Cinema, cultura & afins

Opinião|Triângulo da Tristeza: crítica social ou apelação?


Por Luiz Zanin Oricchio
 Foto: Neon

Estreia nesta quinta Triângulo da Tristeza, do sueco Ruben Östlund, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, em decisão polêmica do júri. Assisti ao filme durante a Mostra de São Paulo e saí com sentimentos desencontrados. Por um lado, o gosto pela polêmica, bem-vinda em tempos de ideias estagnadas. Por outro, um certo retrogosto de apelação - no mau sentido do termo. A conferir. 

Como se sabe, a polêmica está sempre por perto quando se trata de Östlund. Em seus filmes anteriores - Força Maior e The Square - A Arte da Discórdia (também Palma de Ouro) coloca incômodas questões éticas diante do espectador. No primeiro, um pai de família, diante de uma avalanche, trata de salvar a própria pele e deixa os seus à própria sorte. O segundo é uma visão quase entomológica sobre o corrupto mercado da arte contemporânea, povoado de fariseus e filisteus, picaretas e negociantes, trouxas e aproveitadores. 

continua após a publicidade

Agora, Em Triângulo da Tristeza, o mundo dos ricos é colocado implacavelmente contra a parede. E mais - vemos como a ínfima espessura da capa de civilidade logo se dissolve, dando lugar a instintos primários quando a abundância torna-se necessidade. Há também o relacionamento entre classes sociais, talvez alusão distante a um clássico, A Regra do Jogo, de Jean Renoir. Mas, cabe dizer, Östlund teria muito a aprender com a sutileza de Renoir. 

Na trama, um casal de modelos e influencers, Yaya (Charlbi Dean Kriek) e Carl (Harris Dickinson), embarcam num cruzeiro de luxo e convivem com milionários, um capitão comunista e fanfarrão (Woody Harrelson) e gente de todo tipo, da tripulação a um miliardário russo e um casal de traficantes de armas britânico, dotado de impecáveis boas maneiras. 

Terminam, em petit comité, como náufragos em uma ilha, numa situação curiosa de inversão de poder entre os personagens. Fora do contexto "civilizado" e capitalista, passa a valer muito mais saber preparar uma refeição do que ter todo o ouro do mundo numa conta bancária. 

continua após a publicidade

Há de tudo um pouco nesse filme ambicioso e feroz em relação ao hipercapitalismo do mundo atual. Do Renoir de A Regra do Jogo ao Fellini de E la Nave Va e mesmo ao Buñuel de O Anjo Exterminador. Mas aqui a comparação deve ser feita com reservas, porque se trata de gênios e Östlund, se não lhe falta verve, humor negro e indignação, parece carente de qualquer sentido de nuance. 

Ou mesmo de algum rasgo de simpatia por algum dos seus personagens. Para resumir: ricos e pobres se equivalem, ninguém presta, tudo é podre e se resolve numa golfada de vômito. Verdade que o mundo contemporâneo não merece mesmo muita consideração. Mesmo assim, um certo grau de delicadeza pode ser visto como uma qualidade que introduz nuances onde se vê apenas brutalidade. 

Em todo caso, Triângulo da Tristeza levanta pelo menos uma dúvida cruel: a arte precisa ser sutil quando a vida não o é? O público que decida por si mesmo. 

continua após a publicidade

 

 Foto: Neon

Estreia nesta quinta Triângulo da Tristeza, do sueco Ruben Östlund, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, em decisão polêmica do júri. Assisti ao filme durante a Mostra de São Paulo e saí com sentimentos desencontrados. Por um lado, o gosto pela polêmica, bem-vinda em tempos de ideias estagnadas. Por outro, um certo retrogosto de apelação - no mau sentido do termo. A conferir. 

Como se sabe, a polêmica está sempre por perto quando se trata de Östlund. Em seus filmes anteriores - Força Maior e The Square - A Arte da Discórdia (também Palma de Ouro) coloca incômodas questões éticas diante do espectador. No primeiro, um pai de família, diante de uma avalanche, trata de salvar a própria pele e deixa os seus à própria sorte. O segundo é uma visão quase entomológica sobre o corrupto mercado da arte contemporânea, povoado de fariseus e filisteus, picaretas e negociantes, trouxas e aproveitadores. 

Agora, Em Triângulo da Tristeza, o mundo dos ricos é colocado implacavelmente contra a parede. E mais - vemos como a ínfima espessura da capa de civilidade logo se dissolve, dando lugar a instintos primários quando a abundância torna-se necessidade. Há também o relacionamento entre classes sociais, talvez alusão distante a um clássico, A Regra do Jogo, de Jean Renoir. Mas, cabe dizer, Östlund teria muito a aprender com a sutileza de Renoir. 

Na trama, um casal de modelos e influencers, Yaya (Charlbi Dean Kriek) e Carl (Harris Dickinson), embarcam num cruzeiro de luxo e convivem com milionários, um capitão comunista e fanfarrão (Woody Harrelson) e gente de todo tipo, da tripulação a um miliardário russo e um casal de traficantes de armas britânico, dotado de impecáveis boas maneiras. 

Terminam, em petit comité, como náufragos em uma ilha, numa situação curiosa de inversão de poder entre os personagens. Fora do contexto "civilizado" e capitalista, passa a valer muito mais saber preparar uma refeição do que ter todo o ouro do mundo numa conta bancária. 

Há de tudo um pouco nesse filme ambicioso e feroz em relação ao hipercapitalismo do mundo atual. Do Renoir de A Regra do Jogo ao Fellini de E la Nave Va e mesmo ao Buñuel de O Anjo Exterminador. Mas aqui a comparação deve ser feita com reservas, porque se trata de gênios e Östlund, se não lhe falta verve, humor negro e indignação, parece carente de qualquer sentido de nuance. 

Ou mesmo de algum rasgo de simpatia por algum dos seus personagens. Para resumir: ricos e pobres se equivalem, ninguém presta, tudo é podre e se resolve numa golfada de vômito. Verdade que o mundo contemporâneo não merece mesmo muita consideração. Mesmo assim, um certo grau de delicadeza pode ser visto como uma qualidade que introduz nuances onde se vê apenas brutalidade. 

Em todo caso, Triângulo da Tristeza levanta pelo menos uma dúvida cruel: a arte precisa ser sutil quando a vida não o é? O público que decida por si mesmo. 

 

 Foto: Neon

Estreia nesta quinta Triângulo da Tristeza, do sueco Ruben Östlund, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, em decisão polêmica do júri. Assisti ao filme durante a Mostra de São Paulo e saí com sentimentos desencontrados. Por um lado, o gosto pela polêmica, bem-vinda em tempos de ideias estagnadas. Por outro, um certo retrogosto de apelação - no mau sentido do termo. A conferir. 

Como se sabe, a polêmica está sempre por perto quando se trata de Östlund. Em seus filmes anteriores - Força Maior e The Square - A Arte da Discórdia (também Palma de Ouro) coloca incômodas questões éticas diante do espectador. No primeiro, um pai de família, diante de uma avalanche, trata de salvar a própria pele e deixa os seus à própria sorte. O segundo é uma visão quase entomológica sobre o corrupto mercado da arte contemporânea, povoado de fariseus e filisteus, picaretas e negociantes, trouxas e aproveitadores. 

Agora, Em Triângulo da Tristeza, o mundo dos ricos é colocado implacavelmente contra a parede. E mais - vemos como a ínfima espessura da capa de civilidade logo se dissolve, dando lugar a instintos primários quando a abundância torna-se necessidade. Há também o relacionamento entre classes sociais, talvez alusão distante a um clássico, A Regra do Jogo, de Jean Renoir. Mas, cabe dizer, Östlund teria muito a aprender com a sutileza de Renoir. 

Na trama, um casal de modelos e influencers, Yaya (Charlbi Dean Kriek) e Carl (Harris Dickinson), embarcam num cruzeiro de luxo e convivem com milionários, um capitão comunista e fanfarrão (Woody Harrelson) e gente de todo tipo, da tripulação a um miliardário russo e um casal de traficantes de armas britânico, dotado de impecáveis boas maneiras. 

Terminam, em petit comité, como náufragos em uma ilha, numa situação curiosa de inversão de poder entre os personagens. Fora do contexto "civilizado" e capitalista, passa a valer muito mais saber preparar uma refeição do que ter todo o ouro do mundo numa conta bancária. 

Há de tudo um pouco nesse filme ambicioso e feroz em relação ao hipercapitalismo do mundo atual. Do Renoir de A Regra do Jogo ao Fellini de E la Nave Va e mesmo ao Buñuel de O Anjo Exterminador. Mas aqui a comparação deve ser feita com reservas, porque se trata de gênios e Östlund, se não lhe falta verve, humor negro e indignação, parece carente de qualquer sentido de nuance. 

Ou mesmo de algum rasgo de simpatia por algum dos seus personagens. Para resumir: ricos e pobres se equivalem, ninguém presta, tudo é podre e se resolve numa golfada de vômito. Verdade que o mundo contemporâneo não merece mesmo muita consideração. Mesmo assim, um certo grau de delicadeza pode ser visto como uma qualidade que introduz nuances onde se vê apenas brutalidade. 

Em todo caso, Triângulo da Tristeza levanta pelo menos uma dúvida cruel: a arte precisa ser sutil quando a vida não o é? O público que decida por si mesmo. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.