Cinema, cultura & afins

Opinião|A pseudo transgressão de 'Babygirl'


Por Luiz Zanin Oricchio
 

 

Uma mulher poderosa alimenta a fantasia de submissão na hora do sexo. A mulher é Nicole Kidman, sua personagem chama-se Romy, CEO de uma grande empresa, casada com um dramaturgo (Antonio Banderas). Babygirl é dirigido pela holandesa Halina Reijn e pretende lançar um olhar feminino sobre o desejo de uma mulher.

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Não deixa de ser um paradoxo interessante. Numa época de "empoderamento" (que palavra!) feminino, uma cineasta busca descobrir por que a fantasia de ser dominada pode ter valor erótico para uma mulher situada no topo da pirâmide social. 

Ponto de partida interessante. De modo geral, no cinema, esses paradoxos da sexualidade feminina foram vistos por olhos masculinos em filmes como Nove e Meia Semanas de Amor (Adrian Lyne) ou Ninfomaníaca (1 e 2) (Lars von Trier). 

Freud falava da mulher como o "continente negro da psicanálise". Sua pergunta é famosa e, para sua sorte, foi formulada antes do domínio do politicamente correto: "O que quer uma mulher?". Lacan retomou o tema da sexualidade feminina e seu mistério em várias ocasiões, em particular no seminário Encore (Ainda), nas quais, entre outras coisas, associa o gozo feminino ao êxtase religioso (como em Santa Tereza).

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Agora, com Babygirl, teríamos o ponto de vista feminino. Seguindo o filme, aparentemente o personagem de Banderas nada sabe sobre os caminhos do desejo de sua mulher. Ela finge orgasmo, mas depois vai se satisfazer com um vídeo pornô. Mas um jovem estagiário (Harris Dickinson) da empresa onde ela reina parece saber de tudo. Dá-se então início a uma história erótica envolvendo uma mulher de meia idade, casada e mãe de filhas adultas, e um jovem com pinta de arrivista que logo descobre o ponto sensível de sua a princípio relutante parceira. 

Jogo perigoso, não apenas pela circunstância familiar da protagonista mas por sua situação profissional. Afinal, ela se envolve num jogo de submissão com um parceiro a ela submetido na hierarquia corporativa. Uma contradição interessante, ainda mais em nossos tempos. 

Essa dupla situação permite à cineasta abordar a questão sexual, mas a ela somar temas contemporâneos que não podem faltar - a possibilidade de cancelamento por acusação de assédio, a ascensão profissional de minorias, etc. Com direito a desfechos edificantes que desfazem qualquer dúvida sobre a emancipação final da personagem e permitem a redenção familiar por meio do gozo redescoberto com o cônjuge legítimo. Afinal, a família é a célula mater da sociedade, etc. 

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Um filme pseudo transgressivo, como se vê. Como existe o temor de entrar para valer em território perigoso, cerca-se de salvaguardas tanto narrativas como estéticas - tudo é limpinho, de bom gosto, fashion mesmo. As cenas de sexo, que a se acreditar em algumas "críticas" seriam explosivas, atenuam-se numa coreografia domesticada. Ninguém se expõe em demasia. E muito menos Nicole Kidman.

Tudo somado, Babygirl me pareceu inócuo como proposta e tedioso como cinema. Li algumas críticas generosas que tentam salvá-lo de suas óbvias contradições dizendo se tratar de uma paródia dos filmes anteriores sobre a sexualidade feminina. Não me pareceu paródico, não. Acho que se leva bem a sério. E, por isso mesmo, tem momentos de ridículo profundo, que levam a plateia ao riso. Foi o que presenciei, numa sessão em sala comercial, com algumas cenas provocando risadas, em especial entre o público feminino lá presente. Uma comédia involuntária. 

 

 

 

Uma mulher poderosa alimenta a fantasia de submissão na hora do sexo. A mulher é Nicole Kidman, sua personagem chama-se Romy, CEO de uma grande empresa, casada com um dramaturgo (Antonio Banderas). Babygirl é dirigido pela holandesa Halina Reijn e pretende lançar um olhar feminino sobre o desejo de uma mulher.

Não deixa de ser um paradoxo interessante. Numa época de "empoderamento" (que palavra!) feminino, uma cineasta busca descobrir por que a fantasia de ser dominada pode ter valor erótico para uma mulher situada no topo da pirâmide social. 

Ponto de partida interessante. De modo geral, no cinema, esses paradoxos da sexualidade feminina foram vistos por olhos masculinos em filmes como Nove e Meia Semanas de Amor (Adrian Lyne) ou Ninfomaníaca (1 e 2) (Lars von Trier). 

Freud falava da mulher como o "continente negro da psicanálise". Sua pergunta é famosa e, para sua sorte, foi formulada antes do domínio do politicamente correto: "O que quer uma mulher?". Lacan retomou o tema da sexualidade feminina e seu mistério em várias ocasiões, em particular no seminário Encore (Ainda), nas quais, entre outras coisas, associa o gozo feminino ao êxtase religioso (como em Santa Tereza).

Agora, com Babygirl, teríamos o ponto de vista feminino. Seguindo o filme, aparentemente o personagem de Banderas nada sabe sobre os caminhos do desejo de sua mulher. Ela finge orgasmo, mas depois vai se satisfazer com um vídeo pornô. Mas um jovem estagiário (Harris Dickinson) da empresa onde ela reina parece saber de tudo. Dá-se então início a uma história erótica envolvendo uma mulher de meia idade, casada e mãe de filhas adultas, e um jovem com pinta de arrivista que logo descobre o ponto sensível de sua a princípio relutante parceira. 

Jogo perigoso, não apenas pela circunstância familiar da protagonista mas por sua situação profissional. Afinal, ela se envolve num jogo de submissão com um parceiro a ela submetido na hierarquia corporativa. Uma contradição interessante, ainda mais em nossos tempos. 

Essa dupla situação permite à cineasta abordar a questão sexual, mas a ela somar temas contemporâneos que não podem faltar - a possibilidade de cancelamento por acusação de assédio, a ascensão profissional de minorias, etc. Com direito a desfechos edificantes que desfazem qualquer dúvida sobre a emancipação final da personagem e permitem a redenção familiar por meio do gozo redescoberto com o cônjuge legítimo. Afinal, a família é a célula mater da sociedade, etc. 

Um filme pseudo transgressivo, como se vê. Como existe o temor de entrar para valer em território perigoso, cerca-se de salvaguardas tanto narrativas como estéticas - tudo é limpinho, de bom gosto, fashion mesmo. As cenas de sexo, que a se acreditar em algumas "críticas" seriam explosivas, atenuam-se numa coreografia domesticada. Ninguém se expõe em demasia. E muito menos Nicole Kidman.

Tudo somado, Babygirl me pareceu inócuo como proposta e tedioso como cinema. Li algumas críticas generosas que tentam salvá-lo de suas óbvias contradições dizendo se tratar de uma paródia dos filmes anteriores sobre a sexualidade feminina. Não me pareceu paródico, não. Acho que se leva bem a sério. E, por isso mesmo, tem momentos de ridículo profundo, que levam a plateia ao riso. Foi o que presenciei, numa sessão em sala comercial, com algumas cenas provocando risadas, em especial entre o público feminino lá presente. Uma comédia involuntária. 

 

 

 

Uma mulher poderosa alimenta a fantasia de submissão na hora do sexo. A mulher é Nicole Kidman, sua personagem chama-se Romy, CEO de uma grande empresa, casada com um dramaturgo (Antonio Banderas). Babygirl é dirigido pela holandesa Halina Reijn e pretende lançar um olhar feminino sobre o desejo de uma mulher.

Não deixa de ser um paradoxo interessante. Numa época de "empoderamento" (que palavra!) feminino, uma cineasta busca descobrir por que a fantasia de ser dominada pode ter valor erótico para uma mulher situada no topo da pirâmide social. 

Ponto de partida interessante. De modo geral, no cinema, esses paradoxos da sexualidade feminina foram vistos por olhos masculinos em filmes como Nove e Meia Semanas de Amor (Adrian Lyne) ou Ninfomaníaca (1 e 2) (Lars von Trier). 

Freud falava da mulher como o "continente negro da psicanálise". Sua pergunta é famosa e, para sua sorte, foi formulada antes do domínio do politicamente correto: "O que quer uma mulher?". Lacan retomou o tema da sexualidade feminina e seu mistério em várias ocasiões, em particular no seminário Encore (Ainda), nas quais, entre outras coisas, associa o gozo feminino ao êxtase religioso (como em Santa Tereza).

Agora, com Babygirl, teríamos o ponto de vista feminino. Seguindo o filme, aparentemente o personagem de Banderas nada sabe sobre os caminhos do desejo de sua mulher. Ela finge orgasmo, mas depois vai se satisfazer com um vídeo pornô. Mas um jovem estagiário (Harris Dickinson) da empresa onde ela reina parece saber de tudo. Dá-se então início a uma história erótica envolvendo uma mulher de meia idade, casada e mãe de filhas adultas, e um jovem com pinta de arrivista que logo descobre o ponto sensível de sua a princípio relutante parceira. 

Jogo perigoso, não apenas pela circunstância familiar da protagonista mas por sua situação profissional. Afinal, ela se envolve num jogo de submissão com um parceiro a ela submetido na hierarquia corporativa. Uma contradição interessante, ainda mais em nossos tempos. 

Essa dupla situação permite à cineasta abordar a questão sexual, mas a ela somar temas contemporâneos que não podem faltar - a possibilidade de cancelamento por acusação de assédio, a ascensão profissional de minorias, etc. Com direito a desfechos edificantes que desfazem qualquer dúvida sobre a emancipação final da personagem e permitem a redenção familiar por meio do gozo redescoberto com o cônjuge legítimo. Afinal, a família é a célula mater da sociedade, etc. 

Um filme pseudo transgressivo, como se vê. Como existe o temor de entrar para valer em território perigoso, cerca-se de salvaguardas tanto narrativas como estéticas - tudo é limpinho, de bom gosto, fashion mesmo. As cenas de sexo, que a se acreditar em algumas "críticas" seriam explosivas, atenuam-se numa coreografia domesticada. Ninguém se expõe em demasia. E muito menos Nicole Kidman.

Tudo somado, Babygirl me pareceu inócuo como proposta e tedioso como cinema. Li algumas críticas generosas que tentam salvá-lo de suas óbvias contradições dizendo se tratar de uma paródia dos filmes anteriores sobre a sexualidade feminina. Não me pareceu paródico, não. Acho que se leva bem a sério. E, por isso mesmo, tem momentos de ridículo profundo, que levam a plateia ao riso. Foi o que presenciei, numa sessão em sala comercial, com algumas cenas provocando risadas, em especial entre o público feminino lá presente. Uma comédia involuntária. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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