Livro introduz pensamento do psiquiatra inglês Wilfred Bion


Por meio de transcrições de aulas de professor da USP, obra de psicanalista torna-se mais palatável

Por Giovanna Tucci
O livro 'Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion' aborda o pensamento do psiquiatra e psicanalista Wilfred Bion 

Com uma tarefa aparentemente simples, Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion (Blucher, 494 páginas, R$ 95) vem a público com o objetivo de divulgar o pensamento do psiquiatra e psicanalista inglês Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979) por meio das ideias do docente e psicanalista paulista Isaias Kirschbaum acerca da psicanálise pós-kleiniana. Discípulo e analisando de Melanie Klein – ao lado de Jacques Lacan, uma das principais pensadoras e, consequentemente, “chefes de Escola” da segunda geração de psicanalistas pós-Freud –, Bion dá à luz a uma obra considerada difícil, que tem como objetivo reler filosoficamente a interpretação kleiniana da obra freudiana.

Não à toa, o volume, organizado por Loide Migliorini constitui-se da reprodução das aulas ministradas por Kirschbaum na disciplina de Teoria e Técnica Psicanalítica de Wilfred Bion, oferecida no curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, na Universidade de São Paulo (USP) – ao que ela acrescenta uma coletânea de artigos do autor apresentados em congressos e/ou publicados anteriormente em livros e revistas especializadas. De fato, na medida em que o caminho percorrido com seu professor permite que se aproxime mais facilmente do complexo pensamento de Bion, Migliorini decide reproduzir fielmente os diálogos ocorridos em sala de aula entre Isaias e seus alunos.

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O que torna Breve Introdução à Algumas Ideias de Bion especialmente interessante, então, é o fato de os capítulos contemplarem os principais conceitos formulados pelo psicanalista inglês por meio da elaboração de questões advindas da leitura de seus livros e de vinhetas clínicas apresentadas ora pelos alunos, ora por Isaias.

Com efeito, esta didática permite aos discentes “realizarem” – o que subentende uma experiência emocional (realize, em inglês, corresponde a um conceito bioniano) – as contribuições de Bion, no que diz respeito a uma teoria do “Self” e da personalidade fundada sobre um modelo matemático, que trazem consigo noções originais como “elemento beta”, “função alfa”, “transformação”, “preconcepção”, “conteúdo/continente”, “realização”, “pequenos grupos”, “grade” etc...

Vale dizer, permite também aos leitores acompanharem Kirschbaum na relação que estabelece com a clínica psicanalítica – o que talvez os ajude, em momento posterior, a distinguir entre as diferentes “escolas psicanalíticas”, ou seja, freudiana, lacaniana, kleiniana e bioniana, e que implicam diferentes práticas da psicanálise. Claro, porque o recorte feito por Isaias privilegia, fundamentalmente, a dimensão imaginária sobre a qual se apoia a sua escuta, dimensão essa que tem na relação mãe-bebê o seu fundamento.

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Diz Kirschbaum: “A paciente que conta que foi abusada está dizendo que comeu uma feijoada quando era pequena e que ainda não conseguiu digeri-la. (...) E está pedindo à terapeuta que a ajude a processar essa experiência. Como? (...) O modelo é o mesmo que o da mãe e do bebê. A mãe é quem empresta a função alfa (responsável por processar os aspectos sensoriais da experiência) dela para o bebê poder digerir, processar a experiência”.

Ao refletir ainda sobre a psicanálise bioniana na atualidade considera que “na prática, aquilo que o analisando expressa é confrontado com o equipamento mental do psicanalista. Temos um choque de personalidades, o qual constitui um campo caótico e infinito de possibilidades...” 

É verdade, se por um lado o mergulho na “experiência bioniana”, realizado junto a Isaias, é o diferencial de Breve Introdução..., por outro, a questão que se coloca parece ser o fato de a sua leitura da obra freudiana (e, por vezes, kleiniana) ser marcada pela perspectiva cognitivista, na medida em que Kirshbaum acredita que “o tratamento da psicanálise é a realidade conflitando com o princípio do prazer”. 

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De fato, é notório que Bion acreditou poder substituir a elaboração freudiana acerca dos processos primário e secundário, princípio do prazer e princípio da realidade, cujo texto de referência seria o ensaio Formulações Sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico (1911), pela sua conceituação da “função alfa” (o processamento dos aspectos sensoriais da experiência). Contudo, talvez, o volume teria se beneficiado de uma introdução que permitisse aos leitores entrever, quiçá, a sua obra como produto de sua intensa e rica experiência junto à clínica das psicoses e dos estados-limite, como também de seu trabalho com grupos. 

Na década de 1970, Bion dedicou-se também à transmissão da psicanálise, lecionando inclusive no Brasil, onde fez escola, principalmente em São Paulo. 

*Giovanna Bartucci é psicanalista. Profª. Drª. em Teoria Psicanalítica, é autora de 'Onde Tudo Acontece - Cultura e Psicanálise no Século XXI' (Civilização Brasileira), Prêmio Jabuti 2014 (3º lugar, categoria psicologia e psicanálise), entre outros.

O livro 'Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion' aborda o pensamento do psiquiatra e psicanalista Wilfred Bion 

Com uma tarefa aparentemente simples, Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion (Blucher, 494 páginas, R$ 95) vem a público com o objetivo de divulgar o pensamento do psiquiatra e psicanalista inglês Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979) por meio das ideias do docente e psicanalista paulista Isaias Kirschbaum acerca da psicanálise pós-kleiniana. Discípulo e analisando de Melanie Klein – ao lado de Jacques Lacan, uma das principais pensadoras e, consequentemente, “chefes de Escola” da segunda geração de psicanalistas pós-Freud –, Bion dá à luz a uma obra considerada difícil, que tem como objetivo reler filosoficamente a interpretação kleiniana da obra freudiana.

Não à toa, o volume, organizado por Loide Migliorini constitui-se da reprodução das aulas ministradas por Kirschbaum na disciplina de Teoria e Técnica Psicanalítica de Wilfred Bion, oferecida no curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, na Universidade de São Paulo (USP) – ao que ela acrescenta uma coletânea de artigos do autor apresentados em congressos e/ou publicados anteriormente em livros e revistas especializadas. De fato, na medida em que o caminho percorrido com seu professor permite que se aproxime mais facilmente do complexo pensamento de Bion, Migliorini decide reproduzir fielmente os diálogos ocorridos em sala de aula entre Isaias e seus alunos.

O que torna Breve Introdução à Algumas Ideias de Bion especialmente interessante, então, é o fato de os capítulos contemplarem os principais conceitos formulados pelo psicanalista inglês por meio da elaboração de questões advindas da leitura de seus livros e de vinhetas clínicas apresentadas ora pelos alunos, ora por Isaias.

Com efeito, esta didática permite aos discentes “realizarem” – o que subentende uma experiência emocional (realize, em inglês, corresponde a um conceito bioniano) – as contribuições de Bion, no que diz respeito a uma teoria do “Self” e da personalidade fundada sobre um modelo matemático, que trazem consigo noções originais como “elemento beta”, “função alfa”, “transformação”, “preconcepção”, “conteúdo/continente”, “realização”, “pequenos grupos”, “grade” etc...

Vale dizer, permite também aos leitores acompanharem Kirschbaum na relação que estabelece com a clínica psicanalítica – o que talvez os ajude, em momento posterior, a distinguir entre as diferentes “escolas psicanalíticas”, ou seja, freudiana, lacaniana, kleiniana e bioniana, e que implicam diferentes práticas da psicanálise. Claro, porque o recorte feito por Isaias privilegia, fundamentalmente, a dimensão imaginária sobre a qual se apoia a sua escuta, dimensão essa que tem na relação mãe-bebê o seu fundamento.

Diz Kirschbaum: “A paciente que conta que foi abusada está dizendo que comeu uma feijoada quando era pequena e que ainda não conseguiu digeri-la. (...) E está pedindo à terapeuta que a ajude a processar essa experiência. Como? (...) O modelo é o mesmo que o da mãe e do bebê. A mãe é quem empresta a função alfa (responsável por processar os aspectos sensoriais da experiência) dela para o bebê poder digerir, processar a experiência”.

Ao refletir ainda sobre a psicanálise bioniana na atualidade considera que “na prática, aquilo que o analisando expressa é confrontado com o equipamento mental do psicanalista. Temos um choque de personalidades, o qual constitui um campo caótico e infinito de possibilidades...” 

É verdade, se por um lado o mergulho na “experiência bioniana”, realizado junto a Isaias, é o diferencial de Breve Introdução..., por outro, a questão que se coloca parece ser o fato de a sua leitura da obra freudiana (e, por vezes, kleiniana) ser marcada pela perspectiva cognitivista, na medida em que Kirshbaum acredita que “o tratamento da psicanálise é a realidade conflitando com o princípio do prazer”. 

De fato, é notório que Bion acreditou poder substituir a elaboração freudiana acerca dos processos primário e secundário, princípio do prazer e princípio da realidade, cujo texto de referência seria o ensaio Formulações Sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico (1911), pela sua conceituação da “função alfa” (o processamento dos aspectos sensoriais da experiência). Contudo, talvez, o volume teria se beneficiado de uma introdução que permitisse aos leitores entrever, quiçá, a sua obra como produto de sua intensa e rica experiência junto à clínica das psicoses e dos estados-limite, como também de seu trabalho com grupos. 

Na década de 1970, Bion dedicou-se também à transmissão da psicanálise, lecionando inclusive no Brasil, onde fez escola, principalmente em São Paulo. 

*Giovanna Bartucci é psicanalista. Profª. Drª. em Teoria Psicanalítica, é autora de 'Onde Tudo Acontece - Cultura e Psicanálise no Século XXI' (Civilização Brasileira), Prêmio Jabuti 2014 (3º lugar, categoria psicologia e psicanálise), entre outros.

O livro 'Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion' aborda o pensamento do psiquiatra e psicanalista Wilfred Bion 

Com uma tarefa aparentemente simples, Breve Introdução a Algumas Ideias de Bion (Blucher, 494 páginas, R$ 95) vem a público com o objetivo de divulgar o pensamento do psiquiatra e psicanalista inglês Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979) por meio das ideias do docente e psicanalista paulista Isaias Kirschbaum acerca da psicanálise pós-kleiniana. Discípulo e analisando de Melanie Klein – ao lado de Jacques Lacan, uma das principais pensadoras e, consequentemente, “chefes de Escola” da segunda geração de psicanalistas pós-Freud –, Bion dá à luz a uma obra considerada difícil, que tem como objetivo reler filosoficamente a interpretação kleiniana da obra freudiana.

Não à toa, o volume, organizado por Loide Migliorini constitui-se da reprodução das aulas ministradas por Kirschbaum na disciplina de Teoria e Técnica Psicanalítica de Wilfred Bion, oferecida no curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, na Universidade de São Paulo (USP) – ao que ela acrescenta uma coletânea de artigos do autor apresentados em congressos e/ou publicados anteriormente em livros e revistas especializadas. De fato, na medida em que o caminho percorrido com seu professor permite que se aproxime mais facilmente do complexo pensamento de Bion, Migliorini decide reproduzir fielmente os diálogos ocorridos em sala de aula entre Isaias e seus alunos.

O que torna Breve Introdução à Algumas Ideias de Bion especialmente interessante, então, é o fato de os capítulos contemplarem os principais conceitos formulados pelo psicanalista inglês por meio da elaboração de questões advindas da leitura de seus livros e de vinhetas clínicas apresentadas ora pelos alunos, ora por Isaias.

Com efeito, esta didática permite aos discentes “realizarem” – o que subentende uma experiência emocional (realize, em inglês, corresponde a um conceito bioniano) – as contribuições de Bion, no que diz respeito a uma teoria do “Self” e da personalidade fundada sobre um modelo matemático, que trazem consigo noções originais como “elemento beta”, “função alfa”, “transformação”, “preconcepção”, “conteúdo/continente”, “realização”, “pequenos grupos”, “grade” etc...

Vale dizer, permite também aos leitores acompanharem Kirschbaum na relação que estabelece com a clínica psicanalítica – o que talvez os ajude, em momento posterior, a distinguir entre as diferentes “escolas psicanalíticas”, ou seja, freudiana, lacaniana, kleiniana e bioniana, e que implicam diferentes práticas da psicanálise. Claro, porque o recorte feito por Isaias privilegia, fundamentalmente, a dimensão imaginária sobre a qual se apoia a sua escuta, dimensão essa que tem na relação mãe-bebê o seu fundamento.

Diz Kirschbaum: “A paciente que conta que foi abusada está dizendo que comeu uma feijoada quando era pequena e que ainda não conseguiu digeri-la. (...) E está pedindo à terapeuta que a ajude a processar essa experiência. Como? (...) O modelo é o mesmo que o da mãe e do bebê. A mãe é quem empresta a função alfa (responsável por processar os aspectos sensoriais da experiência) dela para o bebê poder digerir, processar a experiência”.

Ao refletir ainda sobre a psicanálise bioniana na atualidade considera que “na prática, aquilo que o analisando expressa é confrontado com o equipamento mental do psicanalista. Temos um choque de personalidades, o qual constitui um campo caótico e infinito de possibilidades...” 

É verdade, se por um lado o mergulho na “experiência bioniana”, realizado junto a Isaias, é o diferencial de Breve Introdução..., por outro, a questão que se coloca parece ser o fato de a sua leitura da obra freudiana (e, por vezes, kleiniana) ser marcada pela perspectiva cognitivista, na medida em que Kirshbaum acredita que “o tratamento da psicanálise é a realidade conflitando com o princípio do prazer”. 

De fato, é notório que Bion acreditou poder substituir a elaboração freudiana acerca dos processos primário e secundário, princípio do prazer e princípio da realidade, cujo texto de referência seria o ensaio Formulações Sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico (1911), pela sua conceituação da “função alfa” (o processamento dos aspectos sensoriais da experiência). Contudo, talvez, o volume teria se beneficiado de uma introdução que permitisse aos leitores entrever, quiçá, a sua obra como produto de sua intensa e rica experiência junto à clínica das psicoses e dos estados-limite, como também de seu trabalho com grupos. 

Na década de 1970, Bion dedicou-se também à transmissão da psicanálise, lecionando inclusive no Brasil, onde fez escola, principalmente em São Paulo. 

*Giovanna Bartucci é psicanalista. Profª. Drª. em Teoria Psicanalítica, é autora de 'Onde Tudo Acontece - Cultura e Psicanálise no Século XXI' (Civilização Brasileira), Prêmio Jabuti 2014 (3º lugar, categoria psicologia e psicanálise), entre outros.

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