O velho matador de aluguel atravessa o deserto de sal na Bolívia em seu carro. No Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, vai executar seu último "serviço", aposentar-se e procurar uma filha que não conhece. Este é o início de King Kong en Asunción, do diretor pernambucano Camilo Cavalcante (de A História da Eternidade).
O título extravagante só se explica perto do final. O filme é deslumbrante, poderoso e traz a figura do ator brasiliense Andrade Jr. em seu último trabalho - ele morreu no ano passado. A estrutura desse faroeste metafísico é das mais interessantes. O diretor maneja o tempo das sequências sem qualquer pressa. Algumas cenas são longas, como a própria abertura do filme, e também é demorada a conversa do protagonista com o dono de um bar - onde, entre vários tragos e fumaça de charuto, ele recebe uma última encomenda. São tomadas extensas mas não cansam. Pelo contrário. São tão fortes e envolventes que torcemos para que durem ainda mais.
King Kong é um filme de estranhezas. Acompanhamos a trajetória deste personagem, chamado apenas de "O Velho" enquanto ouvimos a narração over de uma entidade - a Morte - falando em guarani. O texto dessa narração é da autora gaúcha Natália Borges Polesso e, vertido na língua oficial do Paraguai, é interpretado pela atriz Ana Pavlova. Ela já esteve em Gramado como parte do elenco de Las Herederas.
Busca de redenção familiar depois de uma vida errada? Jornada de purgação espiritual, mesmo que seja pelo excesso? King Kong en Assunción pode ser tudo isso, ou nada disso. Mas o que explode mesmo na tela é atuação absolutamente incrível deste grande ator, nascido no Ceará e com carreira desenvolvida em Brasília. Uma entrega rara a um personagem. Um Kikito póstumo de melhor ator para Andrade Júnior seria de total justiça.
Curtas
Os dois últimos curtas da competição vêm do Norte e do Nordeste.
Trincheira (AL), de Paulo Silver, mostra um garoto pobre que observa um condomínio de luxo. Com os restos de objetos encontrados em um depósito de lixo ele dá asas à imaginação e constrói na fantasia o mundo que não pode ter na realidade. Comovente e bonito, comenta, de maneira sutil, o apartheid social brasileiro.
O Barco e o Rio (AM) , de Bernardo Ale Abinader , coloca em confronto duas irmãs que moram numa pequena embarcação fundeada no Porto de Manaus. Vera é uma religiosa carente, reprime seus impulsos e vive uma vida monástica. Que, sem sucesso, deseja impor à sua irmã, Josi, que gosta da noite e tem o sonho de abandonar aquele local e tentar a sorte em outra parte. Filmado com delicadeza, o filme acompanha o processo de liberação não apenas de Josi, mas da sua irmã carola. Ao invés de conforto, a religião pode significar uma opressão a mais para quem já leva uma existência difícil.
Com estes filmes encerra-se a mostra competitiva do Festival de Gramado, nesta edição atípica da pandemia de 2020.
A sessão da noite de hoje será reservada às homenagens: Troféu Oscarito para o ator Marco Nanini. Troféu Eduardo Abelin para a diretora e atual presidente da Spcine Laís Bodanzky. O Kikito de cristal vai para o ator uruguaio César Troncoso. E o Troféu Cidade de Gramado fica com a atriz Denise Fraga.
Em seguida, a exibição do filme de encerramento, Bye, Bye Brasil, de Cacá Diegues. Faz tempo que não revejo este filme de 1979. Na época me pareceu um road movie crepuscular fechando o fim de uma era. Tanto tempo depois, o Brasil continua dizendo adeus a si mesmo.
Amanhã haverá o encerramento e conheceremos os ganhadores dos Kikitos, a estatueta do Festival de Gramado.
O Canal Brasil transmite a cerimônia a partir das 20h45.