Chatabata, tapada, ridícula, odiada, gata, gostosa, fraca, despreparada, batata. Esses foram alguns termos utilizados para se referir às duas candidatas que disputaram a Prefeitura de São Paulo neste ano: Tabata Amaral (PSB) e Marina Helena (Novo). Presentes em comentários do YouTube e do X (antes da suspensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal), eles figuram também no relatório Gender-based violence on X and YouTube in the São Paulo mayoral election - do inglês, Violência de gênero no X e no YouTube na eleição para prefeito de São Paulo.
Feito pela Democracy Reporting International, entidade fundada em Berlim em 2006, com contribuições da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rio, o levantamento destaca que o discurso violento direcionado a candidatas mulheres é uma questão recorrente nas campanhas políticas brasileiras e a campanha em São Paulo se destacou entre a de outras capitais brasileiras pela quantidade de violência política. O detalhe é que essa violência não se limitou apenas à famosa cadeirada dada por José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) ou aos ataques mútuos que envolveram também Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL). Segundo o relatório, embora menos falada, também sobrou violência de gênero no pleito que terminará neste domingo.
“Das mais de 3.500 postagens contendo termos violentos coletadas no X durante as duas primeiras semanas de campanha, Tabata Amaral e Marina Helena foram alvo de três vezes mais ataques do que seus colegas homens”, mostra o estudo, destacando em seguida que um padrão semelhante foi verificado também nos comentários no YouTube.
Pesquisadores observaram por exemplo que, no debate online promovido pela TV Gazeta e pelo MyNews em 1º de setembro, embora outros candidatos - especialmente Pablo Marçal - tenham sido mencionados com mais frequência nos 491 comentários violentos coletados no YouTube, Tabata aparece em 32,2% das postagens e foi alvo dos ataques mais agressivos - Marina não participou do encontro.
No X, as discussões variaram de ataques baseados em ideologia política (66%) à misoginia explícita (14,5%). Tabata foi criticada, entre outras coisas, por sua sua idade, aparência, afiliações políticas e histórico. Denise Campos de Toledo, a jornalista que moderava o debate, também sofreu ataques de gênero, indicando de acordo com o estudo como “a natureza generalizada da misoginia durante a campanha teve como alvo não apenas candidatas, como também outras figuras” envolvidas nos debates e discussões.
A maioria das postagens e comentários (90% no YouTube, 80% no X) analisados pelo levantamento buscava desqualificar e diminuir o papel das mulheres na política, com comentários contendo ironia, escárnio, apelidos e/ou trocadilhos. Outros ataques foram divididos entre tentativas de desumanização (com comentários que sugerem, por exemplo, que elas devem ser expulsas da esfera pública) e de sexualização e fetichização (quando se busca reduzir a mulher à aparência física, em comentários com conteúdo sexual, assédio e termos como “prostituta” ou “vagabunda”). Havia ainda os que visavam espalhar desinformação, reforçando informações falsas sobre a vida profissional e pessoal das candidatas, com o objetivo de desacreditá-las e minar suas reputações.
“O impacto dessa violência se estende além do dano psicológico imediato, desencorajando as mulheres de se envolver em atividades políticas e prejudicando os processos democráticos”, destaca o levantamento. “Estudos recentes também destacam que mulheres que pertencem a grupos sociais específicos que são cultural e economicamente marginalizados – especialmente LGBTQIA+, negras e indígenas – geralmente estão sujeitas a manifestações específicas de violência. Essa violência não é apenas direcionada, mas também interseccional, o que significa que é moldada pelas identidades e experiências sobrepostas dessas mulheres, que combinam e aprofundam a violência histórica contra esses grupos. Isso pode se manifestar como discriminação, assédio e agressão física.”
Para Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio e uma das autoras do estudo, os resultados ressaltam como comentários para mulheres vêm com uma agressividade desproporcional, em que a imagem delas é colocada em questão, há descredibilização e críticas à competência de elas de estarem no espaço público, além de questionamentos quanto à sua inteligência e moralidade.
“A cadeirada é sintomática do que é a política hoje: um espaço dominado por homens, extremamente agressivo e hostil para a participação de minorias”, resume Yasmin. “Essas agressões evidenciam um padrão do que é fazer política no cotidiano: essa virilidade e masculinidade tóxica e hegemônica são rotineiras nas negociações, nas câmaras, entre parlamentares, na apresentação de projetos. Quantas mulheres não são silenciadas todos os dias ao tentar participar desses debates?”
O Estadão procurou as campanhas de Tabata Amaral e Marina Helena, mas elas não comentaram os resultados do levantamento.