Como estava em Manaus, não participei muito (aliás, nada) das estréias deste fim-de-semana. Destaco duas: Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen, e Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader. Bem, quanto Woody, passou a ser moda falar mal dos seus filmes. Vou contra a corrente. Continuo gostando. Mesmo deste Vicky Cristina Barcelona que é a história de duas garotas americanas que vão para a cidade catalã e lá conhecem o previsível garanhão latino, representando por Javier Bardem que, acho que segundo o próprio Allen, tem cara de touro de Picasso. O tom é menos obscuro que Match Point e O Sonho de Cassandra, filmados na Inglaterra. Allen parece que se adapta à atmosfera mais solar da Espanha e joga, abertamente, com a sensualidade de sua musa, Scarlet Johansson, uma verdadeira bomba hormonal. O interessante é o contraste entre ela e sua amiga, interpretada pela certinha Rebecca Hall. Esta sabe tudo o que quer e está noiva de um caretão americano. A outra, vamos dizer assim, está aberta a experiências. No entanto, como você poderá ver, as perspectivas um pouco que se invertem. E também entra em cena uma ex do pintor vivido por Bardem, Penélope Cruz, num papel que é o estereótipo da espanhola, tal como ela havia vivido sob Almodóvar em Volver. Não é nada desagradável ver esse trio de mulheres em ação. Mesmo que - esta é uma característica de Allen - tudo termine sob um signo reflexivo. O homem pensa e quer que o seu público pense. O que não significa abandonar todo o resto, sensualidade inclusive. Muito bom, de verdade.
Já Pan-Cinema Permanente é um documentário brilhante de Carlos Nader sobre o poeta e performer Waly Salomão, um dos gurus da Tropicália, tipo inquieto, falastrão, um ator de si mesmo. Nader foi gravando Waly em diferentes situações ao longo de 15 anos. Belo material. O interessante do filme é a maneira como esse material é montado. Waly Salomão é um personagem criado por Waly Salomão. Nunca baixa a guarda. E muda radicalmente quando uma câmera é ligada. Num determinado momento, Waly diz: "eu pouco me importo com a verdade; a vida é sonho". Citando, de maneira oblíqua, Calderon de La Barca, esse barroco de Jequié, um "baianárabe", como ele mesmo se definia, busca a sua verdade possível, mas não diretamente e sim pelas frestas, por onde "ela" pode fazer sua irupção momentânea. Grande Waly, autor de poesias memoráveis (são lidas durante o filme, enquanto as palavras aparecem na tela) e de uma música tão memorável quanto Vapor Barato, em parceria com Macalé. Acho Waly um dos ícones da cultura nacional contemporânea. Morreu precocemente, com 60 anos. Ganhou um filme à altura.