Cinema, cultura & afins

Opinião|Cine PE 2024: Memórias de um Esclerosado


Por Luiz Zanin Oricchio

RECIFE - A sessão de ontem foi punk. Além do ar refrigerado do cinema, de congelar alma de pinguim, uma seleção de curtas de doer - com exceção de Dentro de Mim (Alagoas), de Dayane Teles, que merece menção. O resto, vou te contar...Por sorte, o longa Memórias de um Esclerosado redimiu a programação: muito bem-feito, humorado e emocionante, traz a história do cartunista Rafael Corrêa, portador de esclerose múltipla.

 
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Memórias de um Esclerosado (RS) mostra um artista tentando entender o mundo e a si mesmo, enquanto procura dar conta da evolução de uma doença incontrolável. Como dizia Sartre, não importa o que te aconteça; importa o que você faz com o que te acontece (mais ou menos isso, não tenho tempo de checar a frase literal, mas é a base do existencialismo).

No caso de Rafael, o distanciamento e o humor fazem com que tire sabedoria de sua condição clínica. Vemos o personagem às voltas com médicos, exames, cuidadores, fisioterapeutas, em toda essa rotina de quem padece de uma doença degenerativa. Mas, ao mesmo tempo, o filme vale-se de desenhos do próprio autor, auto-ironizando-se sob a forma de animações. Imagens do passado também interferem, tiradas do arquivo do autor em VHS, quando o vemos mais jovem e saudável, um tipo esportivo e namorador. No contexto, essas imagens voltam sem sombra de melancolia, ou, muito menos, de autopiedade.

Na entrevista, Rafael disse que sua principal preocupação era não fazer um filme do gênero "superação". Não é isso. A condição está dada. "Mas também ela me trouxe uma sabedoria que de outra forma não teria; um verdadeiro poder sobre a minha criação". De fato, quem não conhece seu trabalho fica curioso por saber mais acerca dele. São desenhos ácidos, com sacadas certeiras, às vezes sarcásticas e sintéticas.

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Uma delas refere-se a um episódio da infância, quando maltratou e acabou matando um sapo. No filme, o animal volta para atormentá-lo, de forma antropomorfizada. É como um lembrete ambulante, quase um memento mori: "Você se julga boa pessoa, mas olhe a maldade que fez com este animal". Em outra parte, flagra-se perguntando a si mesmo: "Por que essa doença me pegou e não a esse babaca do meu vizinho?" Para se responder, de bate-pronto: "Você é muito bonzinho, né?, desejando o mal do próximo".

Enfim, um filme muito legal, com personagem incrível, que encontrou, junto com a diretora Thais Fernandes, um formato cinematográfico ideal para esse processo de desnudamento de si que consegue se comunicar com todos nós.

Curta

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O curta que vale a pena comentar é Dentro de Mim (AL), de Dayane Teles, sobre o artista visual alagoano Jackson de Lima. Em certa altura da vida, Jackson começou a ter sonhos e visões com um ser que o atormentava. Era uma espécie humanoide, porém sem traços definidos, como olhos, orelhas e boca. Ela o atacava e parecia querer destruir o homem. Para livrar-se das visões, Jackson se embriagava, mas as visões voltavam com força redobrada na ressaca.

 

Até que resolveu retratá-la em sua arte, feita de materiais recicláveis. Com isso, a visão dissipou-se e ele se tornou um artista reconhecido por seu trabalho.

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Eis aí um exemplo curativo da arte, que dá razão ao trabalho de Nise da Silveira, baseado nas teorias de Jung. Quando expressos em formas criativas, os impulsos inconscientes podem ser, senão domados, pelo menos suportados. Um efeito do que Freud chamava de "sublimação", quando pulsões viram arte e tornam-se benéficas para toda a humanidade.

Podemos vê-lo não apenas quando "luta" contra o ser que o atormenta, em intervenções de cinema de animação, mas também quando trabalha seus materiais em busca da forma - e da sua própria salvação. Muito bom.

RECIFE - A sessão de ontem foi punk. Além do ar refrigerado do cinema, de congelar alma de pinguim, uma seleção de curtas de doer - com exceção de Dentro de Mim (Alagoas), de Dayane Teles, que merece menção. O resto, vou te contar...Por sorte, o longa Memórias de um Esclerosado redimiu a programação: muito bem-feito, humorado e emocionante, traz a história do cartunista Rafael Corrêa, portador de esclerose múltipla.

 

Memórias de um Esclerosado (RS) mostra um artista tentando entender o mundo e a si mesmo, enquanto procura dar conta da evolução de uma doença incontrolável. Como dizia Sartre, não importa o que te aconteça; importa o que você faz com o que te acontece (mais ou menos isso, não tenho tempo de checar a frase literal, mas é a base do existencialismo).

No caso de Rafael, o distanciamento e o humor fazem com que tire sabedoria de sua condição clínica. Vemos o personagem às voltas com médicos, exames, cuidadores, fisioterapeutas, em toda essa rotina de quem padece de uma doença degenerativa. Mas, ao mesmo tempo, o filme vale-se de desenhos do próprio autor, auto-ironizando-se sob a forma de animações. Imagens do passado também interferem, tiradas do arquivo do autor em VHS, quando o vemos mais jovem e saudável, um tipo esportivo e namorador. No contexto, essas imagens voltam sem sombra de melancolia, ou, muito menos, de autopiedade.

Na entrevista, Rafael disse que sua principal preocupação era não fazer um filme do gênero "superação". Não é isso. A condição está dada. "Mas também ela me trouxe uma sabedoria que de outra forma não teria; um verdadeiro poder sobre a minha criação". De fato, quem não conhece seu trabalho fica curioso por saber mais acerca dele. São desenhos ácidos, com sacadas certeiras, às vezes sarcásticas e sintéticas.

Uma delas refere-se a um episódio da infância, quando maltratou e acabou matando um sapo. No filme, o animal volta para atormentá-lo, de forma antropomorfizada. É como um lembrete ambulante, quase um memento mori: "Você se julga boa pessoa, mas olhe a maldade que fez com este animal". Em outra parte, flagra-se perguntando a si mesmo: "Por que essa doença me pegou e não a esse babaca do meu vizinho?" Para se responder, de bate-pronto: "Você é muito bonzinho, né?, desejando o mal do próximo".

Enfim, um filme muito legal, com personagem incrível, que encontrou, junto com a diretora Thais Fernandes, um formato cinematográfico ideal para esse processo de desnudamento de si que consegue se comunicar com todos nós.

Curta

O curta que vale a pena comentar é Dentro de Mim (AL), de Dayane Teles, sobre o artista visual alagoano Jackson de Lima. Em certa altura da vida, Jackson começou a ter sonhos e visões com um ser que o atormentava. Era uma espécie humanoide, porém sem traços definidos, como olhos, orelhas e boca. Ela o atacava e parecia querer destruir o homem. Para livrar-se das visões, Jackson se embriagava, mas as visões voltavam com força redobrada na ressaca.

 

Até que resolveu retratá-la em sua arte, feita de materiais recicláveis. Com isso, a visão dissipou-se e ele se tornou um artista reconhecido por seu trabalho.

Eis aí um exemplo curativo da arte, que dá razão ao trabalho de Nise da Silveira, baseado nas teorias de Jung. Quando expressos em formas criativas, os impulsos inconscientes podem ser, senão domados, pelo menos suportados. Um efeito do que Freud chamava de "sublimação", quando pulsões viram arte e tornam-se benéficas para toda a humanidade.

Podemos vê-lo não apenas quando "luta" contra o ser que o atormenta, em intervenções de cinema de animação, mas também quando trabalha seus materiais em busca da forma - e da sua própria salvação. Muito bom.

RECIFE - A sessão de ontem foi punk. Além do ar refrigerado do cinema, de congelar alma de pinguim, uma seleção de curtas de doer - com exceção de Dentro de Mim (Alagoas), de Dayane Teles, que merece menção. O resto, vou te contar...Por sorte, o longa Memórias de um Esclerosado redimiu a programação: muito bem-feito, humorado e emocionante, traz a história do cartunista Rafael Corrêa, portador de esclerose múltipla.

 

Memórias de um Esclerosado (RS) mostra um artista tentando entender o mundo e a si mesmo, enquanto procura dar conta da evolução de uma doença incontrolável. Como dizia Sartre, não importa o que te aconteça; importa o que você faz com o que te acontece (mais ou menos isso, não tenho tempo de checar a frase literal, mas é a base do existencialismo).

No caso de Rafael, o distanciamento e o humor fazem com que tire sabedoria de sua condição clínica. Vemos o personagem às voltas com médicos, exames, cuidadores, fisioterapeutas, em toda essa rotina de quem padece de uma doença degenerativa. Mas, ao mesmo tempo, o filme vale-se de desenhos do próprio autor, auto-ironizando-se sob a forma de animações. Imagens do passado também interferem, tiradas do arquivo do autor em VHS, quando o vemos mais jovem e saudável, um tipo esportivo e namorador. No contexto, essas imagens voltam sem sombra de melancolia, ou, muito menos, de autopiedade.

Na entrevista, Rafael disse que sua principal preocupação era não fazer um filme do gênero "superação". Não é isso. A condição está dada. "Mas também ela me trouxe uma sabedoria que de outra forma não teria; um verdadeiro poder sobre a minha criação". De fato, quem não conhece seu trabalho fica curioso por saber mais acerca dele. São desenhos ácidos, com sacadas certeiras, às vezes sarcásticas e sintéticas.

Uma delas refere-se a um episódio da infância, quando maltratou e acabou matando um sapo. No filme, o animal volta para atormentá-lo, de forma antropomorfizada. É como um lembrete ambulante, quase um memento mori: "Você se julga boa pessoa, mas olhe a maldade que fez com este animal". Em outra parte, flagra-se perguntando a si mesmo: "Por que essa doença me pegou e não a esse babaca do meu vizinho?" Para se responder, de bate-pronto: "Você é muito bonzinho, né?, desejando o mal do próximo".

Enfim, um filme muito legal, com personagem incrível, que encontrou, junto com a diretora Thais Fernandes, um formato cinematográfico ideal para esse processo de desnudamento de si que consegue se comunicar com todos nós.

Curta

O curta que vale a pena comentar é Dentro de Mim (AL), de Dayane Teles, sobre o artista visual alagoano Jackson de Lima. Em certa altura da vida, Jackson começou a ter sonhos e visões com um ser que o atormentava. Era uma espécie humanoide, porém sem traços definidos, como olhos, orelhas e boca. Ela o atacava e parecia querer destruir o homem. Para livrar-se das visões, Jackson se embriagava, mas as visões voltavam com força redobrada na ressaca.

 

Até que resolveu retratá-la em sua arte, feita de materiais recicláveis. Com isso, a visão dissipou-se e ele se tornou um artista reconhecido por seu trabalho.

Eis aí um exemplo curativo da arte, que dá razão ao trabalho de Nise da Silveira, baseado nas teorias de Jung. Quando expressos em formas criativas, os impulsos inconscientes podem ser, senão domados, pelo menos suportados. Um efeito do que Freud chamava de "sublimação", quando pulsões viram arte e tornam-se benéficas para toda a humanidade.

Podemos vê-lo não apenas quando "luta" contra o ser que o atormenta, em intervenções de cinema de animação, mas também quando trabalha seus materiais em busca da forma - e da sua própria salvação. Muito bom.

RECIFE - A sessão de ontem foi punk. Além do ar refrigerado do cinema, de congelar alma de pinguim, uma seleção de curtas de doer - com exceção de Dentro de Mim (Alagoas), de Dayane Teles, que merece menção. O resto, vou te contar...Por sorte, o longa Memórias de um Esclerosado redimiu a programação: muito bem-feito, humorado e emocionante, traz a história do cartunista Rafael Corrêa, portador de esclerose múltipla.

 

Memórias de um Esclerosado (RS) mostra um artista tentando entender o mundo e a si mesmo, enquanto procura dar conta da evolução de uma doença incontrolável. Como dizia Sartre, não importa o que te aconteça; importa o que você faz com o que te acontece (mais ou menos isso, não tenho tempo de checar a frase literal, mas é a base do existencialismo).

No caso de Rafael, o distanciamento e o humor fazem com que tire sabedoria de sua condição clínica. Vemos o personagem às voltas com médicos, exames, cuidadores, fisioterapeutas, em toda essa rotina de quem padece de uma doença degenerativa. Mas, ao mesmo tempo, o filme vale-se de desenhos do próprio autor, auto-ironizando-se sob a forma de animações. Imagens do passado também interferem, tiradas do arquivo do autor em VHS, quando o vemos mais jovem e saudável, um tipo esportivo e namorador. No contexto, essas imagens voltam sem sombra de melancolia, ou, muito menos, de autopiedade.

Na entrevista, Rafael disse que sua principal preocupação era não fazer um filme do gênero "superação". Não é isso. A condição está dada. "Mas também ela me trouxe uma sabedoria que de outra forma não teria; um verdadeiro poder sobre a minha criação". De fato, quem não conhece seu trabalho fica curioso por saber mais acerca dele. São desenhos ácidos, com sacadas certeiras, às vezes sarcásticas e sintéticas.

Uma delas refere-se a um episódio da infância, quando maltratou e acabou matando um sapo. No filme, o animal volta para atormentá-lo, de forma antropomorfizada. É como um lembrete ambulante, quase um memento mori: "Você se julga boa pessoa, mas olhe a maldade que fez com este animal". Em outra parte, flagra-se perguntando a si mesmo: "Por que essa doença me pegou e não a esse babaca do meu vizinho?" Para se responder, de bate-pronto: "Você é muito bonzinho, né?, desejando o mal do próximo".

Enfim, um filme muito legal, com personagem incrível, que encontrou, junto com a diretora Thais Fernandes, um formato cinematográfico ideal para esse processo de desnudamento de si que consegue se comunicar com todos nós.

Curta

O curta que vale a pena comentar é Dentro de Mim (AL), de Dayane Teles, sobre o artista visual alagoano Jackson de Lima. Em certa altura da vida, Jackson começou a ter sonhos e visões com um ser que o atormentava. Era uma espécie humanoide, porém sem traços definidos, como olhos, orelhas e boca. Ela o atacava e parecia querer destruir o homem. Para livrar-se das visões, Jackson se embriagava, mas as visões voltavam com força redobrada na ressaca.

 

Até que resolveu retratá-la em sua arte, feita de materiais recicláveis. Com isso, a visão dissipou-se e ele se tornou um artista reconhecido por seu trabalho.

Eis aí um exemplo curativo da arte, que dá razão ao trabalho de Nise da Silveira, baseado nas teorias de Jung. Quando expressos em formas criativas, os impulsos inconscientes podem ser, senão domados, pelo menos suportados. Um efeito do que Freud chamava de "sublimação", quando pulsões viram arte e tornam-se benéficas para toda a humanidade.

Podemos vê-lo não apenas quando "luta" contra o ser que o atormenta, em intervenções de cinema de animação, mas também quando trabalha seus materiais em busca da forma - e da sua própria salvação. Muito bom.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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