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Opinião|Olhar 2023: Disco Boy, filme pancadão para tempos tímidos


Por Luiz Zanin Oricchio
 

CURITIBA - De início, parece uma barulhenta torcida organizada lotando um ônibus, com seus cânticos de guerra e masculinidade tribal. São parados na fronteira e prosseguem. Mais adiante, vemos que os planos de uma dupla de amigos vão bem além de assistir a uma partida de futebol do time do coração. O plano é passar fronteiras e chegar à França na condição de imigrantes. Começa assim esse trepidante Disco Boy, do diretor italiano radicado na França Giacomo Abbruzzese. 

Ao apresentar a sessão, ele diz que estava contente de ver seu filme chegar ao público numa sala de cinema e não numa telinha de computador ou celular. O impacto das imagens e dos sons foram planejados para a tela grande, diz. E, de fato, o que temos diante de nós é um trabalho bastante sensorial. Entra mais pelos sentidos que pela inteligência. Isto é, depende, mais que outras obras, das condições ideais de som e imagem de uma boa sala de cinema. 

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As cenas de combate são bastante intensas. Assim como as sequências encenadas em discotecas ao som do techno, que têm um caráter tribal e ritualístico. Curioso ver essas duas ambientações - guerra e discoteca - em paralelo para sentir como se mimetizam. As danças, o som, o transe dos dançarinos lembram elementos bélicos. Não é uma dança para enlevo ou romance. Evocam movimentos - e comportamentos - de guerra. Se são sensuais, é de sexo selvagem que se trata. É a dança do nosso tempo, no qual não cabem mais o tango, o samba, o bolero. Techo. Música mecânica para tempos de máquinas. 

De qualquer forma, Aleksei (Franz Rogowski, alemão no papel de um bielo-russo) só vê uma saída para ganhar a cidadania francesa - alistar-se na Legião Estrangeira que, como se sabe, não faz perguntas incômodas aos interessados. Cinco anos servindo à França e, pronto, a pessoa torna-se cidadã francesa, com direito a passaporte e mudança de nome, se assim desejar. 

Os panoramas se alternam à medida que a história evolui. De Paris à África, onde guerrilheiros sequestram cidadãos franceses. Um comando francês é enviado para libertá-los. E nele está Aleksei. No delta do Níger, vai enfrentar o revolucionário Jomo (Morr Ndiaye), em luta contra companhias petrolíferas que operam na região. Aleksei e Jomo - duas faces da guerra. Unidos, talvez no plano imaginário, por uma imagem feminina, que pode ser uma rainha na floresta ou uma dançarina de cabaré parisiense. Planos de realidade e delírio se alteram num contexto onírico. 

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A estética do filme, em especial nas cenas de combates na selva, revela inspiração no clássico Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Há fogo por toda parte, violência, delírio. Mas também o diretor se vale de outras fontes de inspiração, como disse em conversa após a sessão: Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline, Coração das Trevas, de Joseph Conrad, J'ai Tué, de Blaise Cendrars. Em todos, um denominador comum: são descidas ao inferno, do colonialismo à guerra, sem quaisquer disfarces ou atenuantes. Essa soma de influências resulta num filme-porrada. 

Se é impecável na dimensão do som e da fotografia (a cargo da craque francesa Hélène Louvart), Disco Boy fica a dever na articulação do roteiro. Sinto algumas inconsistências na maneira como passa de uma dimensão a outra, aos saltos, por assim dizer.  Como também se quisesse abarcar um conjunto amplo demais, como é comum em estreantes. Falta uma crítica mais consistente do militarismo, ausência não anulada pelo final contemporizador. Disco Boy é o primeiro longa de ficção de Abbruzzese. Vale como experiência cinematográfica sensorial. Radical em tempo de amenidades e luvas de pelica, tem o mérito de enfiar a mão na massa sem temer consequências ou patrulhamentos.  

 

CURITIBA - De início, parece uma barulhenta torcida organizada lotando um ônibus, com seus cânticos de guerra e masculinidade tribal. São parados na fronteira e prosseguem. Mais adiante, vemos que os planos de uma dupla de amigos vão bem além de assistir a uma partida de futebol do time do coração. O plano é passar fronteiras e chegar à França na condição de imigrantes. Começa assim esse trepidante Disco Boy, do diretor italiano radicado na França Giacomo Abbruzzese. 

Ao apresentar a sessão, ele diz que estava contente de ver seu filme chegar ao público numa sala de cinema e não numa telinha de computador ou celular. O impacto das imagens e dos sons foram planejados para a tela grande, diz. E, de fato, o que temos diante de nós é um trabalho bastante sensorial. Entra mais pelos sentidos que pela inteligência. Isto é, depende, mais que outras obras, das condições ideais de som e imagem de uma boa sala de cinema. 

As cenas de combate são bastante intensas. Assim como as sequências encenadas em discotecas ao som do techno, que têm um caráter tribal e ritualístico. Curioso ver essas duas ambientações - guerra e discoteca - em paralelo para sentir como se mimetizam. As danças, o som, o transe dos dançarinos lembram elementos bélicos. Não é uma dança para enlevo ou romance. Evocam movimentos - e comportamentos - de guerra. Se são sensuais, é de sexo selvagem que se trata. É a dança do nosso tempo, no qual não cabem mais o tango, o samba, o bolero. Techo. Música mecânica para tempos de máquinas. 

De qualquer forma, Aleksei (Franz Rogowski, alemão no papel de um bielo-russo) só vê uma saída para ganhar a cidadania francesa - alistar-se na Legião Estrangeira que, como se sabe, não faz perguntas incômodas aos interessados. Cinco anos servindo à França e, pronto, a pessoa torna-se cidadã francesa, com direito a passaporte e mudança de nome, se assim desejar. 

Os panoramas se alternam à medida que a história evolui. De Paris à África, onde guerrilheiros sequestram cidadãos franceses. Um comando francês é enviado para libertá-los. E nele está Aleksei. No delta do Níger, vai enfrentar o revolucionário Jomo (Morr Ndiaye), em luta contra companhias petrolíferas que operam na região. Aleksei e Jomo - duas faces da guerra. Unidos, talvez no plano imaginário, por uma imagem feminina, que pode ser uma rainha na floresta ou uma dançarina de cabaré parisiense. Planos de realidade e delírio se alteram num contexto onírico. 

A estética do filme, em especial nas cenas de combates na selva, revela inspiração no clássico Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Há fogo por toda parte, violência, delírio. Mas também o diretor se vale de outras fontes de inspiração, como disse em conversa após a sessão: Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline, Coração das Trevas, de Joseph Conrad, J'ai Tué, de Blaise Cendrars. Em todos, um denominador comum: são descidas ao inferno, do colonialismo à guerra, sem quaisquer disfarces ou atenuantes. Essa soma de influências resulta num filme-porrada. 

Se é impecável na dimensão do som e da fotografia (a cargo da craque francesa Hélène Louvart), Disco Boy fica a dever na articulação do roteiro. Sinto algumas inconsistências na maneira como passa de uma dimensão a outra, aos saltos, por assim dizer.  Como também se quisesse abarcar um conjunto amplo demais, como é comum em estreantes. Falta uma crítica mais consistente do militarismo, ausência não anulada pelo final contemporizador. Disco Boy é o primeiro longa de ficção de Abbruzzese. Vale como experiência cinematográfica sensorial. Radical em tempo de amenidades e luvas de pelica, tem o mérito de enfiar a mão na massa sem temer consequências ou patrulhamentos.  

 

CURITIBA - De início, parece uma barulhenta torcida organizada lotando um ônibus, com seus cânticos de guerra e masculinidade tribal. São parados na fronteira e prosseguem. Mais adiante, vemos que os planos de uma dupla de amigos vão bem além de assistir a uma partida de futebol do time do coração. O plano é passar fronteiras e chegar à França na condição de imigrantes. Começa assim esse trepidante Disco Boy, do diretor italiano radicado na França Giacomo Abbruzzese. 

Ao apresentar a sessão, ele diz que estava contente de ver seu filme chegar ao público numa sala de cinema e não numa telinha de computador ou celular. O impacto das imagens e dos sons foram planejados para a tela grande, diz. E, de fato, o que temos diante de nós é um trabalho bastante sensorial. Entra mais pelos sentidos que pela inteligência. Isto é, depende, mais que outras obras, das condições ideais de som e imagem de uma boa sala de cinema. 

As cenas de combate são bastante intensas. Assim como as sequências encenadas em discotecas ao som do techno, que têm um caráter tribal e ritualístico. Curioso ver essas duas ambientações - guerra e discoteca - em paralelo para sentir como se mimetizam. As danças, o som, o transe dos dançarinos lembram elementos bélicos. Não é uma dança para enlevo ou romance. Evocam movimentos - e comportamentos - de guerra. Se são sensuais, é de sexo selvagem que se trata. É a dança do nosso tempo, no qual não cabem mais o tango, o samba, o bolero. Techo. Música mecânica para tempos de máquinas. 

De qualquer forma, Aleksei (Franz Rogowski, alemão no papel de um bielo-russo) só vê uma saída para ganhar a cidadania francesa - alistar-se na Legião Estrangeira que, como se sabe, não faz perguntas incômodas aos interessados. Cinco anos servindo à França e, pronto, a pessoa torna-se cidadã francesa, com direito a passaporte e mudança de nome, se assim desejar. 

Os panoramas se alternam à medida que a história evolui. De Paris à África, onde guerrilheiros sequestram cidadãos franceses. Um comando francês é enviado para libertá-los. E nele está Aleksei. No delta do Níger, vai enfrentar o revolucionário Jomo (Morr Ndiaye), em luta contra companhias petrolíferas que operam na região. Aleksei e Jomo - duas faces da guerra. Unidos, talvez no plano imaginário, por uma imagem feminina, que pode ser uma rainha na floresta ou uma dançarina de cabaré parisiense. Planos de realidade e delírio se alteram num contexto onírico. 

A estética do filme, em especial nas cenas de combates na selva, revela inspiração no clássico Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Há fogo por toda parte, violência, delírio. Mas também o diretor se vale de outras fontes de inspiração, como disse em conversa após a sessão: Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline, Coração das Trevas, de Joseph Conrad, J'ai Tué, de Blaise Cendrars. Em todos, um denominador comum: são descidas ao inferno, do colonialismo à guerra, sem quaisquer disfarces ou atenuantes. Essa soma de influências resulta num filme-porrada. 

Se é impecável na dimensão do som e da fotografia (a cargo da craque francesa Hélène Louvart), Disco Boy fica a dever na articulação do roteiro. Sinto algumas inconsistências na maneira como passa de uma dimensão a outra, aos saltos, por assim dizer.  Como também se quisesse abarcar um conjunto amplo demais, como é comum em estreantes. Falta uma crítica mais consistente do militarismo, ausência não anulada pelo final contemporizador. Disco Boy é o primeiro longa de ficção de Abbruzzese. Vale como experiência cinematográfica sensorial. Radical em tempo de amenidades e luvas de pelica, tem o mérito de enfiar a mão na massa sem temer consequências ou patrulhamentos.  

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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