e o convidara, junto com outros amigos, à herdade do conde Mordvinov (que seu pai geria na Criméia – a antiga Táuride – que, pelas incríveis belezas naturais e pelas ruínas da antiguidade que ali se encontravam esparsas lembrava episódios descritos por Hesíodo e Homero, em suas obras), foi ali que Lívshits conheceu Velímir Khlébnikov. Essa região, fonte de inspiração e encantamento, que passou a ser chamada “Hileia” pelos futuros cubofuturistas, tornou-se o centro irradiador da nova tendência e o mestre de todos eles – conforme proclamou mais tarde o recém-chegado ao movimento, Maiakóvski –, Velímir Khlébnikov, tornou-se, num certo sentido, o herói do livro de Lívshits. Entre os muitos retratos imperdíveis dessa época, que não teriam sobrevivido não fosse por Lívshits, está a visita que Marinetti fez em 1914 a Moscou e a São Petersburgo, e a curiosa polêmica que se seguiu com os futuristas russos que, com certeza, há de divertir os leitores. 

Esse lendário arqueiro da antiga Cítia que tem um olho ao Oriente e meio olho ao Ocidente é bem o retrato da Rússia da Belle Époque, no relato cativante que Benedikt Lívchits (1887-1938), vítima dos expurgos stalinistas, faz de 1911 a 1914, os últimos quatro anos que a separavam dos eventos sangrentos da 1ª Guerra. Pintor e poeta, além de prestes a se formar em Direito, culto e inteligente, tinha, aos 25 anos, relações muito vivas com pintores e poetas franceses, além dos russos. Ele e seus amigos praticavam quase todos a pintura e alguns deles haveriam de tornar-se artistas plásticos renomados como Matiúchin, Tátlin, Malévitch, Guró, Rozánova, Filónov, e outros, poetas reconhecidos como Maiakóvski, Khlébnikov, Krutchônykh, Nikolai e David Burliúk e o próprio Lívchits.

Composição suprematista (1916) feitapelo artista russo Kazimir Malevitch Foto: Kazimir Malevitch

O Arqueiro de Olho-e-Meio se desenrola como etapas de uma viagem surpreendente pela Rússia de então, em que os leitores são chamados a participar das descobertas em ambas as modalidades artísticas (e acrescente-se também a música, com Arthur Lourié e Nikolai Kulbin, que, além de médico e artista plástico, ainda era compositor), viagem essa que começa com a volta a São Petersburgo de Aleksandra Ekster, uma pintora russa de família muito rica, que trazia ao seu círculo de amigos as novidades de Paris, aonde costumava ir regularmente. Dessa vez tinha trazido uma série de fotografias dos mais famosos quadros cubistas de Picasso. “Vão levantar mil ecos!” entusiasmou-se David, o mais velho e o mais viajado dos irmãos Burliúk, que se tornará o organizador mais incansável do novo movimento que irá surgir na Rússia: o futurismo russo. Embora nas artes plásticas russas tenham sido inovadores o suprematismo (Malévitch), o raionismo (Lariônov e Gontcharova), o construtivismo (El Lissitski), entre outros movimentos associados ao cubismo, foi na literatura russa que o novo movimento se tornará revolucionário, e passará a chamar-se “cubofuturismo”. No dizer de Krystyna Pomorska Jakobson em seu excelente livro Formalismo e Futurismo, “o cubofurismo foi a transformação mais surpreendente do cubismo da pintura em literatura”. Mas isso se deu por caminhos outros que não os da cópia ou mesmo da influência.  Conforme dizia Boris Schnaiderman, costuma acontecer, numa mesma época, de surgirem portadores de ideias semelhantes que não se conhecem entre si, em lugares diferentes. Enquanto Picasso pintava seus quadros cubistas, a partir de 1907, e Marinetti publicava no Figaro seu Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), numa remota região da Rússia Asiática, o Tartaristão, a mil quilômetros de Moscou, Viktor (Velímir) Khlébnikov já compunha seus poemas zaum (transmentais). O que eles tinham de tão característico e, ao mesmo tempo, de tão semelhante ao cubismo? A imagem deslocada, a apreensão difícil, o método analítico, a importância das relações entre as coisas, o princípio da dinamicidade e da compressão, o sincretismo, a simultaneidade, a metonímia e – no que se refere à língua russa trabalhada por Khlébnikov, a declinação interna das palavras e os significados distantes das palavras-parentes. (Exemplos de análises admiráveis de seus poemas podem ser encontrados no livro de Pomorska, e outras traduções de seus poemas podem ser lidas, além das citadas por Lívshits, em Poesia Russa Moderna, organizada pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman). Descoberto por David Burliúk, que reunira alguns desses poemas e o convidara, junto com outros amigos, à herdade do conde Mordvinov (que seu pai geria na Criméia – a antiga Táuride – que, pelas incríveis belezas naturais e pelas ruínas da antiguidade que ali se encontravam esparsas lembrava episódios descritos por Hesíodo e Homero, em suas obras), foi ali que Lívshits conheceu Velímir Khlébnikov. Essa região, fonte de inspiração e encantamento, que passou a ser chamada “Hileia” pelos futuros cubofuturistas, tornou-se o centro irradiador da nova tendência e o mestre de todos eles – conforme proclamou mais tarde o recém-chegado ao movimento, Maiakóvski –, Velímir Khlébnikov, tornou-se, num certo sentido, o herói do livro de Lívshits. Entre os muitos retratos imperdíveis dessa época, que não teriam sobrevivido não fosse por Lívshits, está a visita que Marinetti fez em 1914 a Moscou e a São Petersburgo, e a curiosa polêmica que se seguiu com os futuristas russos que, com certeza, há de divertir os leitores. 

Esse lendário arqueiro da antiga Cítia que tem um olho ao Oriente e meio olho ao Ocidente é bem o retrato da Rússia da Belle Époque, no relato cativante que Benedikt Lívchits (1887-1938), vítima dos expurgos stalinistas, faz de 1911 a 1914, os últimos quatro anos que a separavam dos eventos sangrentos da 1ª Guerra. Pintor e poeta, além de prestes a se formar em Direito, culto e inteligente, tinha, aos 25 anos, relações muito vivas com pintores e poetas franceses, além dos russos. Ele e seus amigos praticavam quase todos a pintura e alguns deles haveriam de tornar-se artistas plásticos renomados como Matiúchin, Tátlin, Malévitch, Guró, Rozánova, Filónov, e outros, poetas reconhecidos como Maiakóvski, Khlébnikov, Krutchônykh, Nikolai e David Burliúk e o próprio Lívchits.

Composição suprematista (1916) feitapelo artista russo Kazimir Malevitch Foto: Kazimir Malevitch

O Arqueiro de Olho-e-Meio se desenrola como etapas de uma viagem surpreendente pela Rússia de então, em que os leitores são chamados a participar das descobertas em ambas as modalidades artísticas (e acrescente-se também a música, com Arthur Lourié e Nikolai Kulbin, que, além de médico e artista plástico, ainda era compositor), viagem essa que começa com a volta a São Petersburgo de Aleksandra Ekster, uma pintora russa de família muito rica, que trazia ao seu círculo de amigos as novidades de Paris, aonde costumava ir regularmente. Dessa vez tinha trazido uma série de fotografias dos mais famosos quadros cubistas de Picasso. “Vão levantar mil ecos!” entusiasmou-se David, o mais velho e o mais viajado dos irmãos Burliúk, que se tornará o organizador mais incansável do novo movimento que irá surgir na Rússia: o futurismo russo. Embora nas artes plásticas russas tenham sido inovadores o suprematismo (Malévitch), o raionismo (Lariônov e Gontcharova), o construtivismo (El Lissitski), entre outros movimentos associados ao cubismo, foi na literatura russa que o novo movimento se tornará revolucionário, e passará a chamar-se “cubofuturismo”. No dizer de Krystyna Pomorska Jakobson em seu excelente livro Formalismo e Futurismo, “o cubofurismo foi a transformação mais surpreendente do cubismo da pintura em literatura”. Mas isso se deu por caminhos outros que não os da cópia ou mesmo da influência.  Conforme dizia Boris Schnaiderman, costuma acontecer, numa mesma época, de surgirem portadores de ideias semelhantes que não se conhecem entre si, em lugares diferentes. Enquanto Picasso pintava seus quadros cubistas, a partir de 1907, e Marinetti publicava no Figaro seu Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), numa remota região da Rússia Asiática, o Tartaristão, a mil quilômetros de Moscou, Viktor (Velímir) Khlébnikov já compunha seus poemas zaum (transmentais). O que eles tinham de tão característico e, ao mesmo tempo, de tão semelhante ao cubismo? A imagem deslocada, a apreensão difícil, o método analítico, a importância das relações entre as coisas, o princípio da dinamicidade e da compressão, o sincretismo, a simultaneidade, a metonímia e – no que se refere à língua russa trabalhada por Khlébnikov, a declinação interna das palavras e os significados distantes das palavras-parentes. (Exemplos de análises admiráveis de seus poemas podem ser encontrados no livro de Pomorska, e outras traduções de seus poemas podem ser lidas, além das citadas por Lívshits, em Poesia Russa Moderna, organizada pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman). Descoberto por David Burliúk, que reunira alguns desses poemas e o convidara, junto com outros amigos, à herdade do conde Mordvinov (que seu pai geria na Criméia – a antiga Táuride – que, pelas incríveis belezas naturais e pelas ruínas da antiguidade que ali se encontravam esparsas lembrava episódios descritos por Hesíodo e Homero, em suas obras), foi ali que Lívshits conheceu Velímir Khlébnikov. Essa região, fonte de inspiração e encantamento, que passou a ser chamada “Hileia” pelos futuros cubofuturistas, tornou-se o centro irradiador da nova tendência e o mestre de todos eles – conforme proclamou mais tarde o recém-chegado ao movimento, Maiakóvski –, Velímir Khlébnikov, tornou-se, num certo sentido, o herói do livro de Lívshits. Entre os muitos retratos imperdíveis dessa época, que não teriam sobrevivido não fosse por Lívshits, está a visita que Marinetti fez em 1914 a Moscou e a São Petersburgo, e a curiosa polêmica que se seguiu com os futuristas russos que, com certeza, há de divertir os leitores. 

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