Cinema, cultura & afins

Opinião|Cine Ceará 2022: o tedioso kitsch de A Piedade


Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

FORTALEZA - A Piedade, de Eduardo Casanova - nem deveria perder tempo com este filme. Mas, enfim, estou num festival, como crítico de cinema, ele foi selecionado e aqui está, concorrendo a prêmios. 

O filme põe em cena a relação simbiótica de uma mãe, Lili (Ángela Molina) e seu filho, Mateo (Manel Llanell). O ambiente cênico é ascético, limpo como um hospital, com cores puxadas para o cor-de-rosa, numa artificialidade pesada, kitsch a mais não poder. O vínculo mãe-filho se estreita quando os médicos comprovam que Mateo é portador de uma doença incurável. 

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Entre esse motivo central, há espaços cênicos separados, como o do ex-marido de Lili, que vive com outra mulher. E também cenas da ditadura norte-coreana, numa transposição bastante arbitrária entre o sufocante amor materno e a ligação do povo ao líder autoritário.

Para desenvolver suas teses, o diretor opta por uma estética da crueldade, bastante démodé. É cruel em especial com o espectador, brindado por jatos de vômito trocados entre mãe e filho, uma cirurgia cerebral minuciosamente focada, cenas de crueldade e assassinato de crianças, etc. 

A "estética" é construída de modo a tornar a experiência de assistir ao filme extremamente penosa. Deve-se admitir, nesse ponto ele é muito bem-sucedido. Os 80 minutos custam a passar. Parecem horas, passadas numa câmara de tortura. Cenas desagradáveis mesclam-se a outras, encadeadas em viés de melodrama familiar, numa espécie de estética imitativa sub-almodovariana, mais puxada para o kitsch e infensa a qualquer espécie de sentimento para com os personagens. Dá pena, aliás, ver a grande Angela Molina envolvida em projeto como este. 

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A ideia básica, claro, é chocar. Épater la bourgeoisie, como se dizia na época do surrealismo (anos 1920- e 1930). Tirar o espectador do seu comodismo. Sacudi-lo em sua indiferença. É duvidoso que consiga esse objetivo, até mesmo pelo desgaste da ideia do choque. O próprio Aragon, já naquela época, se queixava a Buñuel: "Luís, ninguém mais se escandaliza com nada". O efeito cumulativo acaba anulando a si próprio. Autodestrói-se, pelo excesso. Enfim, tudo parece bastante infantil, adolescente no máximo, datado, gratuito. Afogamo-nos em tédio ao assistir a esse filme. 

Cobertura completa do 32º Cine Ceará:

https://www.estadao.com.br/cultura/cinema/cine-ceara-comeca-com-mais-filmes-ibero-americanos/

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https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2022-a-emocao-nada-obvia-de-a-filha-do-palhaco/

https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-a-forca-irregular-de-vicenta-b/

https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2022-o-invisivel-filme-inquietante-vindo-do-equador/

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https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2022-inseparaveis-um-pungente-estudo-sobre-a-memoria-e-o-tempo/

https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-o-acidente-de-consequencias-improvaveis/

https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2022-meninos-de-las-brisas-a-musica-e-a-politica/

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https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2022-o-misterio-de-green-grass/

 

 

FORTALEZA - A Piedade, de Eduardo Casanova - nem deveria perder tempo com este filme. Mas, enfim, estou num festival, como crítico de cinema, ele foi selecionado e aqui está, concorrendo a prêmios. 

O filme põe em cena a relação simbiótica de uma mãe, Lili (Ángela Molina) e seu filho, Mateo (Manel Llanell). O ambiente cênico é ascético, limpo como um hospital, com cores puxadas para o cor-de-rosa, numa artificialidade pesada, kitsch a mais não poder. O vínculo mãe-filho se estreita quando os médicos comprovam que Mateo é portador de uma doença incurável. 

Entre esse motivo central, há espaços cênicos separados, como o do ex-marido de Lili, que vive com outra mulher. E também cenas da ditadura norte-coreana, numa transposição bastante arbitrária entre o sufocante amor materno e a ligação do povo ao líder autoritário.

Para desenvolver suas teses, o diretor opta por uma estética da crueldade, bastante démodé. É cruel em especial com o espectador, brindado por jatos de vômito trocados entre mãe e filho, uma cirurgia cerebral minuciosamente focada, cenas de crueldade e assassinato de crianças, etc. 

A "estética" é construída de modo a tornar a experiência de assistir ao filme extremamente penosa. Deve-se admitir, nesse ponto ele é muito bem-sucedido. Os 80 minutos custam a passar. Parecem horas, passadas numa câmara de tortura. Cenas desagradáveis mesclam-se a outras, encadeadas em viés de melodrama familiar, numa espécie de estética imitativa sub-almodovariana, mais puxada para o kitsch e infensa a qualquer espécie de sentimento para com os personagens. Dá pena, aliás, ver a grande Angela Molina envolvida em projeto como este. 

A ideia básica, claro, é chocar. Épater la bourgeoisie, como se dizia na época do surrealismo (anos 1920- e 1930). Tirar o espectador do seu comodismo. Sacudi-lo em sua indiferença. É duvidoso que consiga esse objetivo, até mesmo pelo desgaste da ideia do choque. O próprio Aragon, já naquela época, se queixava a Buñuel: "Luís, ninguém mais se escandaliza com nada". O efeito cumulativo acaba anulando a si próprio. Autodestrói-se, pelo excesso. Enfim, tudo parece bastante infantil, adolescente no máximo, datado, gratuito. Afogamo-nos em tédio ao assistir a esse filme. 

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FORTALEZA - A Piedade, de Eduardo Casanova - nem deveria perder tempo com este filme. Mas, enfim, estou num festival, como crítico de cinema, ele foi selecionado e aqui está, concorrendo a prêmios. 

O filme põe em cena a relação simbiótica de uma mãe, Lili (Ángela Molina) e seu filho, Mateo (Manel Llanell). O ambiente cênico é ascético, limpo como um hospital, com cores puxadas para o cor-de-rosa, numa artificialidade pesada, kitsch a mais não poder. O vínculo mãe-filho se estreita quando os médicos comprovam que Mateo é portador de uma doença incurável. 

Entre esse motivo central, há espaços cênicos separados, como o do ex-marido de Lili, que vive com outra mulher. E também cenas da ditadura norte-coreana, numa transposição bastante arbitrária entre o sufocante amor materno e a ligação do povo ao líder autoritário.

Para desenvolver suas teses, o diretor opta por uma estética da crueldade, bastante démodé. É cruel em especial com o espectador, brindado por jatos de vômito trocados entre mãe e filho, uma cirurgia cerebral minuciosamente focada, cenas de crueldade e assassinato de crianças, etc. 

A "estética" é construída de modo a tornar a experiência de assistir ao filme extremamente penosa. Deve-se admitir, nesse ponto ele é muito bem-sucedido. Os 80 minutos custam a passar. Parecem horas, passadas numa câmara de tortura. Cenas desagradáveis mesclam-se a outras, encadeadas em viés de melodrama familiar, numa espécie de estética imitativa sub-almodovariana, mais puxada para o kitsch e infensa a qualquer espécie de sentimento para com os personagens. Dá pena, aliás, ver a grande Angela Molina envolvida em projeto como este. 

A ideia básica, claro, é chocar. Épater la bourgeoisie, como se dizia na época do surrealismo (anos 1920- e 1930). Tirar o espectador do seu comodismo. Sacudi-lo em sua indiferença. É duvidoso que consiga esse objetivo, até mesmo pelo desgaste da ideia do choque. O próprio Aragon, já naquela época, se queixava a Buñuel: "Luís, ninguém mais se escandaliza com nada". O efeito cumulativo acaba anulando a si próprio. Autodestrói-se, pelo excesso. Enfim, tudo parece bastante infantil, adolescente no máximo, datado, gratuito. Afogamo-nos em tédio ao assistir a esse filme. 

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Para desenvolver suas teses, o diretor opta por uma estética da crueldade, bastante démodé. É cruel em especial com o espectador, brindado por jatos de vômito trocados entre mãe e filho, uma cirurgia cerebral minuciosamente focada, cenas de crueldade e assassinato de crianças, etc. 

A "estética" é construída de modo a tornar a experiência de assistir ao filme extremamente penosa. Deve-se admitir, nesse ponto ele é muito bem-sucedido. Os 80 minutos custam a passar. Parecem horas, passadas numa câmara de tortura. Cenas desagradáveis mesclam-se a outras, encadeadas em viés de melodrama familiar, numa espécie de estética imitativa sub-almodovariana, mais puxada para o kitsch e infensa a qualquer espécie de sentimento para com os personagens. Dá pena, aliás, ver a grande Angela Molina envolvida em projeto como este. 

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É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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