Cinema, cultura & afins

Opinião|O gigante Othelo


Por Luiz Zanin Oricchio
 

 

 

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Othelo, o Grande, documentário de Lucas H. Rossi dos Santos, tem uma peculiaridade: Othelo falando sobre si mesmo e não pela voz de terceiros. Depois de passar por festivais, o filme chega esta semana ao circuito comercial.

A montagem (de Willem Dias, ótima) foi possível graças à quantidade de documentos deixados por Othelo ao longo de sua trajetória. Não apenas os filmes de que participou, mas também as entrevistas que deu, algumas em TV, como no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo

Nessas gravações, Othelo fala de sua trajetória, de sua vida dura, de seus sucessos e tropeços. Garoto mineiro, de família pobre de Uberlândia, o pequeno prodígio Sebastião Prata foi "doado" pela mãe, de papel passado, a uma companhia de espetáculos. Ao lado de Oscarito, foi a grande figura das chanchadas. Passou pelo Cinema Novo e pelo Cinema Marginal. Brilhou em papeis cômicos na TV. Fez músicas e cantou. Virou amigo de Orson Welles quando o diretor de Cidadão Kane esteve no Brasil para filmar seu documentário It's All True.Que vida!

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Othelo foi famoso, querido, amado, na verdade. Mas nunca deixou de sentir na pele o estigma da discriminação racial. Com papéis de igual importância, consta que ganhava um terço do que faturava seu parceiro branco, Oscarito. Num Roda Viva, um jornalista lhe pergunta: "Você acha que existe racismo no Brasil? Ele responde: "o simples fato de você fazer essa pergunta já mostra que existe".

O filme revela toda a grandeza de Othelo, selecionando algumas de suas interpretações que se tornaram marcas registradas do cinema brasileiro: a agonia num registro de gás do personagem Passarinho em Amei um bicheiro; o compositor Espírito da Luz cantando um samba num superlotado vagão de trem da Central do Brasil em Rio Zona Norte; o bêbado Cachaça, cambaleando e cantando, com voz esganiçada, no enterro de uma criança da favela em Assalto ao Trem Pagador. Como a Julieta paródica contracenando com o "Romeu" Oscarito na cena do balcão, em Carnaval do Fogo.

Essa sequência, hilária, mostra sua face dolorosa quando se sabe que Othelo havia, na véspera da filmagem, recebido a notícia de que sua mulher havia se suicidado, depois de matar um filho do casal. Ele mesmo conta a história. E como sublimou a dor em uma atuação cômica de antologia.

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A vida entre a tragédia e a comédia é riquíssima. Boa parte dessa riqueza se estampa na tela, sem intermediários, devido à decisão de deixar Othelo descrevê-la, com o sentimento de verdade de quem a experimentou no calor do momento e não no confortável distanciamento crítico de um jornalista ou crítico de cinema ou de música.

Othelo dá pitacos que podem ser discutidos, como quando aponta as reticências do público em relação ao Cinema Novo. Ele abre uma exceção para um dos filmes em que trabalha - Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, adaptação cinematográfica da "rapsódia" de Mário de Andrade, em que faz o protagonista, papel dividido, ao longo do enredo, com Paulo José, o Macunaíma branco.

Relembra - e vemos as cenas na tela - sua incrível parceria com Werner Herzog, quando contracena com o alemão Klaus Kinski em Fitzcarraldo.

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A essas virtudes do documentário se junta uma trilha sonora memorável tirada de Batucada Fantástica, de Luciano Perrone. O samba veste o filme e faz pulsar a brasilidade, sentimento maior desse imenso Othelo.

 

 

 

 

 

 

Othelo, o Grande, documentário de Lucas H. Rossi dos Santos, tem uma peculiaridade: Othelo falando sobre si mesmo e não pela voz de terceiros. Depois de passar por festivais, o filme chega esta semana ao circuito comercial.

A montagem (de Willem Dias, ótima) foi possível graças à quantidade de documentos deixados por Othelo ao longo de sua trajetória. Não apenas os filmes de que participou, mas também as entrevistas que deu, algumas em TV, como no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo

Nessas gravações, Othelo fala de sua trajetória, de sua vida dura, de seus sucessos e tropeços. Garoto mineiro, de família pobre de Uberlândia, o pequeno prodígio Sebastião Prata foi "doado" pela mãe, de papel passado, a uma companhia de espetáculos. Ao lado de Oscarito, foi a grande figura das chanchadas. Passou pelo Cinema Novo e pelo Cinema Marginal. Brilhou em papeis cômicos na TV. Fez músicas e cantou. Virou amigo de Orson Welles quando o diretor de Cidadão Kane esteve no Brasil para filmar seu documentário It's All True.Que vida!

Othelo foi famoso, querido, amado, na verdade. Mas nunca deixou de sentir na pele o estigma da discriminação racial. Com papéis de igual importância, consta que ganhava um terço do que faturava seu parceiro branco, Oscarito. Num Roda Viva, um jornalista lhe pergunta: "Você acha que existe racismo no Brasil? Ele responde: "o simples fato de você fazer essa pergunta já mostra que existe".

O filme revela toda a grandeza de Othelo, selecionando algumas de suas interpretações que se tornaram marcas registradas do cinema brasileiro: a agonia num registro de gás do personagem Passarinho em Amei um bicheiro; o compositor Espírito da Luz cantando um samba num superlotado vagão de trem da Central do Brasil em Rio Zona Norte; o bêbado Cachaça, cambaleando e cantando, com voz esganiçada, no enterro de uma criança da favela em Assalto ao Trem Pagador. Como a Julieta paródica contracenando com o "Romeu" Oscarito na cena do balcão, em Carnaval do Fogo.

Essa sequência, hilária, mostra sua face dolorosa quando se sabe que Othelo havia, na véspera da filmagem, recebido a notícia de que sua mulher havia se suicidado, depois de matar um filho do casal. Ele mesmo conta a história. E como sublimou a dor em uma atuação cômica de antologia.

A vida entre a tragédia e a comédia é riquíssima. Boa parte dessa riqueza se estampa na tela, sem intermediários, devido à decisão de deixar Othelo descrevê-la, com o sentimento de verdade de quem a experimentou no calor do momento e não no confortável distanciamento crítico de um jornalista ou crítico de cinema ou de música.

Othelo dá pitacos que podem ser discutidos, como quando aponta as reticências do público em relação ao Cinema Novo. Ele abre uma exceção para um dos filmes em que trabalha - Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, adaptação cinematográfica da "rapsódia" de Mário de Andrade, em que faz o protagonista, papel dividido, ao longo do enredo, com Paulo José, o Macunaíma branco.

Relembra - e vemos as cenas na tela - sua incrível parceria com Werner Herzog, quando contracena com o alemão Klaus Kinski em Fitzcarraldo.

A essas virtudes do documentário se junta uma trilha sonora memorável tirada de Batucada Fantástica, de Luciano Perrone. O samba veste o filme e faz pulsar a brasilidade, sentimento maior desse imenso Othelo.

 

 

 

 

 

 

Othelo, o Grande, documentário de Lucas H. Rossi dos Santos, tem uma peculiaridade: Othelo falando sobre si mesmo e não pela voz de terceiros. Depois de passar por festivais, o filme chega esta semana ao circuito comercial.

A montagem (de Willem Dias, ótima) foi possível graças à quantidade de documentos deixados por Othelo ao longo de sua trajetória. Não apenas os filmes de que participou, mas também as entrevistas que deu, algumas em TV, como no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo

Nessas gravações, Othelo fala de sua trajetória, de sua vida dura, de seus sucessos e tropeços. Garoto mineiro, de família pobre de Uberlândia, o pequeno prodígio Sebastião Prata foi "doado" pela mãe, de papel passado, a uma companhia de espetáculos. Ao lado de Oscarito, foi a grande figura das chanchadas. Passou pelo Cinema Novo e pelo Cinema Marginal. Brilhou em papeis cômicos na TV. Fez músicas e cantou. Virou amigo de Orson Welles quando o diretor de Cidadão Kane esteve no Brasil para filmar seu documentário It's All True.Que vida!

Othelo foi famoso, querido, amado, na verdade. Mas nunca deixou de sentir na pele o estigma da discriminação racial. Com papéis de igual importância, consta que ganhava um terço do que faturava seu parceiro branco, Oscarito. Num Roda Viva, um jornalista lhe pergunta: "Você acha que existe racismo no Brasil? Ele responde: "o simples fato de você fazer essa pergunta já mostra que existe".

O filme revela toda a grandeza de Othelo, selecionando algumas de suas interpretações que se tornaram marcas registradas do cinema brasileiro: a agonia num registro de gás do personagem Passarinho em Amei um bicheiro; o compositor Espírito da Luz cantando um samba num superlotado vagão de trem da Central do Brasil em Rio Zona Norte; o bêbado Cachaça, cambaleando e cantando, com voz esganiçada, no enterro de uma criança da favela em Assalto ao Trem Pagador. Como a Julieta paródica contracenando com o "Romeu" Oscarito na cena do balcão, em Carnaval do Fogo.

Essa sequência, hilária, mostra sua face dolorosa quando se sabe que Othelo havia, na véspera da filmagem, recebido a notícia de que sua mulher havia se suicidado, depois de matar um filho do casal. Ele mesmo conta a história. E como sublimou a dor em uma atuação cômica de antologia.

A vida entre a tragédia e a comédia é riquíssima. Boa parte dessa riqueza se estampa na tela, sem intermediários, devido à decisão de deixar Othelo descrevê-la, com o sentimento de verdade de quem a experimentou no calor do momento e não no confortável distanciamento crítico de um jornalista ou crítico de cinema ou de música.

Othelo dá pitacos que podem ser discutidos, como quando aponta as reticências do público em relação ao Cinema Novo. Ele abre uma exceção para um dos filmes em que trabalha - Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, adaptação cinematográfica da "rapsódia" de Mário de Andrade, em que faz o protagonista, papel dividido, ao longo do enredo, com Paulo José, o Macunaíma branco.

Relembra - e vemos as cenas na tela - sua incrível parceria com Werner Herzog, quando contracena com o alemão Klaus Kinski em Fitzcarraldo.

A essas virtudes do documentário se junta uma trilha sonora memorável tirada de Batucada Fantástica, de Luciano Perrone. O samba veste o filme e faz pulsar a brasilidade, sentimento maior desse imenso Othelo.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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