Livro preenche lacuna da crítica sobre João Antônio


Autor do clássico 'Malagueta, Perus e Bacanaço' é tema de 'Sinuca de Malandro', lançado pela Edusp.

Por Alberto Bombig
Atualização:
João Antônio em 1996na casa que foi de seu pai Foto: Mabel Feres/Estadão/25/05/1996

Esta história aconteceu muito antes da autoficção virar moda, antes mesmo até de o gênero ter sido assim batizado, quando São Paulo ainda tinha engraxates, bares de sinuca e bancas de jogo de dados nas esquinas da Lapa, da Barra Funda e do Centro, quando a malandragem era apenas uma estratégia de sobrevivência numa cidade que começava a ser engolida pela modernização. Foi mais ou menos por essa época e nessas redondezas que João Antônio construiu sua obra literária, repleta de personagens marginais, embalados por uma prosa ligeira, trafegando nas divisas e nas zonas de intersecção do conto, da biografia, da crônica e do jornalismo.

Em agosto de 1963, apenas um mês depois do lançamento de seu clássico Malagueta, Perus e Bacanaço, o crítico Bráulio Pedroso (1931-1990), do Estado, comemorou desta forma a estreia de João Antônio: “São Paulo tem seu romancista”. Desse ponto da história em diante, João Antonio agradou a muitos, decepcionou outros tantos, que esperavam dele uma obra mais extensa, e morreu amargurado no Rio de Janeiro, em 1996.

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Parte significativa dessa saga está contada e analisada no recém-lançado Sinuca de Malandro - Ficção e Autobiografia na Obra de João Antônio (Edusp), do escritor e editor paulistano Bruno Zeni, um profundo estudo, com tons psicanalíticos, sobre a produção de João Antônio Ferreira Filho, nascido em São Paulo em 1937, considerado o inventor do “conto reportagem” e um dos mais representativos da sua geração.

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Bruno Zeni cita trechos do escritor e avalia como ele veria o Brasil de hoje

João Antônio viveu com intensidade o universo de seus escritos. Os primeiros contos estão calcados na experiência pessoal do autor. “Eu vivi a aventura de Malagueta, Perus e Bacanaço um pote de vezes. Um tufo de vezes. Sair da Lapa, catar a Barra Funda, desguiar para o centro da cidade, pegar os lados de Pinheiros, procurando o jogo e acabar na Lapa”, disse ele, conforme entrevista de 1987. Malagueta narra as desventuras dos três malandros que dão nome ao livro numa noite de sinuca em São Paulo. É um conto longo que virou filme em 1977.

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Nenhuma obra de João Antônio alcançou maior sucesso de crítica do que essa primeira. Em muitas, o escritor radicalizou a experiência da mistura de gêneros e chegou a se internar em um sanatório para escrever Calvário e Porres do Pingente Afonso Henrique de Lima Barreto, uma espécie de romance histórico, de biografia e de reportagem, já que João Antônio se enfiou num sanatório para falar de Lima Barreto (1881-1922), um de seus ídolos e que teve vários períodos de internações em hospícios. 

Em outros livros, João Antônio alcançou sucesso de público, como em Leão de Chácara, de 1975, com destaque para o conto Paulinho Perna Torta. Zeni, no entanto, gosta de sublinhar a importância e a beleza de Abraçado ao Meu Rancor, da fase decadente dele, lançado originalmente em 1986. “Tem humor, mas também tem amargura. Os textos do fim de carreira dele falam de personagens que sumiram, de uma cidade (São Paulo) que era promissora e que não contempla a todos.” Em 2001, a editora Cosac Naify recolocou em circulação alguns títulos do autor. No ano passado, porém, a Cosac encerrou as atividades e a obra de João Antônio deverá a partir de agora ficar com a Editora 34, que prepara alguns relançamentos e uma obra inédita do autor, em mais uma excelente oportunidade para quem ainda não se envolveu pelo universo de cafetões, prostitutas e vadios do autor. “Acho que a ida dele para o Rio tinha, entre outros aspectos, foi uma tentativa de retomar o frescor da juventude, já que em São Paulo ele não conseguia mais conciliar o trabalho de jornalista e de escritor com a boemia”, diz Bruno Zeni, autor de O Fluxo Silencioso das Máquinas (Ateliê Editorial). Não deu certo.

Se não responde definitivamente as perguntas sobre o final trágico da vida de João Antônio, dilacerado pelo álcool e amargurado pela pouca ressonância de sua produção naquela altura dos anos 1990, o livro de Zeni, desde já, ajuda a preencher outras lacunas, como a da ausência de fortuna crítica disponível nas livrarias sobre sua obra. Sinuca é fruto da pesquisa de doutorado de Zeni, na USP, e comprova a atualidade e a força da obra de João Antônio, além de propor uma reflexão psicanalítica sobre a relação dele com o pai e o Édipo freudiano. Para Zeni, as contradições expostas nos livros do autor de Malagueta são uma marca da literatura contemporânea, congestionada pela autoficção, termo criado somente nos anos 1970. “Ele foi um autor de formas não muito fáceis de reconhecer. É uma literatura que ganhou com o tempo. A crise dos gêneros (literários) o ajudou.”

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Capa do livro 'Sinuca de Malandro:Ficção e Autobiografia em João Antônio', deBruno Zeni Foto: Edusp

Sinuca de Malandro: Ficção e Autobiografia em João Antônio Autor: Bruno ZeniEditora: Edusp 388 páginas R$ 52

João Antônio em 1996na casa que foi de seu pai Foto: Mabel Feres/Estadão/25/05/1996

Esta história aconteceu muito antes da autoficção virar moda, antes mesmo até de o gênero ter sido assim batizado, quando São Paulo ainda tinha engraxates, bares de sinuca e bancas de jogo de dados nas esquinas da Lapa, da Barra Funda e do Centro, quando a malandragem era apenas uma estratégia de sobrevivência numa cidade que começava a ser engolida pela modernização. Foi mais ou menos por essa época e nessas redondezas que João Antônio construiu sua obra literária, repleta de personagens marginais, embalados por uma prosa ligeira, trafegando nas divisas e nas zonas de intersecção do conto, da biografia, da crônica e do jornalismo.

Em agosto de 1963, apenas um mês depois do lançamento de seu clássico Malagueta, Perus e Bacanaço, o crítico Bráulio Pedroso (1931-1990), do Estado, comemorou desta forma a estreia de João Antônio: “São Paulo tem seu romancista”. Desse ponto da história em diante, João Antonio agradou a muitos, decepcionou outros tantos, que esperavam dele uma obra mais extensa, e morreu amargurado no Rio de Janeiro, em 1996.

Parte significativa dessa saga está contada e analisada no recém-lançado Sinuca de Malandro - Ficção e Autobiografia na Obra de João Antônio (Edusp), do escritor e editor paulistano Bruno Zeni, um profundo estudo, com tons psicanalíticos, sobre a produção de João Antônio Ferreira Filho, nascido em São Paulo em 1937, considerado o inventor do “conto reportagem” e um dos mais representativos da sua geração.

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Bruno Zeni cita trechos do escritor e avalia como ele veria o Brasil de hoje

João Antônio viveu com intensidade o universo de seus escritos. Os primeiros contos estão calcados na experiência pessoal do autor. “Eu vivi a aventura de Malagueta, Perus e Bacanaço um pote de vezes. Um tufo de vezes. Sair da Lapa, catar a Barra Funda, desguiar para o centro da cidade, pegar os lados de Pinheiros, procurando o jogo e acabar na Lapa”, disse ele, conforme entrevista de 1987. Malagueta narra as desventuras dos três malandros que dão nome ao livro numa noite de sinuca em São Paulo. É um conto longo que virou filme em 1977.

Nenhuma obra de João Antônio alcançou maior sucesso de crítica do que essa primeira. Em muitas, o escritor radicalizou a experiência da mistura de gêneros e chegou a se internar em um sanatório para escrever Calvário e Porres do Pingente Afonso Henrique de Lima Barreto, uma espécie de romance histórico, de biografia e de reportagem, já que João Antônio se enfiou num sanatório para falar de Lima Barreto (1881-1922), um de seus ídolos e que teve vários períodos de internações em hospícios. 

Em outros livros, João Antônio alcançou sucesso de público, como em Leão de Chácara, de 1975, com destaque para o conto Paulinho Perna Torta. Zeni, no entanto, gosta de sublinhar a importância e a beleza de Abraçado ao Meu Rancor, da fase decadente dele, lançado originalmente em 1986. “Tem humor, mas também tem amargura. Os textos do fim de carreira dele falam de personagens que sumiram, de uma cidade (São Paulo) que era promissora e que não contempla a todos.” Em 2001, a editora Cosac Naify recolocou em circulação alguns títulos do autor. No ano passado, porém, a Cosac encerrou as atividades e a obra de João Antônio deverá a partir de agora ficar com a Editora 34, que prepara alguns relançamentos e uma obra inédita do autor, em mais uma excelente oportunidade para quem ainda não se envolveu pelo universo de cafetões, prostitutas e vadios do autor. “Acho que a ida dele para o Rio tinha, entre outros aspectos, foi uma tentativa de retomar o frescor da juventude, já que em São Paulo ele não conseguia mais conciliar o trabalho de jornalista e de escritor com a boemia”, diz Bruno Zeni, autor de O Fluxo Silencioso das Máquinas (Ateliê Editorial). Não deu certo.

Se não responde definitivamente as perguntas sobre o final trágico da vida de João Antônio, dilacerado pelo álcool e amargurado pela pouca ressonância de sua produção naquela altura dos anos 1990, o livro de Zeni, desde já, ajuda a preencher outras lacunas, como a da ausência de fortuna crítica disponível nas livrarias sobre sua obra. Sinuca é fruto da pesquisa de doutorado de Zeni, na USP, e comprova a atualidade e a força da obra de João Antônio, além de propor uma reflexão psicanalítica sobre a relação dele com o pai e o Édipo freudiano. Para Zeni, as contradições expostas nos livros do autor de Malagueta são uma marca da literatura contemporânea, congestionada pela autoficção, termo criado somente nos anos 1970. “Ele foi um autor de formas não muito fáceis de reconhecer. É uma literatura que ganhou com o tempo. A crise dos gêneros (literários) o ajudou.”

Capa do livro 'Sinuca de Malandro:Ficção e Autobiografia em João Antônio', deBruno Zeni Foto: Edusp

Sinuca de Malandro: Ficção e Autobiografia em João Antônio Autor: Bruno ZeniEditora: Edusp 388 páginas R$ 52

João Antônio em 1996na casa que foi de seu pai Foto: Mabel Feres/Estadão/25/05/1996

Esta história aconteceu muito antes da autoficção virar moda, antes mesmo até de o gênero ter sido assim batizado, quando São Paulo ainda tinha engraxates, bares de sinuca e bancas de jogo de dados nas esquinas da Lapa, da Barra Funda e do Centro, quando a malandragem era apenas uma estratégia de sobrevivência numa cidade que começava a ser engolida pela modernização. Foi mais ou menos por essa época e nessas redondezas que João Antônio construiu sua obra literária, repleta de personagens marginais, embalados por uma prosa ligeira, trafegando nas divisas e nas zonas de intersecção do conto, da biografia, da crônica e do jornalismo.

Em agosto de 1963, apenas um mês depois do lançamento de seu clássico Malagueta, Perus e Bacanaço, o crítico Bráulio Pedroso (1931-1990), do Estado, comemorou desta forma a estreia de João Antônio: “São Paulo tem seu romancista”. Desse ponto da história em diante, João Antonio agradou a muitos, decepcionou outros tantos, que esperavam dele uma obra mais extensa, e morreu amargurado no Rio de Janeiro, em 1996.

Parte significativa dessa saga está contada e analisada no recém-lançado Sinuca de Malandro - Ficção e Autobiografia na Obra de João Antônio (Edusp), do escritor e editor paulistano Bruno Zeni, um profundo estudo, com tons psicanalíticos, sobre a produção de João Antônio Ferreira Filho, nascido em São Paulo em 1937, considerado o inventor do “conto reportagem” e um dos mais representativos da sua geração.

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Bruno Zeni cita trechos do escritor e avalia como ele veria o Brasil de hoje

João Antônio viveu com intensidade o universo de seus escritos. Os primeiros contos estão calcados na experiência pessoal do autor. “Eu vivi a aventura de Malagueta, Perus e Bacanaço um pote de vezes. Um tufo de vezes. Sair da Lapa, catar a Barra Funda, desguiar para o centro da cidade, pegar os lados de Pinheiros, procurando o jogo e acabar na Lapa”, disse ele, conforme entrevista de 1987. Malagueta narra as desventuras dos três malandros que dão nome ao livro numa noite de sinuca em São Paulo. É um conto longo que virou filme em 1977.

Nenhuma obra de João Antônio alcançou maior sucesso de crítica do que essa primeira. Em muitas, o escritor radicalizou a experiência da mistura de gêneros e chegou a se internar em um sanatório para escrever Calvário e Porres do Pingente Afonso Henrique de Lima Barreto, uma espécie de romance histórico, de biografia e de reportagem, já que João Antônio se enfiou num sanatório para falar de Lima Barreto (1881-1922), um de seus ídolos e que teve vários períodos de internações em hospícios. 

Em outros livros, João Antônio alcançou sucesso de público, como em Leão de Chácara, de 1975, com destaque para o conto Paulinho Perna Torta. Zeni, no entanto, gosta de sublinhar a importância e a beleza de Abraçado ao Meu Rancor, da fase decadente dele, lançado originalmente em 1986. “Tem humor, mas também tem amargura. Os textos do fim de carreira dele falam de personagens que sumiram, de uma cidade (São Paulo) que era promissora e que não contempla a todos.” Em 2001, a editora Cosac Naify recolocou em circulação alguns títulos do autor. No ano passado, porém, a Cosac encerrou as atividades e a obra de João Antônio deverá a partir de agora ficar com a Editora 34, que prepara alguns relançamentos e uma obra inédita do autor, em mais uma excelente oportunidade para quem ainda não se envolveu pelo universo de cafetões, prostitutas e vadios do autor. “Acho que a ida dele para o Rio tinha, entre outros aspectos, foi uma tentativa de retomar o frescor da juventude, já que em São Paulo ele não conseguia mais conciliar o trabalho de jornalista e de escritor com a boemia”, diz Bruno Zeni, autor de O Fluxo Silencioso das Máquinas (Ateliê Editorial). Não deu certo.

Se não responde definitivamente as perguntas sobre o final trágico da vida de João Antônio, dilacerado pelo álcool e amargurado pela pouca ressonância de sua produção naquela altura dos anos 1990, o livro de Zeni, desde já, ajuda a preencher outras lacunas, como a da ausência de fortuna crítica disponível nas livrarias sobre sua obra. Sinuca é fruto da pesquisa de doutorado de Zeni, na USP, e comprova a atualidade e a força da obra de João Antônio, além de propor uma reflexão psicanalítica sobre a relação dele com o pai e o Édipo freudiano. Para Zeni, as contradições expostas nos livros do autor de Malagueta são uma marca da literatura contemporânea, congestionada pela autoficção, termo criado somente nos anos 1970. “Ele foi um autor de formas não muito fáceis de reconhecer. É uma literatura que ganhou com o tempo. A crise dos gêneros (literários) o ajudou.”

Capa do livro 'Sinuca de Malandro:Ficção e Autobiografia em João Antônio', deBruno Zeni Foto: Edusp

Sinuca de Malandro: Ficção e Autobiografia em João Antônio Autor: Bruno ZeniEditora: Edusp 388 páginas R$ 52

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