Você tem família, trabalho, saúde, amigos. Dispõe de comida na mesa, um lugar legal pra morar, nenhuma história catastrófica na biografia. Mas não se sente feliz em boa parte do tempo e ainda tem de aguentar comentários do tipo: ‘Por que está tão pra baixo se não tem do que reclamar?’ Como explicar essa melancolia, angústia e falta de energia sem motivo aparente? Segundo a cientista britânica Meg Arroll, a resposta pode estar no acúmulo de pequenos traumas e arranhões psicológicos aos quais não costumamos prestar atenção, mas têm um impacto mais profundo do que podemos imaginar no nosso dia a dia e bem-estar.
“A grande maioria dos meus clientes não sofreu nenhum trauma grave, como abuso físico ou sexual, nem viveu em uma zona de guerra ou vivenciou na infância a morte de quem cuidava deles, mas sempre há leves fissuras e ligeiros solavancos ao longo do caminho que deixam uma marca”, escreve Meg em seu livro Pequenos Traumas: Superando as barreiras emocionais que afetam a nossa saúde mental, recém-lançado no Brasil pela Editora Vestígio.
São pequenas feridas emocionais que vão se acumulando e, segundo a autora, “crescem como juros de cartão de crédito”, causando estresse, cansaço, ansiedade, falta de confiança. As causas podem variar: desarmonia na família, problemas na infância, relacionamentos amorosos problemáticos, falsos amigos, humilhação em sala de aula, instabilidade no emprego, pressão por desempenho, problemas constantes de orçamento e, nos últimos tempos, trolagem digital, entre vários outros. Muitos bem conhecidos da maioria de nós. O problema é que nem sempre é fácil achar ajuda para superar seus impactos.
PhD em Psicologia Médica e de Saúde pela universidade de Surrey, no Reino Unido, Meg afirma que se sentir um lixo e sofrer com perfeccionismo, por exemplo, não são quadros que um médico consiga facilmente diagnosticar ou tratar porque não costumam se encaixar em critérios de enciclopédias médicas. E, como a Psicologia é uma ciência relativamente nova, estudiosos e psicólogos tendiam até pouco tempo atrás a focar apenas nos transtornos graves. Com isso, pessoas com questões psicológicas não consideradas “sérias” o suficiente eram deixadas à deriva. Apesar de também poderem ser profundamente extenuantes para quem as carrega.
A boa notícia, lembra Meg, é que se tomarmos consciência desses pequenos traumas podemos usá-los a nosso favor e construir uma “imunidade psicológica” que não só nos ajudará a viver melhor como nos protegerá futuramente do impacto de traumas bem maiores. Como perder pessoas queridas, passar por um divórcio, ter alguma doença ou dano físico mais grave e, aí sim, desenvolver problemas de saúde diagnosticáveis, como depressão.
Meg relata no livro que os psiquiatras Thomas Holmes e Richard Rahe se debruçaram sobre mais de 5 mil conjuntos de observações médicas e compilaram uma lista de eventos - dos mais traumáticos, como a morte de um cônjuge, aos menos significativos, mas ainda assim estressantes, como tomar uma multa de trânsito. Depois deram a cada incidente uma pontuação, ou “unidade de mudança de vida”. Ao analisarem os resultados, os pesquisadores concluíram que, além da gravidade dos acontecimentos, a quantidade de ocorrências simultâneas no período de um ano pareceu ser um indicativo importante para problemas de saúde. “Algumas situações que vivenciamos podem nos tornar vulneráveis a problemas tanto de saúde física quanto mental, especialmente se acontecerem num curto espaço de tempo”, concluíram.
Para lidar com eles, a autora propõe seguir três passos:
- Conscientização: descobrir como os pequenos traumas afetam suas experiências;
- Aceitação: fase mais desafiadora do processo, que não pode ser pulada, e implica estar disposto a vivenciar os altos e baixos do caminho;
- Ação: adotar medidas para criar, ativamente, a vida que se deseja.
Perpassando tudo isso está aprender a lidar com as emoções negativas, que geralmente tentamos esconder. “Todo mundo fica bravo, triste e frustrado de tempos em tempos, mas e se em vez de esconder essas emoções aprendermos a processá-las de modo saudável e adaptável?”, pergunta Meg. “A diferença entre uma vida plena e uma que constantemente parece uma decepção tem a ver com a maneira de lidar com essa emoções, e não com a exclusão do sentimento ‘ruim’.”