Cinema, cultura & afins

Opinião|'Café com Canela' ou o Brasil que poderíamos ser


Filme rodado no Recôncavo baiano, com elenco predominantemente afro-descendente, mostra uma sociedade amável e solidária, diferente do bangue-bangue polarizado atual

Por Luiz Zanin Oricchio
 Foto: Estadão

 

Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, é, de fato e para valer, um "filme de afeto", uma espécie de doce rapsódia baiana ambientada no Recôncavo. Em particular, na cidade de Cachoeira, mas também São Félix e Muritiba, onde um grupo de personagens nos faz sonhar com aquela Bahia mítica, dos relacionamentos calorosos, da bondade, da graça.

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Na trama, em meio à vida cotidiana, insinua-se uma antiga relação. A ex-professora Margarida (Valdineia Soriano) vive isolada em São Félix, abatida por uma perda que não consegue assimilar. Sua ex-aluna Violeta (Aline Brunne) casou-se, vive com o marido e filhos, é feliz e cheia de energia. Um dia reconhece a antiga mestra e decide reatar o relacionamento.

O filme funciona com base em pequenos relacionamentos e encontros. Tem seus toques de humor e alegria e tristeza - como acontece na vida cotidiana. Mas exibe aquela proximidade entre as gentes que se associa a um Brasil mais humano, menos mecanizado e cruel como o atual, nas grandes cidades.

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Aqui, pelo contrário, temos uma pequena comunidade, com laços de afetividade muito fortes, e cuja base de tradição é "afro-barroca", como definem seus diretores. Que, aliás, são mineiros, fizeram faculdade no Recôncavo e se apaixonaram pela região. Todos os protagonistas são interpretados por atores e atrizes afrodescendentes.

Como curiosidade, vemos Babu Santana (dos filmes de Ugo Giorgetti, Mundo Cão e Tim Maia) em seu primeiro personagem gay, o delicado médico Dr. Ivan, que vive com um homem mais velho, Adolfo, um ex-agente de viagens.

Os diretores, em seu longa de estreia, optam por uma narrativa feita de tempos longos. O começo é um tanto precário e simula uma gravação em VHS. Esse início tem função na narrativa, mas, como se alonga demais, esta demora a engrenar. Mas logo depois imergimos no cotidiano dos personagens e dele não nos desgarramos mais.

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É, como disse, um verdadeiro filme de afetos, em que as demonstrações de emoção nos parecem de fato calorosas e plenas de sentido. Algumas cenas, como a neta cuidando da avó enferma, ou a ex-aluna tentando salvar sua antiga professora de um luto sem remissão, ficam na memória. Assim como o comovente ato de uma mãe que, por fim, desmonta o quarto do filho morto.

Pode-se gostar mais ou menos desta ou daquela sequência. Mas é mesmo o conjunto que se infiltra em nosso imaginário de maneira concreta. E nos faz pensar no país que poderíamos ter e não neste que de fato temos.

Café com Canela, filme que louva a vida com todas as suas imperfeições, também é imperfeito, porém cheio de vitalidade.

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  • Este texto repete, em sua essência, as observações que fiz sobre o filme quando apresentado ano passado no Festival de Brasília.

 Foto: Estadão

 

Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, é, de fato e para valer, um "filme de afeto", uma espécie de doce rapsódia baiana ambientada no Recôncavo. Em particular, na cidade de Cachoeira, mas também São Félix e Muritiba, onde um grupo de personagens nos faz sonhar com aquela Bahia mítica, dos relacionamentos calorosos, da bondade, da graça.

Na trama, em meio à vida cotidiana, insinua-se uma antiga relação. A ex-professora Margarida (Valdineia Soriano) vive isolada em São Félix, abatida por uma perda que não consegue assimilar. Sua ex-aluna Violeta (Aline Brunne) casou-se, vive com o marido e filhos, é feliz e cheia de energia. Um dia reconhece a antiga mestra e decide reatar o relacionamento.

O filme funciona com base em pequenos relacionamentos e encontros. Tem seus toques de humor e alegria e tristeza - como acontece na vida cotidiana. Mas exibe aquela proximidade entre as gentes que se associa a um Brasil mais humano, menos mecanizado e cruel como o atual, nas grandes cidades.

Aqui, pelo contrário, temos uma pequena comunidade, com laços de afetividade muito fortes, e cuja base de tradição é "afro-barroca", como definem seus diretores. Que, aliás, são mineiros, fizeram faculdade no Recôncavo e se apaixonaram pela região. Todos os protagonistas são interpretados por atores e atrizes afrodescendentes.

Como curiosidade, vemos Babu Santana (dos filmes de Ugo Giorgetti, Mundo Cão e Tim Maia) em seu primeiro personagem gay, o delicado médico Dr. Ivan, que vive com um homem mais velho, Adolfo, um ex-agente de viagens.

Os diretores, em seu longa de estreia, optam por uma narrativa feita de tempos longos. O começo é um tanto precário e simula uma gravação em VHS. Esse início tem função na narrativa, mas, como se alonga demais, esta demora a engrenar. Mas logo depois imergimos no cotidiano dos personagens e dele não nos desgarramos mais.

É, como disse, um verdadeiro filme de afetos, em que as demonstrações de emoção nos parecem de fato calorosas e plenas de sentido. Algumas cenas, como a neta cuidando da avó enferma, ou a ex-aluna tentando salvar sua antiga professora de um luto sem remissão, ficam na memória. Assim como o comovente ato de uma mãe que, por fim, desmonta o quarto do filho morto.

Pode-se gostar mais ou menos desta ou daquela sequência. Mas é mesmo o conjunto que se infiltra em nosso imaginário de maneira concreta. E nos faz pensar no país que poderíamos ter e não neste que de fato temos.

Café com Canela, filme que louva a vida com todas as suas imperfeições, também é imperfeito, porém cheio de vitalidade.

  • Este texto repete, em sua essência, as observações que fiz sobre o filme quando apresentado ano passado no Festival de Brasília.

 Foto: Estadão

 

Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, é, de fato e para valer, um "filme de afeto", uma espécie de doce rapsódia baiana ambientada no Recôncavo. Em particular, na cidade de Cachoeira, mas também São Félix e Muritiba, onde um grupo de personagens nos faz sonhar com aquela Bahia mítica, dos relacionamentos calorosos, da bondade, da graça.

Na trama, em meio à vida cotidiana, insinua-se uma antiga relação. A ex-professora Margarida (Valdineia Soriano) vive isolada em São Félix, abatida por uma perda que não consegue assimilar. Sua ex-aluna Violeta (Aline Brunne) casou-se, vive com o marido e filhos, é feliz e cheia de energia. Um dia reconhece a antiga mestra e decide reatar o relacionamento.

O filme funciona com base em pequenos relacionamentos e encontros. Tem seus toques de humor e alegria e tristeza - como acontece na vida cotidiana. Mas exibe aquela proximidade entre as gentes que se associa a um Brasil mais humano, menos mecanizado e cruel como o atual, nas grandes cidades.

Aqui, pelo contrário, temos uma pequena comunidade, com laços de afetividade muito fortes, e cuja base de tradição é "afro-barroca", como definem seus diretores. Que, aliás, são mineiros, fizeram faculdade no Recôncavo e se apaixonaram pela região. Todos os protagonistas são interpretados por atores e atrizes afrodescendentes.

Como curiosidade, vemos Babu Santana (dos filmes de Ugo Giorgetti, Mundo Cão e Tim Maia) em seu primeiro personagem gay, o delicado médico Dr. Ivan, que vive com um homem mais velho, Adolfo, um ex-agente de viagens.

Os diretores, em seu longa de estreia, optam por uma narrativa feita de tempos longos. O começo é um tanto precário e simula uma gravação em VHS. Esse início tem função na narrativa, mas, como se alonga demais, esta demora a engrenar. Mas logo depois imergimos no cotidiano dos personagens e dele não nos desgarramos mais.

É, como disse, um verdadeiro filme de afetos, em que as demonstrações de emoção nos parecem de fato calorosas e plenas de sentido. Algumas cenas, como a neta cuidando da avó enferma, ou a ex-aluna tentando salvar sua antiga professora de um luto sem remissão, ficam na memória. Assim como o comovente ato de uma mãe que, por fim, desmonta o quarto do filho morto.

Pode-se gostar mais ou menos desta ou daquela sequência. Mas é mesmo o conjunto que se infiltra em nosso imaginário de maneira concreta. E nos faz pensar no país que poderíamos ter e não neste que de fato temos.

Café com Canela, filme que louva a vida com todas as suas imperfeições, também é imperfeito, porém cheio de vitalidade.

  • Este texto repete, em sua essência, as observações que fiz sobre o filme quando apresentado ano passado no Festival de Brasília.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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