Cinema, cultura & afins

Opinião|'O Aprendiz': a trajetória implacável de Trump rumo ao poder


Por Luiz Zanin Oricchio
 

Atacar, atacar sempre; nunca admitir qualquer culpa, negar até o fim; sempre se declarar vitorioso, em qualquer circunstância - são essas as três regras básicas do advogado Roy Cohn transmitidas ao jovem Donald Trump em O Aprendiz. O filme de Ali Abbasi, com estreia nesta quinta-feira, retrata a fase de "formação" (se o termo cabe) do magnata que tenta voltar à Casa Branca dia 5 de novembro. 

O relacionamento entre o veterano Cohn, cão de fila do macartismo, e o jovem ambicioso que tenta subir cada vez mais na escala social e econômica, é o cerne deste longa dirigido com bom pulso por Abbasi, iraniano radicado na Dinamarca, autor de um filme estranho e envolvente chamado Border. Neste, Abbasi punha em cena seres parecidos a misturas de humanos com animais; em O Aprendiz, estuda humanos que se comportam como feras quando se trata da busca pelo poder e pelo dinheiro. 

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O Aprendiz pode ser visto como um desses casos-limite que, por meio de uma história individual, põem a nu toda a estrutura de um sistema. No caso, o de uma sociedade apoiada sobre "valores" tais como a competição acima de tudo, na qual todos os métodos são bons para atingir os objetivos e feio mesmo é perder - como aliás, já dizia um político brasileiro muitos anos atrás. 

Roy Cohn (interpretado por Jeremy Strong) é quase uma caricatura de um desses tratores sociais. Sua história remonta à época do macartismo, quando a paranóia anticomunista permitiu todos os abusos no seio de uma sociedade que se queria democrática e lutava contra os perigos da tirania comunista. Participou, entre outras coisas, da condenação à morte do casal Ethel e Julius Rosemberg, acusados de espionagem para Moscou. Cohn era cínico, impiedoso, voraz e brilhante - uma figura ideal para moldar alguém de perfil semelhante à sua imagem e semelhança, tal como o jovem Trump. No caso, não se estranha que o discípulo tenha superado o mestre, como acontece com frequência.

A trajetória de Trump (vivido por Sebastian Stan) é mostrada sem atenuantes e pintada em rasgos rápidos e marcantes. Começa pelo retrofit de um hotel decadente em Nova York, passa pelo business da jogatina em Atlantic City, mostra o personagem em festas faraônicas e nada pudicas. Põe em cena seu affair e posterior casamento com Ivana (Maria Bakalova), a quem teria estuprado, numa das cenas mais polêmicas. 

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O período escolhido, vale insistir, é o da ascensão de Trump como homem de negócios para o qual os fins sempre justificam os meios. Não fala ainda do homem político, que surgiria depois. Aliás, na época o jovem milionário tinha particular desprezo pelos políticos, aos quais, em geral, conseguia corromper com facilidade para atingir seus objetivos, tais como anistia de impostos - o que implicava na transferência de dinheiro da cidade, isto é, dos contribuintes, para os seus bolsos. No entanto, apesar do desprezo, tem o vislumbre de que o campo de caça para valer, para adultos, se encontra lá - no grande jogo da política. 

Uma acentuada curva dramática do filme passa pelo mentor Roy Cohn, que vai do ápice ao chão, numa trajetória de poder declinante e mazelas pessoais, inclusive amorosas e de saúde. Já Trump é visto em sua plenitude, prestes a dar o grande salto e capturar sua presa - o país, o mundo. 

Obviamente, a crueza de tratamento da obra não agradou aos seguidores do concorrente à Casa Branca, que enfrenta uma eleição equilibrada diante da democrata Kamala Harris em novembro. Recebido de braços abertos no Festival de Cannes, o filme teve a carreira prejudicada nos Estados Unidos depois de Trump anunciar que processaria todos os envolvidos na distribuição da obra pelos cinemas.

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 Este é um jogo ainda aberto. Lembra, guardadas as devidas proporções, a perseguição à obra-prima de Orson Welles, Cidadão Kane (1941), pelo magnata das comunicações William Randolph Hearst, que se viu retratado no personagem Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio Welles. Hearst tentou comprar os negativos para queimá-los, mas, para sorte da humanidade, a produtora RKO não topou o negócio. 

As comparações param por aí - O Aprendiz não é Cidadão Kane, longe disso, mas, em patamares muito distintos, são dois casos em que cinema e  política dialogam e se enfrentam. E se os poderosos se sentem incomodados, a ponto de ameaçar a sobrevivência das obras, é sinal de que estas devem ter alguma influência no mundo das coisas reais, embora seja problemático afirmar que O Aprendiz possa tirar um único voto de Donald Trump no pleito de novembro. Seus seguidores formam uma seita, aparentemente inabalável a revelações incômodas sobre seu amo e senhor. Mas o narcisismo dos donos do mundo impede que ataques à sua reputação sejam ignorados. 

O filme revela seu brilho nos momentos de interação entre Cohn e o jovem Trump. Seus diálogos formam uma espécie de manual da metodologia de poder da extrema-direita, em operação em várias partes do mundo, acima e abaixo do Equador. Seria uma modalidade contemporânea de O Príncipe (1532) de Nicolau Maquiavel, o tratado renascentista sobre a conquista e a manutenção do poder - sem o estilo elegante do florentino, é claro. Os ensinamentos de Cohn, prontamente adotados por Trump, inclusive contra Cohn, seriam como O Príncipe para um tempo mais primário e cafajeste. 

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Atacar, atacar sempre; nunca admitir qualquer culpa, negar até o fim; sempre se declarar vitorioso, em qualquer circunstância - são essas as três regras básicas do advogado Roy Cohn transmitidas ao jovem Donald Trump em O Aprendiz. O filme de Ali Abbasi, com estreia nesta quinta-feira, retrata a fase de "formação" (se o termo cabe) do magnata que tenta voltar à Casa Branca dia 5 de novembro. 

O relacionamento entre o veterano Cohn, cão de fila do macartismo, e o jovem ambicioso que tenta subir cada vez mais na escala social e econômica, é o cerne deste longa dirigido com bom pulso por Abbasi, iraniano radicado na Dinamarca, autor de um filme estranho e envolvente chamado Border. Neste, Abbasi punha em cena seres parecidos a misturas de humanos com animais; em O Aprendiz, estuda humanos que se comportam como feras quando se trata da busca pelo poder e pelo dinheiro. 

O Aprendiz pode ser visto como um desses casos-limite que, por meio de uma história individual, põem a nu toda a estrutura de um sistema. No caso, o de uma sociedade apoiada sobre "valores" tais como a competição acima de tudo, na qual todos os métodos são bons para atingir os objetivos e feio mesmo é perder - como aliás, já dizia um político brasileiro muitos anos atrás. 

Roy Cohn (interpretado por Jeremy Strong) é quase uma caricatura de um desses tratores sociais. Sua história remonta à época do macartismo, quando a paranóia anticomunista permitiu todos os abusos no seio de uma sociedade que se queria democrática e lutava contra os perigos da tirania comunista. Participou, entre outras coisas, da condenação à morte do casal Ethel e Julius Rosemberg, acusados de espionagem para Moscou. Cohn era cínico, impiedoso, voraz e brilhante - uma figura ideal para moldar alguém de perfil semelhante à sua imagem e semelhança, tal como o jovem Trump. No caso, não se estranha que o discípulo tenha superado o mestre, como acontece com frequência.

A trajetória de Trump (vivido por Sebastian Stan) é mostrada sem atenuantes e pintada em rasgos rápidos e marcantes. Começa pelo retrofit de um hotel decadente em Nova York, passa pelo business da jogatina em Atlantic City, mostra o personagem em festas faraônicas e nada pudicas. Põe em cena seu affair e posterior casamento com Ivana (Maria Bakalova), a quem teria estuprado, numa das cenas mais polêmicas. 

O período escolhido, vale insistir, é o da ascensão de Trump como homem de negócios para o qual os fins sempre justificam os meios. Não fala ainda do homem político, que surgiria depois. Aliás, na época o jovem milionário tinha particular desprezo pelos políticos, aos quais, em geral, conseguia corromper com facilidade para atingir seus objetivos, tais como anistia de impostos - o que implicava na transferência de dinheiro da cidade, isto é, dos contribuintes, para os seus bolsos. No entanto, apesar do desprezo, tem o vislumbre de que o campo de caça para valer, para adultos, se encontra lá - no grande jogo da política. 

Uma acentuada curva dramática do filme passa pelo mentor Roy Cohn, que vai do ápice ao chão, numa trajetória de poder declinante e mazelas pessoais, inclusive amorosas e de saúde. Já Trump é visto em sua plenitude, prestes a dar o grande salto e capturar sua presa - o país, o mundo. 

Obviamente, a crueza de tratamento da obra não agradou aos seguidores do concorrente à Casa Branca, que enfrenta uma eleição equilibrada diante da democrata Kamala Harris em novembro. Recebido de braços abertos no Festival de Cannes, o filme teve a carreira prejudicada nos Estados Unidos depois de Trump anunciar que processaria todos os envolvidos na distribuição da obra pelos cinemas.

 Este é um jogo ainda aberto. Lembra, guardadas as devidas proporções, a perseguição à obra-prima de Orson Welles, Cidadão Kane (1941), pelo magnata das comunicações William Randolph Hearst, que se viu retratado no personagem Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio Welles. Hearst tentou comprar os negativos para queimá-los, mas, para sorte da humanidade, a produtora RKO não topou o negócio. 

As comparações param por aí - O Aprendiz não é Cidadão Kane, longe disso, mas, em patamares muito distintos, são dois casos em que cinema e  política dialogam e se enfrentam. E se os poderosos se sentem incomodados, a ponto de ameaçar a sobrevivência das obras, é sinal de que estas devem ter alguma influência no mundo das coisas reais, embora seja problemático afirmar que O Aprendiz possa tirar um único voto de Donald Trump no pleito de novembro. Seus seguidores formam uma seita, aparentemente inabalável a revelações incômodas sobre seu amo e senhor. Mas o narcisismo dos donos do mundo impede que ataques à sua reputação sejam ignorados. 

O filme revela seu brilho nos momentos de interação entre Cohn e o jovem Trump. Seus diálogos formam uma espécie de manual da metodologia de poder da extrema-direita, em operação em várias partes do mundo, acima e abaixo do Equador. Seria uma modalidade contemporânea de O Príncipe (1532) de Nicolau Maquiavel, o tratado renascentista sobre a conquista e a manutenção do poder - sem o estilo elegante do florentino, é claro. Os ensinamentos de Cohn, prontamente adotados por Trump, inclusive contra Cohn, seriam como O Príncipe para um tempo mais primário e cafajeste. 

 

 

Atacar, atacar sempre; nunca admitir qualquer culpa, negar até o fim; sempre se declarar vitorioso, em qualquer circunstância - são essas as três regras básicas do advogado Roy Cohn transmitidas ao jovem Donald Trump em O Aprendiz. O filme de Ali Abbasi, com estreia nesta quinta-feira, retrata a fase de "formação" (se o termo cabe) do magnata que tenta voltar à Casa Branca dia 5 de novembro. 

O relacionamento entre o veterano Cohn, cão de fila do macartismo, e o jovem ambicioso que tenta subir cada vez mais na escala social e econômica, é o cerne deste longa dirigido com bom pulso por Abbasi, iraniano radicado na Dinamarca, autor de um filme estranho e envolvente chamado Border. Neste, Abbasi punha em cena seres parecidos a misturas de humanos com animais; em O Aprendiz, estuda humanos que se comportam como feras quando se trata da busca pelo poder e pelo dinheiro. 

O Aprendiz pode ser visto como um desses casos-limite que, por meio de uma história individual, põem a nu toda a estrutura de um sistema. No caso, o de uma sociedade apoiada sobre "valores" tais como a competição acima de tudo, na qual todos os métodos são bons para atingir os objetivos e feio mesmo é perder - como aliás, já dizia um político brasileiro muitos anos atrás. 

Roy Cohn (interpretado por Jeremy Strong) é quase uma caricatura de um desses tratores sociais. Sua história remonta à época do macartismo, quando a paranóia anticomunista permitiu todos os abusos no seio de uma sociedade que se queria democrática e lutava contra os perigos da tirania comunista. Participou, entre outras coisas, da condenação à morte do casal Ethel e Julius Rosemberg, acusados de espionagem para Moscou. Cohn era cínico, impiedoso, voraz e brilhante - uma figura ideal para moldar alguém de perfil semelhante à sua imagem e semelhança, tal como o jovem Trump. No caso, não se estranha que o discípulo tenha superado o mestre, como acontece com frequência.

A trajetória de Trump (vivido por Sebastian Stan) é mostrada sem atenuantes e pintada em rasgos rápidos e marcantes. Começa pelo retrofit de um hotel decadente em Nova York, passa pelo business da jogatina em Atlantic City, mostra o personagem em festas faraônicas e nada pudicas. Põe em cena seu affair e posterior casamento com Ivana (Maria Bakalova), a quem teria estuprado, numa das cenas mais polêmicas. 

O período escolhido, vale insistir, é o da ascensão de Trump como homem de negócios para o qual os fins sempre justificam os meios. Não fala ainda do homem político, que surgiria depois. Aliás, na época o jovem milionário tinha particular desprezo pelos políticos, aos quais, em geral, conseguia corromper com facilidade para atingir seus objetivos, tais como anistia de impostos - o que implicava na transferência de dinheiro da cidade, isto é, dos contribuintes, para os seus bolsos. No entanto, apesar do desprezo, tem o vislumbre de que o campo de caça para valer, para adultos, se encontra lá - no grande jogo da política. 

Uma acentuada curva dramática do filme passa pelo mentor Roy Cohn, que vai do ápice ao chão, numa trajetória de poder declinante e mazelas pessoais, inclusive amorosas e de saúde. Já Trump é visto em sua plenitude, prestes a dar o grande salto e capturar sua presa - o país, o mundo. 

Obviamente, a crueza de tratamento da obra não agradou aos seguidores do concorrente à Casa Branca, que enfrenta uma eleição equilibrada diante da democrata Kamala Harris em novembro. Recebido de braços abertos no Festival de Cannes, o filme teve a carreira prejudicada nos Estados Unidos depois de Trump anunciar que processaria todos os envolvidos na distribuição da obra pelos cinemas.

 Este é um jogo ainda aberto. Lembra, guardadas as devidas proporções, a perseguição à obra-prima de Orson Welles, Cidadão Kane (1941), pelo magnata das comunicações William Randolph Hearst, que se viu retratado no personagem Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio Welles. Hearst tentou comprar os negativos para queimá-los, mas, para sorte da humanidade, a produtora RKO não topou o negócio. 

As comparações param por aí - O Aprendiz não é Cidadão Kane, longe disso, mas, em patamares muito distintos, são dois casos em que cinema e  política dialogam e se enfrentam. E se os poderosos se sentem incomodados, a ponto de ameaçar a sobrevivência das obras, é sinal de que estas devem ter alguma influência no mundo das coisas reais, embora seja problemático afirmar que O Aprendiz possa tirar um único voto de Donald Trump no pleito de novembro. Seus seguidores formam uma seita, aparentemente inabalável a revelações incômodas sobre seu amo e senhor. Mas o narcisismo dos donos do mundo impede que ataques à sua reputação sejam ignorados. 

O filme revela seu brilho nos momentos de interação entre Cohn e o jovem Trump. Seus diálogos formam uma espécie de manual da metodologia de poder da extrema-direita, em operação em várias partes do mundo, acima e abaixo do Equador. Seria uma modalidade contemporânea de O Príncipe (1532) de Nicolau Maquiavel, o tratado renascentista sobre a conquista e a manutenção do poder - sem o estilo elegante do florentino, é claro. Os ensinamentos de Cohn, prontamente adotados por Trump, inclusive contra Cohn, seriam como O Príncipe para um tempo mais primário e cafajeste. 

 

 

Atacar, atacar sempre; nunca admitir qualquer culpa, negar até o fim; sempre se declarar vitorioso, em qualquer circunstância - são essas as três regras básicas do advogado Roy Cohn transmitidas ao jovem Donald Trump em O Aprendiz. O filme de Ali Abbasi, com estreia nesta quinta-feira, retrata a fase de "formação" (se o termo cabe) do magnata que tenta voltar à Casa Branca dia 5 de novembro. 

O relacionamento entre o veterano Cohn, cão de fila do macartismo, e o jovem ambicioso que tenta subir cada vez mais na escala social e econômica, é o cerne deste longa dirigido com bom pulso por Abbasi, iraniano radicado na Dinamarca, autor de um filme estranho e envolvente chamado Border. Neste, Abbasi punha em cena seres parecidos a misturas de humanos com animais; em O Aprendiz, estuda humanos que se comportam como feras quando se trata da busca pelo poder e pelo dinheiro. 

O Aprendiz pode ser visto como um desses casos-limite que, por meio de uma história individual, põem a nu toda a estrutura de um sistema. No caso, o de uma sociedade apoiada sobre "valores" tais como a competição acima de tudo, na qual todos os métodos são bons para atingir os objetivos e feio mesmo é perder - como aliás, já dizia um político brasileiro muitos anos atrás. 

Roy Cohn (interpretado por Jeremy Strong) é quase uma caricatura de um desses tratores sociais. Sua história remonta à época do macartismo, quando a paranóia anticomunista permitiu todos os abusos no seio de uma sociedade que se queria democrática e lutava contra os perigos da tirania comunista. Participou, entre outras coisas, da condenação à morte do casal Ethel e Julius Rosemberg, acusados de espionagem para Moscou. Cohn era cínico, impiedoso, voraz e brilhante - uma figura ideal para moldar alguém de perfil semelhante à sua imagem e semelhança, tal como o jovem Trump. No caso, não se estranha que o discípulo tenha superado o mestre, como acontece com frequência.

A trajetória de Trump (vivido por Sebastian Stan) é mostrada sem atenuantes e pintada em rasgos rápidos e marcantes. Começa pelo retrofit de um hotel decadente em Nova York, passa pelo business da jogatina em Atlantic City, mostra o personagem em festas faraônicas e nada pudicas. Põe em cena seu affair e posterior casamento com Ivana (Maria Bakalova), a quem teria estuprado, numa das cenas mais polêmicas. 

O período escolhido, vale insistir, é o da ascensão de Trump como homem de negócios para o qual os fins sempre justificam os meios. Não fala ainda do homem político, que surgiria depois. Aliás, na época o jovem milionário tinha particular desprezo pelos políticos, aos quais, em geral, conseguia corromper com facilidade para atingir seus objetivos, tais como anistia de impostos - o que implicava na transferência de dinheiro da cidade, isto é, dos contribuintes, para os seus bolsos. No entanto, apesar do desprezo, tem o vislumbre de que o campo de caça para valer, para adultos, se encontra lá - no grande jogo da política. 

Uma acentuada curva dramática do filme passa pelo mentor Roy Cohn, que vai do ápice ao chão, numa trajetória de poder declinante e mazelas pessoais, inclusive amorosas e de saúde. Já Trump é visto em sua plenitude, prestes a dar o grande salto e capturar sua presa - o país, o mundo. 

Obviamente, a crueza de tratamento da obra não agradou aos seguidores do concorrente à Casa Branca, que enfrenta uma eleição equilibrada diante da democrata Kamala Harris em novembro. Recebido de braços abertos no Festival de Cannes, o filme teve a carreira prejudicada nos Estados Unidos depois de Trump anunciar que processaria todos os envolvidos na distribuição da obra pelos cinemas.

 Este é um jogo ainda aberto. Lembra, guardadas as devidas proporções, a perseguição à obra-prima de Orson Welles, Cidadão Kane (1941), pelo magnata das comunicações William Randolph Hearst, que se viu retratado no personagem Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio Welles. Hearst tentou comprar os negativos para queimá-los, mas, para sorte da humanidade, a produtora RKO não topou o negócio. 

As comparações param por aí - O Aprendiz não é Cidadão Kane, longe disso, mas, em patamares muito distintos, são dois casos em que cinema e  política dialogam e se enfrentam. E se os poderosos se sentem incomodados, a ponto de ameaçar a sobrevivência das obras, é sinal de que estas devem ter alguma influência no mundo das coisas reais, embora seja problemático afirmar que O Aprendiz possa tirar um único voto de Donald Trump no pleito de novembro. Seus seguidores formam uma seita, aparentemente inabalável a revelações incômodas sobre seu amo e senhor. Mas o narcisismo dos donos do mundo impede que ataques à sua reputação sejam ignorados. 

O filme revela seu brilho nos momentos de interação entre Cohn e o jovem Trump. Seus diálogos formam uma espécie de manual da metodologia de poder da extrema-direita, em operação em várias partes do mundo, acima e abaixo do Equador. Seria uma modalidade contemporânea de O Príncipe (1532) de Nicolau Maquiavel, o tratado renascentista sobre a conquista e a manutenção do poder - sem o estilo elegante do florentino, é claro. Os ensinamentos de Cohn, prontamente adotados por Trump, inclusive contra Cohn, seriam como O Príncipe para um tempo mais primário e cafajeste. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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