Cinema, cultura & afins

Opinião|Mostra 2024: Maria Callas, cruz e delícia


Por Luiz Zanin Oricchio
 

 

Diário crítico (1)

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Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas - e trágicas - iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). 

Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida. 

Maria Callas (1923-1977), nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Faleceu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu enorme apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher). 

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Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou - justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado, que passou a se assinar Jacqueline Onassis. 

O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra muito bem dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie. 

Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond (Gloria Swanson), a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses (1950). A solidão de Callas jogando cartas com seus criados diz tudo e é praticamente uma citação do filme de Wilder em que Desmond recebe em sua casa ex-astros de Hollywood, entre eles Buster Keaton. 

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Mas há essa particularidade da vida de Callas - a música, a grande música de ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice, o estado da arte em seus dias de glória. 

Por isso, suas memórias são "invadidas" e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela. 

Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição pois, afinal como se diz, a vida é palco - ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes - E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas - ou na Tebaldi (1922-2004)? Ou fruto apenas da imaginação inesgotável de Federico?

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Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz, que não sustenta mais os agudos de outrora? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas "neves de outrora" de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público. 

No entanto, para além dessa emoção, há muitos outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.

 Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quando permanecer indiferente a La Traviata. 

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Horários de exibição

18/10

21:40

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CINEMATECA ESPAÇO PETROBRÁS

23/10

17:10

CINESYSTEM FREI CANECA 1

27/10

19:10

RESERVA CULTURAL - SALA 2

 

 

 

Diário crítico (1)

Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas - e trágicas - iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). 

Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida. 

Maria Callas (1923-1977), nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Faleceu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu enorme apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher). 

Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou - justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado, que passou a se assinar Jacqueline Onassis. 

O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra muito bem dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie. 

Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond (Gloria Swanson), a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses (1950). A solidão de Callas jogando cartas com seus criados diz tudo e é praticamente uma citação do filme de Wilder em que Desmond recebe em sua casa ex-astros de Hollywood, entre eles Buster Keaton. 

Mas há essa particularidade da vida de Callas - a música, a grande música de ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice, o estado da arte em seus dias de glória. 

Por isso, suas memórias são "invadidas" e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela. 

Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição pois, afinal como se diz, a vida é palco - ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes - E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas - ou na Tebaldi (1922-2004)? Ou fruto apenas da imaginação inesgotável de Federico?

Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz, que não sustenta mais os agudos de outrora? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas "neves de outrora" de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público. 

No entanto, para além dessa emoção, há muitos outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.

 Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quando permanecer indiferente a La Traviata. 

Horários de exibição

18/10

21:40

CINEMATECA ESPAÇO PETROBRÁS

23/10

17:10

CINESYSTEM FREI CANECA 1

27/10

19:10

RESERVA CULTURAL - SALA 2

 

 

 

Diário crítico (1)

Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas - e trágicas - iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). 

Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida. 

Maria Callas (1923-1977), nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Faleceu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu enorme apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher). 

Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou - justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado, que passou a se assinar Jacqueline Onassis. 

O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra muito bem dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie. 

Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond (Gloria Swanson), a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses (1950). A solidão de Callas jogando cartas com seus criados diz tudo e é praticamente uma citação do filme de Wilder em que Desmond recebe em sua casa ex-astros de Hollywood, entre eles Buster Keaton. 

Mas há essa particularidade da vida de Callas - a música, a grande música de ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice, o estado da arte em seus dias de glória. 

Por isso, suas memórias são "invadidas" e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela. 

Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição pois, afinal como se diz, a vida é palco - ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes - E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas - ou na Tebaldi (1922-2004)? Ou fruto apenas da imaginação inesgotável de Federico?

Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz, que não sustenta mais os agudos de outrora? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas "neves de outrora" de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público. 

No entanto, para além dessa emoção, há muitos outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.

 Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quando permanecer indiferente a La Traviata. 

Horários de exibição

18/10

21:40

CINEMATECA ESPAÇO PETROBRÁS

23/10

17:10

CINESYSTEM FREI CANECA 1

27/10

19:10

RESERVA CULTURAL - SALA 2

 

 

 

Diário crítico (1)

Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas - e trágicas - iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). 

Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida. 

Maria Callas (1923-1977), nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Faleceu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu enorme apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher). 

Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou - justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado, que passou a se assinar Jacqueline Onassis. 

O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra muito bem dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie. 

Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond (Gloria Swanson), a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses (1950). A solidão de Callas jogando cartas com seus criados diz tudo e é praticamente uma citação do filme de Wilder em que Desmond recebe em sua casa ex-astros de Hollywood, entre eles Buster Keaton. 

Mas há essa particularidade da vida de Callas - a música, a grande música de ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice, o estado da arte em seus dias de glória. 

Por isso, suas memórias são "invadidas" e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela. 

Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição pois, afinal como se diz, a vida é palco - ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes - E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas - ou na Tebaldi (1922-2004)? Ou fruto apenas da imaginação inesgotável de Federico?

Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz, que não sustenta mais os agudos de outrora? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas "neves de outrora" de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público. 

No entanto, para além dessa emoção, há muitos outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.

 Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quando permanecer indiferente a La Traviata. 

Horários de exibição

18/10

21:40

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27/10

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Diário crítico (1)

Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas - e trágicas - iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). 

Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida. 

Maria Callas (1923-1977), nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Faleceu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu enorme apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher). 

Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou - justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado, que passou a se assinar Jacqueline Onassis. 

O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra muito bem dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie. 

Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond (Gloria Swanson), a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses (1950). A solidão de Callas jogando cartas com seus criados diz tudo e é praticamente uma citação do filme de Wilder em que Desmond recebe em sua casa ex-astros de Hollywood, entre eles Buster Keaton. 

Mas há essa particularidade da vida de Callas - a música, a grande música de ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice, o estado da arte em seus dias de glória. 

Por isso, suas memórias são "invadidas" e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela. 

Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição pois, afinal como se diz, a vida é palco - ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes - E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas - ou na Tebaldi (1922-2004)? Ou fruto apenas da imaginação inesgotável de Federico?

Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz, que não sustenta mais os agudos de outrora? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas "neves de outrora" de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público. 

No entanto, para além dessa emoção, há muitos outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.

 Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quando permanecer indiferente a La Traviata. 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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