O título é lacônico como a própria obra: Here, ou seja, aqui. Neste lugar, no presente. Aqui e agora. O lugar é a Bélgica e o filme do diretor Bas Devos flagra um momento na vida de dois personagens.
Stefan (Stefan Gota) é um trabalhador romeno da construção civil. Shuxiu (Liyo Gong) nasceu na Bélgica, de família chinesa. É bióloga. Estuda musgos.
Stefan tira férias, vai passá-las em seu país natal e não sabe se vai voltar. Numa espécie de humilde celebração de despedida, usa os legumes que sobraram em sua geladeira e com eles faz uma sopa, que oferta aos amigos.
Shuxiu vagueia pelos bosques, em busca de material para seus estudos. Ou seja, colhendo musgos, que parecem todos iguais mas são diferentes uns dos outros.
Os dois se encontram no bosque e começam uma espécie de amizade, também bastante silenciosa. Ou melhor, lacônica, de poucas palavras.
As imagens são belíssimas e algumas falas parecem enigmáticas. Por exemplo, Shuxiu conta que sonhou e, ao acordar, já não lembra o nome das coisas. Até que essa memória da ligação entre as palavras e as coisas (título do livro mais famoso de Michel Foucault) vai lhe voltando. Como a nos lembrar do arbitrário existente na maneira como vemos o mundo e o transformamos nas palavras que permitem o nosso entendimento e a comunicação entre nós e os outros.
O filme é moldado nessa dimensão poética, em que as imagens valem pelo que são e também, muito mais, pelo que sugerem.
Podemos ver nelas a imagem do imigrante que se torna trabalhador em um país diferente do seu, e, a certa altura, reflete se vale a pena ou é melhor voltar ao ponto de origem. Nada disso é enunciado - apenas talvez sugerido ao espectador.
Ao mesmo tempo, podemos deduzir que nesse encontro silencioso entre homem e mulher esteja suposta uma alusão ambientalista. Num tempo em que o capital destroi, a pretexto de crescer, criar riquezas e dar empregos, há um mundo que está indo para o abismo. A delicadeza com que Shuxiu se debruça sobre seus musgos e estuda sua função no equilíbrio ecológico, nos faz pensar que existe uma outra parte da humanidade, por ela representada, preocupada em estudar, entender, preservar, pensar o futuro. A delicadeza contra a brutalidade.
Para que isso possa ser sentido e pensado pelo espectador é preciso que o filme também respeite o tempo e sua passagem tranquila, como a de um rio. Tempo de reflexão, de silêncios, de uma montagem serena e equilibrada, a contrapelo da turbulência contemporânea.
Here é um filme lindo, um quase exercício zen numa época atribulada, cheia de pressa, ansiedade, cansaço e carente de sentido. Está em cartaz no CineSesc.