Uma geléia geral a partir do cinema

Com Platero, Bresson e Conrad, euforia no Céu


Por Luiz Carlos Merten

São Paulo, de volta! Foi um vôo tranqüilo, da AeroMéxico. Estou de volta aos acentos, aos circunflexos e aos 'tis'. (Em 60 anos de vida, nunca tentei escrever o plural de til - será isso mesmo?). Enfim, eu voltei, como diz a canção do Roberto Carlos e no vôo encontrei um monte de brasileiros que também regressavam do Festival de Guadalajara. Selton Melo estava feliz da vida com o prêmio de melhor ator, que recebeu por O Cheiro do Ralo. Também viajaram Tata Amaral, Leon Cakoff e Marcelo Masagão. Maravilha! Preciso contar o que para mim foi uma intensa experiência pessoal. No aeroporto da Cidade do México, talvez influenciado por tudo o que li sobre o 4º Congresso da Língua Espanhola, em Cartagena, cedi a um impulso e comprei Plastero y Yo. Havia lido o livro do Juan Ramón Jimenez bem novinho, logo depois que ele ganhou (em 1956) o Nobel de Literatura. Platero e Eu foi lançado pela Editora Globo, acho que na Coleção Catavento, mas não me lembro de quem era a tradução. Talvez de Mário Quintana, pois é preciso um grande poeta para transcodificar, para outro idioma, a riqueza e sutileza de Jimenez. Platero e Eu é considerado a obra-prima da prosa poética ou da poesia em prosa da língua espanhola. O próprio Jimenez chamou-o de Elegia Andaluza. Conta a história do Poeta que viaja ao tempo de sua infância em busca do burrico que foi seu companheiro. Platero e Eu não é um livro infantil e, na verdade, ao longo de 60 capítulos curtos (média de uma página, a maioria menos), JRJ fala de tudo. A dor, o sofrimento, a alegria. A vida! Platero é humanizado e é pelos olhos dele que o Poeta vê a condição humana, em sua grandeza e fragilidade. Capítulos como o de Lord, o cachorro que enlouquece e é sacrificado, e os vários anjos - o menino tonto, a garota da janela -, que morrem e vão para o céu, beiram o sublime. Mas eu gostei de ter comprado Platero e Eu - acho que foi uma coisa inconsciente, não sei -, porque fiz uma descoberta que me encantou. O Nobel deu grande exposição a JRJ. Não que ele já não desfrutasse antes da fama de ser um grande poeta e escritor. Mas em 1966, dez anos depois do prêmio da Academia Sueca - na verdade, acho que 11, pois me parece que o filme é de 1967 , Robert Bresson fez Au Hasard Balthasar, usando outro burro para expressar o tema humano da graça. Balthasar chamou-se, no Brasil, A Grande Testemunha. O burro é a grande testemunha dessa humanidade que erra e sofre e busca ascender à Graça pela via da incomunicação extrema. Só assim Bresson acreditava que era possível atingir a transcendência. Antes, ele havia feito Mouchette, a Virgem Possuída, sobre a garota que vivia como um pássaro engaiolado no mundo hostil dos homens e, no final, leva seu desgosto ao suicídio, caindo no lago para ascender ao céu. Balthasar também tem uma menina, vista pelo olho do burro, e ela é outra Mouchette sofredora. No fim, é o burro que morre, no campo, numa cena de um despojamento que toca a genialidade. Sempre achei que a origem de Balthasar, como a de Mouchette (pois se trata, este último, de uma adaptação), fosse a literatura de Georges Bernanos, escritor católico ao qual Bresson era muito chegado. O burro é o Cristo de Bresson, como sabe qualquer cinéfilo de carteirinha. Pois agora estou em dúvida. Fiquei convencido de que Bresson leu JRJ e há mais Platero do que Bernanos em Balthasar do que jamais sonhou a minha vã filosofia. Viajei! A 10 mil metros de altura, tive essa revelação. Se olhasse pela janela do avião, tinha a impressão de que Platero estaria ali, fofo como uma nivem (que é como o Poeta o define). Só gostaria que vocês lessem Platero e Eu, vissem Balthasar em DVD e tivessem a mesma (boa) vertigem que tive. A arte é uma coisa maravilhosa. Nos ilumina. Faz com que a gente descubra coisas que nem imagina. O derradeiro capítulo, Para Platero no Céu de Moguer - a cidade em que nasceu JRJ -, é a suprema fusão da poesia e da prosa. E quando JRJ fala da perda de Platero e do que representou para o Poeta (ele), o que me veio aí não foi mais Bresson, mas Joseph Conrad, o final de Lord Jim, este sim, traduzido por Mário Quintana. Sou meio dado a exageros, mas em toda a literatura, se tivesse de escolher uma página, seria o finalzinho de Lord Jim, quando o herói se purga da sua experiência no Patna e vive sua segunda chance, desaparecendo numa nuvem, como mito. Ah, o filme do Richard Brooks! Ah, o Peter O'Toole como Lord Jim! A simples leitura de Platero e Eu me permitiu todas essas pontes. É, ou não, motivo para ter ficado em estado de graça? E eu ainda havia entrevistado Hilary Swank! Meu Eisentein! Que viva México!

São Paulo, de volta! Foi um vôo tranqüilo, da AeroMéxico. Estou de volta aos acentos, aos circunflexos e aos 'tis'. (Em 60 anos de vida, nunca tentei escrever o plural de til - será isso mesmo?). Enfim, eu voltei, como diz a canção do Roberto Carlos e no vôo encontrei um monte de brasileiros que também regressavam do Festival de Guadalajara. Selton Melo estava feliz da vida com o prêmio de melhor ator, que recebeu por O Cheiro do Ralo. Também viajaram Tata Amaral, Leon Cakoff e Marcelo Masagão. Maravilha! Preciso contar o que para mim foi uma intensa experiência pessoal. No aeroporto da Cidade do México, talvez influenciado por tudo o que li sobre o 4º Congresso da Língua Espanhola, em Cartagena, cedi a um impulso e comprei Plastero y Yo. Havia lido o livro do Juan Ramón Jimenez bem novinho, logo depois que ele ganhou (em 1956) o Nobel de Literatura. Platero e Eu foi lançado pela Editora Globo, acho que na Coleção Catavento, mas não me lembro de quem era a tradução. Talvez de Mário Quintana, pois é preciso um grande poeta para transcodificar, para outro idioma, a riqueza e sutileza de Jimenez. Platero e Eu é considerado a obra-prima da prosa poética ou da poesia em prosa da língua espanhola. O próprio Jimenez chamou-o de Elegia Andaluza. Conta a história do Poeta que viaja ao tempo de sua infância em busca do burrico que foi seu companheiro. Platero e Eu não é um livro infantil e, na verdade, ao longo de 60 capítulos curtos (média de uma página, a maioria menos), JRJ fala de tudo. A dor, o sofrimento, a alegria. A vida! Platero é humanizado e é pelos olhos dele que o Poeta vê a condição humana, em sua grandeza e fragilidade. Capítulos como o de Lord, o cachorro que enlouquece e é sacrificado, e os vários anjos - o menino tonto, a garota da janela -, que morrem e vão para o céu, beiram o sublime. Mas eu gostei de ter comprado Platero e Eu - acho que foi uma coisa inconsciente, não sei -, porque fiz uma descoberta que me encantou. O Nobel deu grande exposição a JRJ. Não que ele já não desfrutasse antes da fama de ser um grande poeta e escritor. Mas em 1966, dez anos depois do prêmio da Academia Sueca - na verdade, acho que 11, pois me parece que o filme é de 1967 , Robert Bresson fez Au Hasard Balthasar, usando outro burro para expressar o tema humano da graça. Balthasar chamou-se, no Brasil, A Grande Testemunha. O burro é a grande testemunha dessa humanidade que erra e sofre e busca ascender à Graça pela via da incomunicação extrema. Só assim Bresson acreditava que era possível atingir a transcendência. Antes, ele havia feito Mouchette, a Virgem Possuída, sobre a garota que vivia como um pássaro engaiolado no mundo hostil dos homens e, no final, leva seu desgosto ao suicídio, caindo no lago para ascender ao céu. Balthasar também tem uma menina, vista pelo olho do burro, e ela é outra Mouchette sofredora. No fim, é o burro que morre, no campo, numa cena de um despojamento que toca a genialidade. Sempre achei que a origem de Balthasar, como a de Mouchette (pois se trata, este último, de uma adaptação), fosse a literatura de Georges Bernanos, escritor católico ao qual Bresson era muito chegado. O burro é o Cristo de Bresson, como sabe qualquer cinéfilo de carteirinha. Pois agora estou em dúvida. Fiquei convencido de que Bresson leu JRJ e há mais Platero do que Bernanos em Balthasar do que jamais sonhou a minha vã filosofia. Viajei! A 10 mil metros de altura, tive essa revelação. Se olhasse pela janela do avião, tinha a impressão de que Platero estaria ali, fofo como uma nivem (que é como o Poeta o define). Só gostaria que vocês lessem Platero e Eu, vissem Balthasar em DVD e tivessem a mesma (boa) vertigem que tive. A arte é uma coisa maravilhosa. Nos ilumina. Faz com que a gente descubra coisas que nem imagina. O derradeiro capítulo, Para Platero no Céu de Moguer - a cidade em que nasceu JRJ -, é a suprema fusão da poesia e da prosa. E quando JRJ fala da perda de Platero e do que representou para o Poeta (ele), o que me veio aí não foi mais Bresson, mas Joseph Conrad, o final de Lord Jim, este sim, traduzido por Mário Quintana. Sou meio dado a exageros, mas em toda a literatura, se tivesse de escolher uma página, seria o finalzinho de Lord Jim, quando o herói se purga da sua experiência no Patna e vive sua segunda chance, desaparecendo numa nuvem, como mito. Ah, o filme do Richard Brooks! Ah, o Peter O'Toole como Lord Jim! A simples leitura de Platero e Eu me permitiu todas essas pontes. É, ou não, motivo para ter ficado em estado de graça? E eu ainda havia entrevistado Hilary Swank! Meu Eisentein! Que viva México!

São Paulo, de volta! Foi um vôo tranqüilo, da AeroMéxico. Estou de volta aos acentos, aos circunflexos e aos 'tis'. (Em 60 anos de vida, nunca tentei escrever o plural de til - será isso mesmo?). Enfim, eu voltei, como diz a canção do Roberto Carlos e no vôo encontrei um monte de brasileiros que também regressavam do Festival de Guadalajara. Selton Melo estava feliz da vida com o prêmio de melhor ator, que recebeu por O Cheiro do Ralo. Também viajaram Tata Amaral, Leon Cakoff e Marcelo Masagão. Maravilha! Preciso contar o que para mim foi uma intensa experiência pessoal. No aeroporto da Cidade do México, talvez influenciado por tudo o que li sobre o 4º Congresso da Língua Espanhola, em Cartagena, cedi a um impulso e comprei Plastero y Yo. Havia lido o livro do Juan Ramón Jimenez bem novinho, logo depois que ele ganhou (em 1956) o Nobel de Literatura. Platero e Eu foi lançado pela Editora Globo, acho que na Coleção Catavento, mas não me lembro de quem era a tradução. Talvez de Mário Quintana, pois é preciso um grande poeta para transcodificar, para outro idioma, a riqueza e sutileza de Jimenez. Platero e Eu é considerado a obra-prima da prosa poética ou da poesia em prosa da língua espanhola. O próprio Jimenez chamou-o de Elegia Andaluza. Conta a história do Poeta que viaja ao tempo de sua infância em busca do burrico que foi seu companheiro. Platero e Eu não é um livro infantil e, na verdade, ao longo de 60 capítulos curtos (média de uma página, a maioria menos), JRJ fala de tudo. A dor, o sofrimento, a alegria. A vida! Platero é humanizado e é pelos olhos dele que o Poeta vê a condição humana, em sua grandeza e fragilidade. Capítulos como o de Lord, o cachorro que enlouquece e é sacrificado, e os vários anjos - o menino tonto, a garota da janela -, que morrem e vão para o céu, beiram o sublime. Mas eu gostei de ter comprado Platero e Eu - acho que foi uma coisa inconsciente, não sei -, porque fiz uma descoberta que me encantou. O Nobel deu grande exposição a JRJ. Não que ele já não desfrutasse antes da fama de ser um grande poeta e escritor. Mas em 1966, dez anos depois do prêmio da Academia Sueca - na verdade, acho que 11, pois me parece que o filme é de 1967 , Robert Bresson fez Au Hasard Balthasar, usando outro burro para expressar o tema humano da graça. Balthasar chamou-se, no Brasil, A Grande Testemunha. O burro é a grande testemunha dessa humanidade que erra e sofre e busca ascender à Graça pela via da incomunicação extrema. Só assim Bresson acreditava que era possível atingir a transcendência. Antes, ele havia feito Mouchette, a Virgem Possuída, sobre a garota que vivia como um pássaro engaiolado no mundo hostil dos homens e, no final, leva seu desgosto ao suicídio, caindo no lago para ascender ao céu. Balthasar também tem uma menina, vista pelo olho do burro, e ela é outra Mouchette sofredora. No fim, é o burro que morre, no campo, numa cena de um despojamento que toca a genialidade. Sempre achei que a origem de Balthasar, como a de Mouchette (pois se trata, este último, de uma adaptação), fosse a literatura de Georges Bernanos, escritor católico ao qual Bresson era muito chegado. O burro é o Cristo de Bresson, como sabe qualquer cinéfilo de carteirinha. Pois agora estou em dúvida. Fiquei convencido de que Bresson leu JRJ e há mais Platero do que Bernanos em Balthasar do que jamais sonhou a minha vã filosofia. Viajei! A 10 mil metros de altura, tive essa revelação. Se olhasse pela janela do avião, tinha a impressão de que Platero estaria ali, fofo como uma nivem (que é como o Poeta o define). Só gostaria que vocês lessem Platero e Eu, vissem Balthasar em DVD e tivessem a mesma (boa) vertigem que tive. A arte é uma coisa maravilhosa. Nos ilumina. Faz com que a gente descubra coisas que nem imagina. O derradeiro capítulo, Para Platero no Céu de Moguer - a cidade em que nasceu JRJ -, é a suprema fusão da poesia e da prosa. E quando JRJ fala da perda de Platero e do que representou para o Poeta (ele), o que me veio aí não foi mais Bresson, mas Joseph Conrad, o final de Lord Jim, este sim, traduzido por Mário Quintana. Sou meio dado a exageros, mas em toda a literatura, se tivesse de escolher uma página, seria o finalzinho de Lord Jim, quando o herói se purga da sua experiência no Patna e vive sua segunda chance, desaparecendo numa nuvem, como mito. Ah, o filme do Richard Brooks! Ah, o Peter O'Toole como Lord Jim! A simples leitura de Platero e Eu me permitiu todas essas pontes. É, ou não, motivo para ter ficado em estado de graça? E eu ainda havia entrevistado Hilary Swank! Meu Eisentein! Que viva México!

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