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Opinião|Em Golpe de Sorte em Paris, Woody Allen discute crime, culpa e acaso. Com o brilho de sempre


Por Luiz Zanin Oricchio
 

Não sei se Woody Allen leu Maquiavel. Mas é provável que sim. Pensando a questão do poder, o filósofo florentino trabalhava com duas categorias - a fortuna e a virtù. O acaso e a sabedoria de agir no momento exato em que o aleatório oferece uma oportunidade que não se pode perder.

Allen tem no acaso um tema obsessivo. O acaso tece as nossas vidas e a História, no sentido amplo. Pensamento inverso de quem acredita que tudo já esteja determinado, escrito nas estrelas ou em desígnios divinos. Nada disso; para Allen fazemos o nosso destino no dia-a-dia e jogamos com as cartas que a sorte nos põe nas mãos. É essa a tessitura do seu Match Point e também a deste Um Golpe de Sorte em Paris, seu 50º longa-metragem, talvez o último de sua fabulosa filmografia.

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Temos aqui a mocinha (Lou de Laâge), casada com um ricaço (Melvil Poupaud) de passado nebuloso. Ela trabalha no mercado de arte e parece feliz. Até quando se encontra - por acaso - na rua com um ex-colega de escola (Niels Schneider). Ele confessa que sempre teve uma queda por ela, e combinam se encontrar, um dia, se for possível. E assim começa a história que tem uma viravolta macabra quando o marido descobre a ligação. E outra, quando a mãe da moça (Valérie Lemercier), fanática pelos romances policiais de Georges Simenon, se põe a investigar o genro.

Além de Match Point, de 2007, Golpe de Sorte em Paris se articula com outro filme de Allen, Crimes e Pecados, este de 1989 e, talvez, o mais sombrio e brilhante trabalho de Woody Allen com as questões morais. Nele entra outra das referências constantes de Allen - Dostoievski -, em sua meditação sobre o crime, a culpa e o arrependimento. Crime e Castigo, primeiro, mas também Os Irmãos Karamazóv, que tocam na questão do assassinato, e, no segundo, de um crime terrível em particular, o parricídio.

Nos três filmes - Crimes e Pecados, Match Point e Golpe de Sorte em Paris - as circunstâncias oferecem a "saída" pela eliminação dos rivais. O que se segue faz a diferença em cada um deles - no primeiro, o esquecimento do remorso, que se esvai com o tempo; no segundo, o favorecimento do acaso, que oculta a culpa; no terceiro, um deus ex-machina, que faz justiça de maneira aleatória e que, ficcionalmente, talvez pareça um tanto forçada.

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É possível, olhando apenas para os enredos, supor que Allen vem de um radicalismo muito corajoso em Crimes e Pecados, passa por uma elaboração elegante e rigorosa da questão do acaso em Match Point, até chegar ao terceiro, menos vigoroso, mas ainda assim muito bom, apesar de atenuado pelo desfecho menos perturbador que os dos outros dois.

Claro que Allen, com sua destreza cinematográfica, faz sua história, a principio, parecer apenas uma comédia romântica com a pimenta do triângulo amoroso, ambientada numa Paris solar, captada pela lente do mestre Vittorio Storaro.

Poderia ser Nova York, poderia ser no Rio, em qualquer grande cidade - a temática e os impasses colocados são universais. E essa discussão moral pesada se esconde às vezes através da leveza dos personagens, e da carga discreta de humor dispersa pela obra. Podem cancelá-lo à vontade: Allen tem ainda muito a nos dizer e torcemos para que, contra a idade e as perseguições, continue a nos dar o que 99% da produção cinematográfica nos tem negado - inteligência, coragem e refinamento.

 

Não sei se Woody Allen leu Maquiavel. Mas é provável que sim. Pensando a questão do poder, o filósofo florentino trabalhava com duas categorias - a fortuna e a virtù. O acaso e a sabedoria de agir no momento exato em que o aleatório oferece uma oportunidade que não se pode perder.

Allen tem no acaso um tema obsessivo. O acaso tece as nossas vidas e a História, no sentido amplo. Pensamento inverso de quem acredita que tudo já esteja determinado, escrito nas estrelas ou em desígnios divinos. Nada disso; para Allen fazemos o nosso destino no dia-a-dia e jogamos com as cartas que a sorte nos põe nas mãos. É essa a tessitura do seu Match Point e também a deste Um Golpe de Sorte em Paris, seu 50º longa-metragem, talvez o último de sua fabulosa filmografia.

Temos aqui a mocinha (Lou de Laâge), casada com um ricaço (Melvil Poupaud) de passado nebuloso. Ela trabalha no mercado de arte e parece feliz. Até quando se encontra - por acaso - na rua com um ex-colega de escola (Niels Schneider). Ele confessa que sempre teve uma queda por ela, e combinam se encontrar, um dia, se for possível. E assim começa a história que tem uma viravolta macabra quando o marido descobre a ligação. E outra, quando a mãe da moça (Valérie Lemercier), fanática pelos romances policiais de Georges Simenon, se põe a investigar o genro.

Além de Match Point, de 2007, Golpe de Sorte em Paris se articula com outro filme de Allen, Crimes e Pecados, este de 1989 e, talvez, o mais sombrio e brilhante trabalho de Woody Allen com as questões morais. Nele entra outra das referências constantes de Allen - Dostoievski -, em sua meditação sobre o crime, a culpa e o arrependimento. Crime e Castigo, primeiro, mas também Os Irmãos Karamazóv, que tocam na questão do assassinato, e, no segundo, de um crime terrível em particular, o parricídio.

Nos três filmes - Crimes e Pecados, Match Point e Golpe de Sorte em Paris - as circunstâncias oferecem a "saída" pela eliminação dos rivais. O que se segue faz a diferença em cada um deles - no primeiro, o esquecimento do remorso, que se esvai com o tempo; no segundo, o favorecimento do acaso, que oculta a culpa; no terceiro, um deus ex-machina, que faz justiça de maneira aleatória e que, ficcionalmente, talvez pareça um tanto forçada.

É possível, olhando apenas para os enredos, supor que Allen vem de um radicalismo muito corajoso em Crimes e Pecados, passa por uma elaboração elegante e rigorosa da questão do acaso em Match Point, até chegar ao terceiro, menos vigoroso, mas ainda assim muito bom, apesar de atenuado pelo desfecho menos perturbador que os dos outros dois.

Claro que Allen, com sua destreza cinematográfica, faz sua história, a principio, parecer apenas uma comédia romântica com a pimenta do triângulo amoroso, ambientada numa Paris solar, captada pela lente do mestre Vittorio Storaro.

Poderia ser Nova York, poderia ser no Rio, em qualquer grande cidade - a temática e os impasses colocados são universais. E essa discussão moral pesada se esconde às vezes através da leveza dos personagens, e da carga discreta de humor dispersa pela obra. Podem cancelá-lo à vontade: Allen tem ainda muito a nos dizer e torcemos para que, contra a idade e as perseguições, continue a nos dar o que 99% da produção cinematográfica nos tem negado - inteligência, coragem e refinamento.

 

Não sei se Woody Allen leu Maquiavel. Mas é provável que sim. Pensando a questão do poder, o filósofo florentino trabalhava com duas categorias - a fortuna e a virtù. O acaso e a sabedoria de agir no momento exato em que o aleatório oferece uma oportunidade que não se pode perder.

Allen tem no acaso um tema obsessivo. O acaso tece as nossas vidas e a História, no sentido amplo. Pensamento inverso de quem acredita que tudo já esteja determinado, escrito nas estrelas ou em desígnios divinos. Nada disso; para Allen fazemos o nosso destino no dia-a-dia e jogamos com as cartas que a sorte nos põe nas mãos. É essa a tessitura do seu Match Point e também a deste Um Golpe de Sorte em Paris, seu 50º longa-metragem, talvez o último de sua fabulosa filmografia.

Temos aqui a mocinha (Lou de Laâge), casada com um ricaço (Melvil Poupaud) de passado nebuloso. Ela trabalha no mercado de arte e parece feliz. Até quando se encontra - por acaso - na rua com um ex-colega de escola (Niels Schneider). Ele confessa que sempre teve uma queda por ela, e combinam se encontrar, um dia, se for possível. E assim começa a história que tem uma viravolta macabra quando o marido descobre a ligação. E outra, quando a mãe da moça (Valérie Lemercier), fanática pelos romances policiais de Georges Simenon, se põe a investigar o genro.

Além de Match Point, de 2007, Golpe de Sorte em Paris se articula com outro filme de Allen, Crimes e Pecados, este de 1989 e, talvez, o mais sombrio e brilhante trabalho de Woody Allen com as questões morais. Nele entra outra das referências constantes de Allen - Dostoievski -, em sua meditação sobre o crime, a culpa e o arrependimento. Crime e Castigo, primeiro, mas também Os Irmãos Karamazóv, que tocam na questão do assassinato, e, no segundo, de um crime terrível em particular, o parricídio.

Nos três filmes - Crimes e Pecados, Match Point e Golpe de Sorte em Paris - as circunstâncias oferecem a "saída" pela eliminação dos rivais. O que se segue faz a diferença em cada um deles - no primeiro, o esquecimento do remorso, que se esvai com o tempo; no segundo, o favorecimento do acaso, que oculta a culpa; no terceiro, um deus ex-machina, que faz justiça de maneira aleatória e que, ficcionalmente, talvez pareça um tanto forçada.

É possível, olhando apenas para os enredos, supor que Allen vem de um radicalismo muito corajoso em Crimes e Pecados, passa por uma elaboração elegante e rigorosa da questão do acaso em Match Point, até chegar ao terceiro, menos vigoroso, mas ainda assim muito bom, apesar de atenuado pelo desfecho menos perturbador que os dos outros dois.

Claro que Allen, com sua destreza cinematográfica, faz sua história, a principio, parecer apenas uma comédia romântica com a pimenta do triângulo amoroso, ambientada numa Paris solar, captada pela lente do mestre Vittorio Storaro.

Poderia ser Nova York, poderia ser no Rio, em qualquer grande cidade - a temática e os impasses colocados são universais. E essa discussão moral pesada se esconde às vezes através da leveza dos personagens, e da carga discreta de humor dispersa pela obra. Podem cancelá-lo à vontade: Allen tem ainda muito a nos dizer e torcemos para que, contra a idade e as perseguições, continue a nos dar o que 99% da produção cinematográfica nos tem negado - inteligência, coragem e refinamento.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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