Uma geléia geral a partir do cinema

Nasce um crítico (na série Vidas negras importam): A necessidade de respirar


Comentava com meus queridos amigos Anna Luiza Müller e George Moura a onda de protestos que varre o mundo, BLM, Black Lives Matter - ou Vidas Negras Importam. Como mãe coruja, Anna me falou que o filho deles, o João, havia escrito um texto sobre o Faça Coisa Certa, à luz desse momento. Leitores do blog sabem quanto amo o Spike Lee, e esse filme, em particular. Wim Wenders, que presidia o júri de Cannes em 1989, viu o futuro do cinema em sexo, mentiras e videotape, de Steven Soderbergh, que também concorria, e deixou de premiar o Spike Lee. O filme não levou nada. Wenders está tendo tempo de revisar sua escolha. Anna me enviou o texto do João, eu li, me emocionei - e até chorei. Pedi para publicar no blog, e disse que ia colocar como título 'nasce um crítico'. Não vou dizer que o João tem futuro na crítica. Com esse olhar, e sintonizado com o estado do mundo, ele já é o presente. Vamos ao texto, e só me desculpo por não acrescentar as fotos que acompanhavam a crítica.

Por Luiz Carlos Merten

A terrível atualidade de "Faça a Coisa Certa" Em maio de 1989 chegava aos cinemas o longa-metragem "Faça a Coisa Certa", do diretor americano Spike Lee. Contrariando a forma narrativa hollywoodiana e o modelo de produção dos grandes estúdios norte-americanos, o diretor lançava um filme independente em que os negros não se encaixavam nos nocivos estereótipos da época, e, os Estados Unidos não era o país das oportunidades iguais. Lee tinha apenas 37 anos. A multitrama [1], com mais de 20 indicações a prêmios, dramatiza uma história que ocorre no dia mais quente do ano no bairro do Brooklyn, onde diferentes culturas vivem de maneira dissimétrica, beirando a intolerância. Durante o filme, Lee mergulha seus espectadores nesse 'dia de cão' [2] e introduz diversos personagens icônicos, profundos e repletos de simbolismo. Mookie, um entregador de pizza interpretado pelo próprio diretor, aos 25 anos, sem grandes planos para sua vida, tem um filho e mora no apartamento da irmã, Jade, que curiosamente é interpretada por Jodie Lee, irmã do diretor na vida real. Há também, Da Mayor, um amigável bêbado que perambula pelas ruas do filme alertando aos transeuntes e repetindo a máxima: "Sempre faça a coisa certa!''. Os conflitos e a temperatura daquele dia de verão aumentam exponencialmente e culminam em um grande confronto entre o personagem Radio Raheem e Sal. Raheen é um jovem negro que anda com seu rádio no último volume tocando Public Enemy [3], e Sal é um homem branco de idade dono da pizzaria onde o personagem de Spike Lee trabalha. Radio Raheem, junto de dois amigos, vão à pizzaria de Sal, ao final do dia, expressar o inconformismo com o fato de que, mesmo com grande parte dos frequentadores da pizzaria sendo negros e hispânicos, Sal só tem fotos de ítalo-americanos expostas nas paredes do restaurante. Com os ânimos exaltados devido ao dia de calor e a música de Public Enemy extremamente alta, a cobrança se transforma num confronto, Sal perde o controle e tem uma reação violenta. A briga se estende para fora da pizzaria, chamando atenção dos moradores do bairro, que, rapidamente se aglomeram para presenciar o embate. No meio do caos, a polícia aparece, e, não por coincidência avança para cima, apenas, dos jovens negros envolvidos na disputa. Radio Raheem, puxado por um dos policiais começa a ser estrangulado. Sentido o ar cada vez mais escasso, Raheen para de oferecer resistência. As testemunhas que acompanhavam a cena de perto gritavam: "ele não consegue respirar". Radio Raheem é estrangulado até a morte pelo policial. Inconformados com a injustiça, os moradores do bairro, em forma de manifesto, tocam fogo na pizzaria de Sal, enquanto repetidamente gritavam palavras de ordem. Avancemos, apenas no sentido cronológico, 31 anos. Dia 29 de Maio de 2020, George Floyd, 46 anos, negro, foi morto e asfixiado por um policial, branco, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Tudo começou quando o dono de uma loja de conveniências fez uma ligação à polícia, alegando que Floyd teria comprado um maço de cigarros com uma nota falsa. Derick Chauvin, um dos policias presentes, na tentativa de conduzir Floyd a delegacia, permaneceu com o joelho em cima da cabeça dele por aproximadamente nove minutos. Floyd, algemado, durante cinco minutos, implorou por sua vida, repetindo diversas vezes: "não consigo respirar". Nos três minutos finais da ação brutal de Derick, Floyd não mostrava sinais de vida. Ao lado dele, os outros policiais afirmavam não conseguir achar o pulso, e, pedestres que acompanhavam o acontecimento gritavam: "ele está morrendo". Após a injusta morte de George Floyd, protestos emergiram no Estados Unidos. Em Minneapolis, cidadãos inconformados com tamanha brutalidade e descaso pela vida, atiçaram fogo na delegacia onde Derick Chauvin trabalhava. "Pior do que uma história que se repete, é uma história que não se muda". Como revela o filme de Spike Lee, o assassinato em massa de negros pela polícia não é de hoje, e não está perto do fim. Diariamente a história se repete e a polícia segue assassinando pessoas negras. Em tempos de governos sem políticas de incentivo a arte e a assustadora constância de atrocidades como o caso de George Floyd, é importante lembrar que o cinema é arte, a arte é um reflexo da essência humana, e se ouvíssemos mais os artistas, talvez, pudéssemos caminhar em direção a um mundo melhor, onde a cor da pele não seja a razão pela qual inocentes sejam assassinados. Viva o cinema. Viva George Floyd e todas as vidas injustamente tiradas pela polícia.

João M. Moura, de 18 anos, é estudante.

[1] Entende-se como, uma variação da forma narrativa cinematográfica, que conta com mais de um personagem principal. [2] Em inglês ´dog day' é um dia de temperaturas extremamente altas. [3] Um grupo de hip-hop norte-americano formado em 1982. Public Enemy é conhecida por suas letras politicamente carregadas com um interesse ativo nas frustrações e preocupações da comunidade afro-americana.

A terrível atualidade de "Faça a Coisa Certa" Em maio de 1989 chegava aos cinemas o longa-metragem "Faça a Coisa Certa", do diretor americano Spike Lee. Contrariando a forma narrativa hollywoodiana e o modelo de produção dos grandes estúdios norte-americanos, o diretor lançava um filme independente em que os negros não se encaixavam nos nocivos estereótipos da época, e, os Estados Unidos não era o país das oportunidades iguais. Lee tinha apenas 37 anos. A multitrama [1], com mais de 20 indicações a prêmios, dramatiza uma história que ocorre no dia mais quente do ano no bairro do Brooklyn, onde diferentes culturas vivem de maneira dissimétrica, beirando a intolerância. Durante o filme, Lee mergulha seus espectadores nesse 'dia de cão' [2] e introduz diversos personagens icônicos, profundos e repletos de simbolismo. Mookie, um entregador de pizza interpretado pelo próprio diretor, aos 25 anos, sem grandes planos para sua vida, tem um filho e mora no apartamento da irmã, Jade, que curiosamente é interpretada por Jodie Lee, irmã do diretor na vida real. Há também, Da Mayor, um amigável bêbado que perambula pelas ruas do filme alertando aos transeuntes e repetindo a máxima: "Sempre faça a coisa certa!''. Os conflitos e a temperatura daquele dia de verão aumentam exponencialmente e culminam em um grande confronto entre o personagem Radio Raheem e Sal. Raheen é um jovem negro que anda com seu rádio no último volume tocando Public Enemy [3], e Sal é um homem branco de idade dono da pizzaria onde o personagem de Spike Lee trabalha. Radio Raheem, junto de dois amigos, vão à pizzaria de Sal, ao final do dia, expressar o inconformismo com o fato de que, mesmo com grande parte dos frequentadores da pizzaria sendo negros e hispânicos, Sal só tem fotos de ítalo-americanos expostas nas paredes do restaurante. Com os ânimos exaltados devido ao dia de calor e a música de Public Enemy extremamente alta, a cobrança se transforma num confronto, Sal perde o controle e tem uma reação violenta. A briga se estende para fora da pizzaria, chamando atenção dos moradores do bairro, que, rapidamente se aglomeram para presenciar o embate. No meio do caos, a polícia aparece, e, não por coincidência avança para cima, apenas, dos jovens negros envolvidos na disputa. Radio Raheem, puxado por um dos policiais começa a ser estrangulado. Sentido o ar cada vez mais escasso, Raheen para de oferecer resistência. As testemunhas que acompanhavam a cena de perto gritavam: "ele não consegue respirar". Radio Raheem é estrangulado até a morte pelo policial. Inconformados com a injustiça, os moradores do bairro, em forma de manifesto, tocam fogo na pizzaria de Sal, enquanto repetidamente gritavam palavras de ordem. Avancemos, apenas no sentido cronológico, 31 anos. Dia 29 de Maio de 2020, George Floyd, 46 anos, negro, foi morto e asfixiado por um policial, branco, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Tudo começou quando o dono de uma loja de conveniências fez uma ligação à polícia, alegando que Floyd teria comprado um maço de cigarros com uma nota falsa. Derick Chauvin, um dos policias presentes, na tentativa de conduzir Floyd a delegacia, permaneceu com o joelho em cima da cabeça dele por aproximadamente nove minutos. Floyd, algemado, durante cinco minutos, implorou por sua vida, repetindo diversas vezes: "não consigo respirar". Nos três minutos finais da ação brutal de Derick, Floyd não mostrava sinais de vida. Ao lado dele, os outros policiais afirmavam não conseguir achar o pulso, e, pedestres que acompanhavam o acontecimento gritavam: "ele está morrendo". Após a injusta morte de George Floyd, protestos emergiram no Estados Unidos. Em Minneapolis, cidadãos inconformados com tamanha brutalidade e descaso pela vida, atiçaram fogo na delegacia onde Derick Chauvin trabalhava. "Pior do que uma história que se repete, é uma história que não se muda". Como revela o filme de Spike Lee, o assassinato em massa de negros pela polícia não é de hoje, e não está perto do fim. Diariamente a história se repete e a polícia segue assassinando pessoas negras. Em tempos de governos sem políticas de incentivo a arte e a assustadora constância de atrocidades como o caso de George Floyd, é importante lembrar que o cinema é arte, a arte é um reflexo da essência humana, e se ouvíssemos mais os artistas, talvez, pudéssemos caminhar em direção a um mundo melhor, onde a cor da pele não seja a razão pela qual inocentes sejam assassinados. Viva o cinema. Viva George Floyd e todas as vidas injustamente tiradas pela polícia.

João M. Moura, de 18 anos, é estudante.

[1] Entende-se como, uma variação da forma narrativa cinematográfica, que conta com mais de um personagem principal. [2] Em inglês ´dog day' é um dia de temperaturas extremamente altas. [3] Um grupo de hip-hop norte-americano formado em 1982. Public Enemy é conhecida por suas letras politicamente carregadas com um interesse ativo nas frustrações e preocupações da comunidade afro-americana.

A terrível atualidade de "Faça a Coisa Certa" Em maio de 1989 chegava aos cinemas o longa-metragem "Faça a Coisa Certa", do diretor americano Spike Lee. Contrariando a forma narrativa hollywoodiana e o modelo de produção dos grandes estúdios norte-americanos, o diretor lançava um filme independente em que os negros não se encaixavam nos nocivos estereótipos da época, e, os Estados Unidos não era o país das oportunidades iguais. Lee tinha apenas 37 anos. A multitrama [1], com mais de 20 indicações a prêmios, dramatiza uma história que ocorre no dia mais quente do ano no bairro do Brooklyn, onde diferentes culturas vivem de maneira dissimétrica, beirando a intolerância. Durante o filme, Lee mergulha seus espectadores nesse 'dia de cão' [2] e introduz diversos personagens icônicos, profundos e repletos de simbolismo. Mookie, um entregador de pizza interpretado pelo próprio diretor, aos 25 anos, sem grandes planos para sua vida, tem um filho e mora no apartamento da irmã, Jade, que curiosamente é interpretada por Jodie Lee, irmã do diretor na vida real. Há também, Da Mayor, um amigável bêbado que perambula pelas ruas do filme alertando aos transeuntes e repetindo a máxima: "Sempre faça a coisa certa!''. Os conflitos e a temperatura daquele dia de verão aumentam exponencialmente e culminam em um grande confronto entre o personagem Radio Raheem e Sal. Raheen é um jovem negro que anda com seu rádio no último volume tocando Public Enemy [3], e Sal é um homem branco de idade dono da pizzaria onde o personagem de Spike Lee trabalha. Radio Raheem, junto de dois amigos, vão à pizzaria de Sal, ao final do dia, expressar o inconformismo com o fato de que, mesmo com grande parte dos frequentadores da pizzaria sendo negros e hispânicos, Sal só tem fotos de ítalo-americanos expostas nas paredes do restaurante. Com os ânimos exaltados devido ao dia de calor e a música de Public Enemy extremamente alta, a cobrança se transforma num confronto, Sal perde o controle e tem uma reação violenta. A briga se estende para fora da pizzaria, chamando atenção dos moradores do bairro, que, rapidamente se aglomeram para presenciar o embate. No meio do caos, a polícia aparece, e, não por coincidência avança para cima, apenas, dos jovens negros envolvidos na disputa. Radio Raheem, puxado por um dos policiais começa a ser estrangulado. Sentido o ar cada vez mais escasso, Raheen para de oferecer resistência. As testemunhas que acompanhavam a cena de perto gritavam: "ele não consegue respirar". Radio Raheem é estrangulado até a morte pelo policial. Inconformados com a injustiça, os moradores do bairro, em forma de manifesto, tocam fogo na pizzaria de Sal, enquanto repetidamente gritavam palavras de ordem. Avancemos, apenas no sentido cronológico, 31 anos. Dia 29 de Maio de 2020, George Floyd, 46 anos, negro, foi morto e asfixiado por um policial, branco, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Tudo começou quando o dono de uma loja de conveniências fez uma ligação à polícia, alegando que Floyd teria comprado um maço de cigarros com uma nota falsa. Derick Chauvin, um dos policias presentes, na tentativa de conduzir Floyd a delegacia, permaneceu com o joelho em cima da cabeça dele por aproximadamente nove minutos. Floyd, algemado, durante cinco minutos, implorou por sua vida, repetindo diversas vezes: "não consigo respirar". Nos três minutos finais da ação brutal de Derick, Floyd não mostrava sinais de vida. Ao lado dele, os outros policiais afirmavam não conseguir achar o pulso, e, pedestres que acompanhavam o acontecimento gritavam: "ele está morrendo". Após a injusta morte de George Floyd, protestos emergiram no Estados Unidos. Em Minneapolis, cidadãos inconformados com tamanha brutalidade e descaso pela vida, atiçaram fogo na delegacia onde Derick Chauvin trabalhava. "Pior do que uma história que se repete, é uma história que não se muda". Como revela o filme de Spike Lee, o assassinato em massa de negros pela polícia não é de hoje, e não está perto do fim. Diariamente a história se repete e a polícia segue assassinando pessoas negras. Em tempos de governos sem políticas de incentivo a arte e a assustadora constância de atrocidades como o caso de George Floyd, é importante lembrar que o cinema é arte, a arte é um reflexo da essência humana, e se ouvíssemos mais os artistas, talvez, pudéssemos caminhar em direção a um mundo melhor, onde a cor da pele não seja a razão pela qual inocentes sejam assassinados. Viva o cinema. Viva George Floyd e todas as vidas injustamente tiradas pela polícia.

João M. Moura, de 18 anos, é estudante.

[1] Entende-se como, uma variação da forma narrativa cinematográfica, que conta com mais de um personagem principal. [2] Em inglês ´dog day' é um dia de temperaturas extremamente altas. [3] Um grupo de hip-hop norte-americano formado em 1982. Public Enemy é conhecida por suas letras politicamente carregadas com um interesse ativo nas frustrações e preocupações da comunidade afro-americana.

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