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Opinião|'O Sequestro do Papa', radiografia do poder abusivo da Igreja por Marco Bellocchio


Por Luiz Zanin Oricchio
 

O título brasileiro é enganoso - dá a entender que o papa é sequestrado, quando se trata do contrário. Pio IX não é vítima, mas mandante de um sequestro - e de uma criança, ainda por cima. O caso - real - aconteceu na Itália do século 19 e é contado por Marco Bellocchio, em seu título mais recente, Rapto, como foi lançado na Itália.

O caso é o de um menino judeu que, doente, teria sido batizado na fé católica pela mulher que cuidava dele. Recuperado, o garoto vê-se presa da polícia do Vaticano, que o tira do convívio familiar e o leva para o seio da Santa Madre Igreja.

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O caso arrasta-se por anos, numa longa batalha judicial entre a família e o Vaticano, em que entram como ingredientes uma luta por poder político numa Itália ainda convulsionada pelo processo de unificação, além de preconceitos variados, o antissemitismo o mais evidente entre eles.

No fundo, o que pode interessar a Bellocchio, cineasta notadamente político, neste velho caso de embate entre igreja e pátrio poder, entre catolicismo e judaísmo? Parece notório que se trata de expor à luz do dia os absurdos provocados pela luta religiosa, em particular pela então dominante Igreja Católica, a fé oficial, que, nessa posição, ainda se confunde com o próprio poder do Estado.

O tema é super atual num momento em que, em várias frentes, o Estado laico vem sendo questionado. Quando uma pessoa integrante do governo Bolsonaro afirma que é chegada a hora de a igreja governar, é disso que se trata: o estabelecimento de um estado teocrático que impõe dogmas de fé como lei geral sobre um povo. Como se vê, esse obscurantismo não é monopólio de neopentecostais contemporâneos, nem dos imãs iranianos, mas esteve no centro do poder religioso quando a Igreja Católica ainda mandava em boa parte do mundo. É o passado ajudando a ler o presente.

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O poder eclesiástico já havia sido contestado, junto com o poder absoluto dos reis, pela Revolução Francesa no século 18. Mas como a humanidade não avança em linha reta, eis aí, em pleno século 21, questões como essa surgindo de novo, como se fossem mortos-vivos da História.

O caso escabroso do sequestro do menino de 7 anos Edgardo Mortara é desenvolvido por Bellocchio num artefato cinematográfico sólido como madeira de lei. Rapto, ou O Sequestro do Papa, como se quiser, é mais um ponto alto na carreira desse mestre, que começa lá atrás, nos anos 1960, com obras como De Punhos Cerrados (1965) e A China Está Próxima (1967), entre outros.

Em sua trajetória, Bellocchio faz uma dobradinha interessante de marxismo e psicanálise, influências críticas que emprestam tom contestador e progressista aos seus trabalhos.

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O poder real e ideológico da Igreja faz-se presente em sua obra em filmes como Em Nome do Pai (1972) e Aula de Religião (Ora di religione, 2002), além deste Sequestro do Papa. De qualquer forma, mesmo não sendo tema central, a questão religiosa insinua-se, sob crítica, em praticamente todos os seus filmes, o que se explica pela presença maciça da religião católica em todas as instâncias de poder na Itália.

Outra constante temática da obra de Bellocchio, mas que também tem a ver com a questão religiosa, é um fato histórico que marcou a Itália moderna - o sequestro e morte do presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, em 1978. O cineasta visitou esse episódio - um divisor de águas que acabou por demonizar a esquerda armada italiana - no notável Bom Dia, Noite (2003). E voltou a ele, no mais notável ainda Esterno Noite (2022), em quatro episódios - ainda sem distribuição comercial no Brasil, embora tenham sido exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo em sua edição de 2022. Inútil dizer que em todas as barganhas para a liberação de Moro esteve presente a Igreja Católica que, na figura do papa, julgou mais estratégico não ceder às exigências dos sequestradores.

O cinema de Bellocchio, banhado por essas fontes de inspiração, na psicanálise e na História, ganha uma densidade notável, em especial quando contrastado com o tipo de cinema autocentrado e pudico como o praticado de forma dominante hoje em dia. O seu é um cinema de grande mestre, culto, maduro em seu domínio técnico da realização e com alma rebelde de adolescente preservada aos 84 anos de idade.

 

O título brasileiro é enganoso - dá a entender que o papa é sequestrado, quando se trata do contrário. Pio IX não é vítima, mas mandante de um sequestro - e de uma criança, ainda por cima. O caso - real - aconteceu na Itália do século 19 e é contado por Marco Bellocchio, em seu título mais recente, Rapto, como foi lançado na Itália.

O caso é o de um menino judeu que, doente, teria sido batizado na fé católica pela mulher que cuidava dele. Recuperado, o garoto vê-se presa da polícia do Vaticano, que o tira do convívio familiar e o leva para o seio da Santa Madre Igreja.

O caso arrasta-se por anos, numa longa batalha judicial entre a família e o Vaticano, em que entram como ingredientes uma luta por poder político numa Itália ainda convulsionada pelo processo de unificação, além de preconceitos variados, o antissemitismo o mais evidente entre eles.

No fundo, o que pode interessar a Bellocchio, cineasta notadamente político, neste velho caso de embate entre igreja e pátrio poder, entre catolicismo e judaísmo? Parece notório que se trata de expor à luz do dia os absurdos provocados pela luta religiosa, em particular pela então dominante Igreja Católica, a fé oficial, que, nessa posição, ainda se confunde com o próprio poder do Estado.

O tema é super atual num momento em que, em várias frentes, o Estado laico vem sendo questionado. Quando uma pessoa integrante do governo Bolsonaro afirma que é chegada a hora de a igreja governar, é disso que se trata: o estabelecimento de um estado teocrático que impõe dogmas de fé como lei geral sobre um povo. Como se vê, esse obscurantismo não é monopólio de neopentecostais contemporâneos, nem dos imãs iranianos, mas esteve no centro do poder religioso quando a Igreja Católica ainda mandava em boa parte do mundo. É o passado ajudando a ler o presente.

O poder eclesiástico já havia sido contestado, junto com o poder absoluto dos reis, pela Revolução Francesa no século 18. Mas como a humanidade não avança em linha reta, eis aí, em pleno século 21, questões como essa surgindo de novo, como se fossem mortos-vivos da História.

O caso escabroso do sequestro do menino de 7 anos Edgardo Mortara é desenvolvido por Bellocchio num artefato cinematográfico sólido como madeira de lei. Rapto, ou O Sequestro do Papa, como se quiser, é mais um ponto alto na carreira desse mestre, que começa lá atrás, nos anos 1960, com obras como De Punhos Cerrados (1965) e A China Está Próxima (1967), entre outros.

Em sua trajetória, Bellocchio faz uma dobradinha interessante de marxismo e psicanálise, influências críticas que emprestam tom contestador e progressista aos seus trabalhos.

O poder real e ideológico da Igreja faz-se presente em sua obra em filmes como Em Nome do Pai (1972) e Aula de Religião (Ora di religione, 2002), além deste Sequestro do Papa. De qualquer forma, mesmo não sendo tema central, a questão religiosa insinua-se, sob crítica, em praticamente todos os seus filmes, o que se explica pela presença maciça da religião católica em todas as instâncias de poder na Itália.

Outra constante temática da obra de Bellocchio, mas que também tem a ver com a questão religiosa, é um fato histórico que marcou a Itália moderna - o sequestro e morte do presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, em 1978. O cineasta visitou esse episódio - um divisor de águas que acabou por demonizar a esquerda armada italiana - no notável Bom Dia, Noite (2003). E voltou a ele, no mais notável ainda Esterno Noite (2022), em quatro episódios - ainda sem distribuição comercial no Brasil, embora tenham sido exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo em sua edição de 2022. Inútil dizer que em todas as barganhas para a liberação de Moro esteve presente a Igreja Católica que, na figura do papa, julgou mais estratégico não ceder às exigências dos sequestradores.

O cinema de Bellocchio, banhado por essas fontes de inspiração, na psicanálise e na História, ganha uma densidade notável, em especial quando contrastado com o tipo de cinema autocentrado e pudico como o praticado de forma dominante hoje em dia. O seu é um cinema de grande mestre, culto, maduro em seu domínio técnico da realização e com alma rebelde de adolescente preservada aos 84 anos de idade.

 

O título brasileiro é enganoso - dá a entender que o papa é sequestrado, quando se trata do contrário. Pio IX não é vítima, mas mandante de um sequestro - e de uma criança, ainda por cima. O caso - real - aconteceu na Itália do século 19 e é contado por Marco Bellocchio, em seu título mais recente, Rapto, como foi lançado na Itália.

O caso é o de um menino judeu que, doente, teria sido batizado na fé católica pela mulher que cuidava dele. Recuperado, o garoto vê-se presa da polícia do Vaticano, que o tira do convívio familiar e o leva para o seio da Santa Madre Igreja.

O caso arrasta-se por anos, numa longa batalha judicial entre a família e o Vaticano, em que entram como ingredientes uma luta por poder político numa Itália ainda convulsionada pelo processo de unificação, além de preconceitos variados, o antissemitismo o mais evidente entre eles.

No fundo, o que pode interessar a Bellocchio, cineasta notadamente político, neste velho caso de embate entre igreja e pátrio poder, entre catolicismo e judaísmo? Parece notório que se trata de expor à luz do dia os absurdos provocados pela luta religiosa, em particular pela então dominante Igreja Católica, a fé oficial, que, nessa posição, ainda se confunde com o próprio poder do Estado.

O tema é super atual num momento em que, em várias frentes, o Estado laico vem sendo questionado. Quando uma pessoa integrante do governo Bolsonaro afirma que é chegada a hora de a igreja governar, é disso que se trata: o estabelecimento de um estado teocrático que impõe dogmas de fé como lei geral sobre um povo. Como se vê, esse obscurantismo não é monopólio de neopentecostais contemporâneos, nem dos imãs iranianos, mas esteve no centro do poder religioso quando a Igreja Católica ainda mandava em boa parte do mundo. É o passado ajudando a ler o presente.

O poder eclesiástico já havia sido contestado, junto com o poder absoluto dos reis, pela Revolução Francesa no século 18. Mas como a humanidade não avança em linha reta, eis aí, em pleno século 21, questões como essa surgindo de novo, como se fossem mortos-vivos da História.

O caso escabroso do sequestro do menino de 7 anos Edgardo Mortara é desenvolvido por Bellocchio num artefato cinematográfico sólido como madeira de lei. Rapto, ou O Sequestro do Papa, como se quiser, é mais um ponto alto na carreira desse mestre, que começa lá atrás, nos anos 1960, com obras como De Punhos Cerrados (1965) e A China Está Próxima (1967), entre outros.

Em sua trajetória, Bellocchio faz uma dobradinha interessante de marxismo e psicanálise, influências críticas que emprestam tom contestador e progressista aos seus trabalhos.

O poder real e ideológico da Igreja faz-se presente em sua obra em filmes como Em Nome do Pai (1972) e Aula de Religião (Ora di religione, 2002), além deste Sequestro do Papa. De qualquer forma, mesmo não sendo tema central, a questão religiosa insinua-se, sob crítica, em praticamente todos os seus filmes, o que se explica pela presença maciça da religião católica em todas as instâncias de poder na Itália.

Outra constante temática da obra de Bellocchio, mas que também tem a ver com a questão religiosa, é um fato histórico que marcou a Itália moderna - o sequestro e morte do presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, em 1978. O cineasta visitou esse episódio - um divisor de águas que acabou por demonizar a esquerda armada italiana - no notável Bom Dia, Noite (2003). E voltou a ele, no mais notável ainda Esterno Noite (2022), em quatro episódios - ainda sem distribuição comercial no Brasil, embora tenham sido exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo em sua edição de 2022. Inútil dizer que em todas as barganhas para a liberação de Moro esteve presente a Igreja Católica que, na figura do papa, julgou mais estratégico não ceder às exigências dos sequestradores.

O cinema de Bellocchio, banhado por essas fontes de inspiração, na psicanálise e na História, ganha uma densidade notável, em especial quando contrastado com o tipo de cinema autocentrado e pudico como o praticado de forma dominante hoje em dia. O seu é um cinema de grande mestre, culto, maduro em seu domínio técnico da realização e com alma rebelde de adolescente preservada aos 84 anos de idade.

 

O título brasileiro é enganoso - dá a entender que o papa é sequestrado, quando se trata do contrário. Pio IX não é vítima, mas mandante de um sequestro - e de uma criança, ainda por cima. O caso - real - aconteceu na Itália do século 19 e é contado por Marco Bellocchio, em seu título mais recente, Rapto, como foi lançado na Itália.

O caso é o de um menino judeu que, doente, teria sido batizado na fé católica pela mulher que cuidava dele. Recuperado, o garoto vê-se presa da polícia do Vaticano, que o tira do convívio familiar e o leva para o seio da Santa Madre Igreja.

O caso arrasta-se por anos, numa longa batalha judicial entre a família e o Vaticano, em que entram como ingredientes uma luta por poder político numa Itália ainda convulsionada pelo processo de unificação, além de preconceitos variados, o antissemitismo o mais evidente entre eles.

No fundo, o que pode interessar a Bellocchio, cineasta notadamente político, neste velho caso de embate entre igreja e pátrio poder, entre catolicismo e judaísmo? Parece notório que se trata de expor à luz do dia os absurdos provocados pela luta religiosa, em particular pela então dominante Igreja Católica, a fé oficial, que, nessa posição, ainda se confunde com o próprio poder do Estado.

O tema é super atual num momento em que, em várias frentes, o Estado laico vem sendo questionado. Quando uma pessoa integrante do governo Bolsonaro afirma que é chegada a hora de a igreja governar, é disso que se trata: o estabelecimento de um estado teocrático que impõe dogmas de fé como lei geral sobre um povo. Como se vê, esse obscurantismo não é monopólio de neopentecostais contemporâneos, nem dos imãs iranianos, mas esteve no centro do poder religioso quando a Igreja Católica ainda mandava em boa parte do mundo. É o passado ajudando a ler o presente.

O poder eclesiástico já havia sido contestado, junto com o poder absoluto dos reis, pela Revolução Francesa no século 18. Mas como a humanidade não avança em linha reta, eis aí, em pleno século 21, questões como essa surgindo de novo, como se fossem mortos-vivos da História.

O caso escabroso do sequestro do menino de 7 anos Edgardo Mortara é desenvolvido por Bellocchio num artefato cinematográfico sólido como madeira de lei. Rapto, ou O Sequestro do Papa, como se quiser, é mais um ponto alto na carreira desse mestre, que começa lá atrás, nos anos 1960, com obras como De Punhos Cerrados (1965) e A China Está Próxima (1967), entre outros.

Em sua trajetória, Bellocchio faz uma dobradinha interessante de marxismo e psicanálise, influências críticas que emprestam tom contestador e progressista aos seus trabalhos.

O poder real e ideológico da Igreja faz-se presente em sua obra em filmes como Em Nome do Pai (1972) e Aula de Religião (Ora di religione, 2002), além deste Sequestro do Papa. De qualquer forma, mesmo não sendo tema central, a questão religiosa insinua-se, sob crítica, em praticamente todos os seus filmes, o que se explica pela presença maciça da religião católica em todas as instâncias de poder na Itália.

Outra constante temática da obra de Bellocchio, mas que também tem a ver com a questão religiosa, é um fato histórico que marcou a Itália moderna - o sequestro e morte do presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, em 1978. O cineasta visitou esse episódio - um divisor de águas que acabou por demonizar a esquerda armada italiana - no notável Bom Dia, Noite (2003). E voltou a ele, no mais notável ainda Esterno Noite (2022), em quatro episódios - ainda sem distribuição comercial no Brasil, embora tenham sido exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo em sua edição de 2022. Inútil dizer que em todas as barganhas para a liberação de Moro esteve presente a Igreja Católica que, na figura do papa, julgou mais estratégico não ceder às exigências dos sequestradores.

O cinema de Bellocchio, banhado por essas fontes de inspiração, na psicanálise e na História, ganha uma densidade notável, em especial quando contrastado com o tipo de cinema autocentrado e pudico como o praticado de forma dominante hoje em dia. O seu é um cinema de grande mestre, culto, maduro em seu domínio técnico da realização e com alma rebelde de adolescente preservada aos 84 anos de idade.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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