Pela primeira vez em oito anos, tive 24 horas só pra mim. Com as crianças com o pai, fiquei até ansiosa na hora de escolher o que fazer num dia inteiro sem trabalhar ou cuidar de alguém. Logo de início, rechacei ideias do tipo arrumar o armário. E foquei no que precisava desesperadamente: descansar. Tudo ia bem: eu podia escolher música, filme, o que comer. Até que uma velha conhecida resolveu reaparecer: como você pode ficar bem longe das crianças?
Já sabem de quem estou falando? A culpa.
Que outro ser além de uma mãe pode se culpar por descansar e ter um momento para si, mesmo com os filhos bem?
Há culpa materna de todo tipo. Por não poder ficar mais tempo com as crianças, por falar mais alto numa hora de irritação, por preferir dormir a jogar Banco Imobiliário, por escapar para fazer a unha.
Uma amiga se sente culpada porque adora correr, mas isso consome tempo com a filha. Outra ficou devastada por esquecer da reunião do colégio. Uma terceira se sente mal por calar os filhos com Peppa Pig para acabar o almoço.
As culpas surgem na gravidez e se multiplicam após o nascimento. Já conversou com uma mulher que não pôde amamentar? Mesmo que a causa tenha sido totalmente alheia à sua vontade, isso pode virar um drama.
A autocobrança continua em relação à alimentação, às roupas, ao lazer, à falta de paciência com a lição de casa.
Há ainda as rupturas na rotina familiar. Como separações. Aí, à culpa por ter mantido filhos numa relação desgastada se juntará a culpa por sair dela.
Excesso de demandas e sobrecarga mental contribuem para que o destaque dado às supostas falhas seja maior do que a ênfase nos acertos. Dar conta de tudo atende ao ideal materno calcado na perfeição, mas requer um preparo emocional e físico muitas vezes irreal.
O cuidado com a família não está em discussão. Tampouco a autocrítica saudável. O ponto aqui é que, para poder cuidar dos outros e manter a saúde, as mães têm necessidades individuais que precisam ser levadas em conta.
É fundamental também desfazer mitos. Como diz a educadora Carol Machado Lopes, limpar a casa sem criança, tomar banho e ir sozinha ao mercado são tarefas domésticas e de higiene, não regalias pelas quais devemos ser gratas.
Vale ainda pôr a culpa em perspectiva. O fato que a despertou realmente impactará o desenvolvimento de seu filho? Voltando a meu primeiro dia livre em anos, a resposta me permitiu sair para passear sozinha sem me achar desnaturada.
EDITORA NO ‘ESTADÃO’, PROFESSORA NA FAAP E MÃE DE GÊMEOS