De repente você se vê diante de algo parecido com o apocalipse. Mesmo que ainda não esteja na menopausa, um monte de amigas passa a te relatar os suplícios da oscilação de hormônios. Se você ceder à tentação de buscar o termo no Google, será presenteada com imagens de mulheres acabadas, desanimadas, se abanando. Nas redes sociais os retratos não são menos assustadores. Difícil achar algum que remeta a uma transição normal da vida, desbravada anualmente por milhões de mulheres em todo o mundo.
“Como podemos estar tão despreparados para uma das mais monumentais transições da vida? Ela afeta familiares, amigos, colegas de trabalho. Pessoas não binárias e trans. Nem todas as mulheres passam pelo parto. Todas as mulheres que vivem o bastante, no entanto, passam pela menopausa. É uma experiência compartilhada por metade da população mundial... e sobre a qual ninguém fala”, resume a jornalista americana Jancee Dunn no livro O que ninguém conta sobre a menopausa: Um guia para entender e abraçar essa fase da vida (Ed. Fontanar).
Especialistas ouvidos pela autora destacam que, diferentemente da puberdade, fala-se tão pouco da menopausa como transição na vida que muitas mulheres são pegas “desprevenidas”. Não foram informadas que muitas das mudanças pelas quais vêm passando são consideradas eventos normais e naturais.
E por que isso acontece? “Temos cerimônia de ingresso na vida adulta para meninas que estão se tornando mulheres e rituais de celebração, como casamentos e chás de bebês, em que informações vitais são trocadas com o objetivo de preparar a pessoa para a entrada no próximo estágio da vida. Mas ninguém faz chá de menopausa, com presentes como cremes para o pescoço, ventiladores portáteis, lubrificantes vaginais. Quando o assunto é menopausa, ninguém te diz que precisa ‘conversar’”, lembra Jancee.
O resultado é que mulheres na perimenopausa (a fase que antecede a menopausa propriamente dita) já podem sofrer com uma série de sintomas sem saber que são próprios da fase e passar anos tentando receber o diagnóstico e o tratamento certos. Isso quando não aparece alguém dizendo que é coisa da cabeça delas...
O livro destaca que, de acordo com os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, a perimenopausa em geral dura cerca de sete anos, mas pode se arrastar por até 14. Fatores como etnia a estilo de vida determinarão esse tempo, assim como os hábitos - fumar, por exemplo, pode acelerar a menopausa segundo pesquisas - e a genética - é comum chegar à menopausa mais ou menos na mesma idade que a mãe.
Os sintomas mais comuns listados por Jancee são ondas de calor, suor noturno e menstruação irregular, porém também estão incluídos oscilações de humor, diminuição da libido, seios doloridos, dores de cabeça, secura vaginal, ardência bucal, formigamento nas mãos e nos pés, problemas de gengiva, fadiga extrema, inchaço, problemas digestivos, dores nas articulações, depressão, dores musculares, coceiras na pele, choques elétricos, sono ruim, confusão mental, lapsos de memória, queda de cabelo, unhas quebradiças, ganho de peso, incontinência urinária, tontura ou vertigem, aumento das alergias, perda de densidade óssea, palpitações, odor corporal estranho, irritabilidade, ansiedade e síndrome do pânico.
Parece ou não o apocalipse?
Para completar, é comum a perimenopausa ocorrer quando as mulheres estão no período de maior responsabilidade da vida. “Elas gerenciam lares, às vezes criam filhos pequenos e com frequência cuidam dos pais idosos. As que trabalham fora têm grande chance de estar engrenando na carreira”, lembra a autora.
Jancee destaca que há referências à menopausa desde a Bíblia. Em algumas traduções de uma passagem do Gênesis, Sara, esposa de Abraão, é descrita como de idade avançada, em que já haviam cessados “os modos das mulheres”. Médicos de antigamente acreditavam que o útero de pessoas mais velhas “vagava inquieto pelo corpo”. O nome menopausa foi cunhado nos anos 1820, quando o médico francês Charles de Gardanne juntou as palavras gregas menos (mês) + pause (interrupção). E, ao longo do século 19 e começo do 20, foram testadas várias “curas” para a menopausa, incluindo limpeza intestinal com solução salina. Em 1929, o bioquímico americano Edward Doisy, vencedor do Nobel, isolou o estrogênio. Uma década depois, foi lançado um produto comercial para a menopausa feito a partir da urina de uma égua grávida.
Mesmo após o isolamento do estrogênio, mostra o livro, as pesquisas sobre a saúde da mulher continuaram escassas. “No início dos anos 1960, após pesquisadores descobrirem que as mulheres tinham menores taxas de doenças cardíacas antes da menopausa, quando seu nível de estrogênio caía, foi conduzido o primeiro experimento para verificar se a suplementação de estrogênio seria um tratamento preventivo eficiente. O estudo, publicado em 1973, foi conduzido com 8.341 homens. E nenhuma mulher.” Só em 1993 surgiu a obrigatoriedade de mulheres e minorias serem incluídas em estudos clínicos. De lá pra cá, entre altos e baixos, avançaram não só as pesquisas como o uso da terapia hormonal com o objetivo de aliviar sintomas de transição para a menopausa. Com a internet, a oferta de conteúdos sobre o assunto também aumentou muito, mas ainda há um longo caminho para chegar a todas as mulheres - e a quem convive com elas - a mensagem de que é preciso parar de sofrer em silêncio.
Alguns países estão mais avançados nesse debate. O Reino Unido, segundo Jancee, “puxa a fila” de políticas relacionadas ao tema. Ela relata que em 2022, por exemplo, foi criada uma força-tarefa nos quatro países britânicos para “encontrar maneiras de melhorar o apoio à menopausa e os serviços relacionados a ela em termos de educação, treinamento médico e ambiente de trabalho”. Lá, crianças já aprendem sobre menopausa nas escolas e crescem experiências como o Menopause Café, em que pessoas que não se conhecem se encontram para conversar sobre o tema - virtual ou presencialmente.
Diante da preocupação com a saída de mulheres do mercado de trabalho por causa de sintomas da menopausa, a organização Wellbeing of Women criou em 2021 o Menopause Workplance Pledge, convocando empregados a apoiar funcionárias na menopausa e falar a respeito “de maneira aberta, positiva e respeitosa”. Mais de mil organizações assinaram o compromisso. Queixas de discriminação relacionadas à menopausa também estão chegando à Justiça britânica e empresas já contratam especialistas para se tornar mais sensíveis à questão. Há até um certificado de “amigas da menopausa”, que identifica companhias que “criaram um ambiente onde se pode discutir o assunto com tranquilidade” e apoiam funcionárias de maneira adequada.
Iniciativas do tipo começam a ganhar eco também em outros países. Jancee relata que na Austrália mais de US$ 40 milhões foram destinados em 2022 pelo governo federal à abertura de centros especializados e foi feita uma campanha educativa para médicos e empregadores. Nos Estados Unidos, a campanha de conscientização Let’s Talk Menopause sugere criar grupos de afinidade para pensar em como tornar a cultura empresarial, por exemplo, mais simpática a essa fase da vida. Também se multiplicam lançamentos de produto para aliviar sintomas, criados sobretudo por startups fundadas por mulheres e de olho no poder aquisitivo das compradoras nessa faixa etária.
“Quanto mais você aprende sobre a menopausa, menos misteriosa e assustadora ela se torna”, resume Jancee. “Quanto maior a frequência com que você a menciona casualmente nas conversas, mais depressa o estigma desaparece, para você e todos os outros. A menopausa não é uma doença! É um estágio da vida. Se você tiver a sorte de viver tempo o bastante, pode passar metade da vida na pós-menopausa.”
E não se trata só de retórica. Especialistas em saúde da mulher dizem que a forma como lidamos com a menopausa na meia-idade aponta o caminho para a saúde mental e física no longo prazo. Ou seja, quanto mais mudanças conseguirmos promover quando os sintomas da perimenopausa aparecem, mais saudáveis seremos adiante na vida. Olhadas e cuidadas, dá até pra sonhar com o que a antropóloga Margaret Mead chamou de entusiasmo pós-menopausa, uma sensação que vai além de se livrar de vez dos absorventes e do medo de engravidar e passa por se sentir bem na própria pele, libertar-se da necessidade de agradar e pela experiência de reivindicar tempo e espaço para si. Sem culpa.