Cinema, cultura & afins

Opinião|Um balanço pessoal da 47ª Mostra: guarde essa lista de melhores filmes


Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
Filme 'Ervas Secas' Foto: Divulgação / Imovision

Ontem foram entregues os prêmios da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Cito neste abre apenas os dois vencedores principais: Samuel e a Luz (Brasil), de Vinicius Girnys, ganhou como melhor documentário. Quando Derreter (Bélgica), de Veerle Baetens, como melhor ficção. (A lista completa segue no final da matéria).

Premiações e idiossincrasias de júris à parte, anoto aqui os filmes que mais me tocaram nesta hiper maratona de 360 filmes de mais de 96 países.

continua após a publicidade

Entre os estrangeiros, destaco um primeiro bloco:

ESTRANGEIROS:

ERVAS SECAS. TURQUIA. NURI BILGE CEYLAN. Este, para mim, é "o" filme. Está num patamar acima dos outros. Professor faz o estágio obrigatório de serviço num vilarejo remoto da Anatólia. Quer ser transferido para Istambul mas surge uma denúncia de comportamento inadequado com alunas. Ele e o amigo com quem divide o apartamento conhecem uma moça que perdeu uma perna num atentado terrorista. Ceylan faz o cinema mais profundo atualmente.

continua após a publicidade

FOLHAS DE OUTONO. FINLÂNDIA. KAURISMAKI. Dois solitários, uma mulher e um homem se encontram na noite de Helsinki. O cinema de Kaurismaki tem predileção pelos derrotados da vida. Ao contrário de Ceylan, chegado ao barroco, Kaurismaki prefere o minimalismo. Prova de que se pode fazer grande cinema por caminhos opostos.

NÃO ESPERE MUITO PELO FIM DO MUNDO. ROMÊNIA. RADU JUDE. Angela é uma estressada assistente de produção contratada por uma multinacional para produzir um video sobre segurança do trabalho. Cinema pancada e anárquico, é o que faz hoje a crítica mais frontal ao capitalismo.

O MAL NÃO EXISTE. JAPÃO. RYUSUKE HAMAGUCHI. Pai e filha vivem num lugarejo nos arredores de Tóquio. A comunidade vive em equilíbrio com a natureza até que descobre o plano de uma empresa de construção de um camping de luxo no local. Extraordinário filme, de construção rebuscada e uma sequência final arrepiante e misteriosa.

continua após a publicidade
Filme 'O dia que te conheci' Foto: Divulgação / Filmes de Plástico

Entre os brasileiros que pude ver, meus destaques são para

OTHELO, O GRANDE. Documentário de Lucas H. Rossi dos Santos sobre Grande Otelo e sua trajetória artística multifacetada. A opção por refazer essa história apenas através de falas de Otelo em entrevistas e cenas dos seus filmes mostrou-se acertada. O viés de denúncia do racismo é natural exatamente porque sai da boca do próprio personagem e não de pessoas interpostas. A força da trilha sonora dá o ritmo do filme. Muito bom mesmo.

continua após a publicidade

SAMUEL E A LUZ. Documentário de Vinicius Girnys acompanha as transformações sociais da praia de Ponta Negra em Paraty. Da idílica relação direta com a natureza até as mudanças com a chegada da luz elétrica e dos turistas. Uma história de paraíso perdido seguida ao longo de seis anos de registros.

O DIA QUE TE CONHECI. Ficção de André Novais Oliveira. Zeca (Renato Novais) mora em Belo Horizonte e trabalha em Betim como bibliotecário de uma escola. Hora e meia de ônibus para ir, hora e meia para voltar. Como se atrasa sempre, acaba perdendo o emprego. Em compensação, aproxima-se de Luiza (Grace Passô), e então muita coisa muda. O filme comove pela simplicidade, pela honestidade, pelo total despojamento e amor aos personagens.

ESTRANHO CAMINHO. Ficção de Guto Parente. O elemento fantástico dá o tom a essa história de reencontro entre pai e filho. David é cineasta, mora em Portugal e volta a Fortaleza para apresentar seu filme em um festival. Chega a pandemia e tudo é suspenso. Mas ele quer também encontrar o pai, Geraldo (Carlos Francisco), que não vê há muitos anos. O fantástico, introduzido de forma abrupta numa trama naturalista (e muito bem filmada) produz certo pasmo. Mas talvez seja essa mesma a ideia do fantástico: ser um raio em céu azul, gerar o estranho quando menos se espera por ele.

continua após a publicidade

PARTE HISTÓRICA

Gostei demais de rever alguns Antonioni (O Eclipse, A Aventura) em tela grande e cópias zero Km. É uma experiência e tanto. Para nós, que assistimos a centenas de filmes todos os anos, é sempre bom voltar aos mestres. Para lembrar de como é o cinema quando levado ao seu ápice. É um exercício tão necessário quanto para o escritor reler Proust e Machado de Assis. Para ver como é escrever para valer.

Amour Fou. Pude ver em cópia restaurada esse filme de mais de 4h de Jacques Rivette. Muito impactante. Já tinha lido a respeito desse relançamento nos Cahiers du Cinéma. Fizeram muito alarde com esse grande filme de um mestre, recuperado através da montagem de cópias diversas porque o negativo original se perdeu.

continua após a publicidade

Em termos de movimentação, a 47ª Mostra não foi muito diferente das anteriores. Salas lotadas, estresse para obter ingressos, gente comendo lanches improvisados, sem tempo para almoçar ou jantar. Encontros rápidos, trocas de ideias telegráficas e dicas sobre os filmes "imperdíveis" de uns e outros. É o paraíso dos cinéfilos, mas também muito desgastante. Como em qualquer maratona, termina-se exausto e ao mesmo tempo feliz por não ter sucumbido no meio do percurso.

VENCEDORES:

. "Samuel e a Luz", de Vinícius Girnys (Brasil-França): melhor documentário -Prêmio Bandeira Paulista

. "Quando Derreter", de Veerle Baetens (Bélgica-Holanda): melhor ficção -Prêmio Bandeira Paulista

"Se Eu Pudesse Apenas Hibernar", de Zoljargal Purevdash (Mongólia): menção honrosa do júri oficial

. "Asog", de Seán Devkin (Filipinas) - Menção honrosa para a atriz não-binária Jaya

. "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges (Bahia) - Prêmio Netflix, Prêmio Paradiso

. "Somos Guardiões", de Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman (Brasil-EUA) - melhor documentário brasileiro pelo voto do Público e Prêmio Cultures of Resistence (atribuído pelo Creative Activism)

. "A Metade de Nós", de Flávio Botelho (São Paulo) - melhor ficção brasileira pelo voto do Público

. "La Chimera", de Alice Rohrwacher- Melhor ficção internacional pelo voto do Público

. "Da Cor e da Tinta", de Weimin Zhang (Taiwan, EUA, Brasil)

. "O Dia Que Te Conheci", de André Novais Oliveira (Minas Gerais) - Prêmio da Crítica de melhor filme brasileiro

. "Afire", de Christian Petzhold (Alemanha) - Prêmio da Crítica de melhor filme internacional

. "Sem Coração", de Nara Normande e Tião (Pernambuco) - Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) - recorte: para filme de realizadoras brasileiras estreantes.

. “Vale do Exílio”, de Anna Far (Canadá-Libano) - Prêmio Brada de melhor direção de arte atribuído pelo Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil

Filme 'Ervas Secas' Foto: Divulgação / Imovision

Ontem foram entregues os prêmios da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Cito neste abre apenas os dois vencedores principais: Samuel e a Luz (Brasil), de Vinicius Girnys, ganhou como melhor documentário. Quando Derreter (Bélgica), de Veerle Baetens, como melhor ficção. (A lista completa segue no final da matéria).

Premiações e idiossincrasias de júris à parte, anoto aqui os filmes que mais me tocaram nesta hiper maratona de 360 filmes de mais de 96 países.

Entre os estrangeiros, destaco um primeiro bloco:

ESTRANGEIROS:

ERVAS SECAS. TURQUIA. NURI BILGE CEYLAN. Este, para mim, é "o" filme. Está num patamar acima dos outros. Professor faz o estágio obrigatório de serviço num vilarejo remoto da Anatólia. Quer ser transferido para Istambul mas surge uma denúncia de comportamento inadequado com alunas. Ele e o amigo com quem divide o apartamento conhecem uma moça que perdeu uma perna num atentado terrorista. Ceylan faz o cinema mais profundo atualmente.

FOLHAS DE OUTONO. FINLÂNDIA. KAURISMAKI. Dois solitários, uma mulher e um homem se encontram na noite de Helsinki. O cinema de Kaurismaki tem predileção pelos derrotados da vida. Ao contrário de Ceylan, chegado ao barroco, Kaurismaki prefere o minimalismo. Prova de que se pode fazer grande cinema por caminhos opostos.

NÃO ESPERE MUITO PELO FIM DO MUNDO. ROMÊNIA. RADU JUDE. Angela é uma estressada assistente de produção contratada por uma multinacional para produzir um video sobre segurança do trabalho. Cinema pancada e anárquico, é o que faz hoje a crítica mais frontal ao capitalismo.

O MAL NÃO EXISTE. JAPÃO. RYUSUKE HAMAGUCHI. Pai e filha vivem num lugarejo nos arredores de Tóquio. A comunidade vive em equilíbrio com a natureza até que descobre o plano de uma empresa de construção de um camping de luxo no local. Extraordinário filme, de construção rebuscada e uma sequência final arrepiante e misteriosa.

Filme 'O dia que te conheci' Foto: Divulgação / Filmes de Plástico

Entre os brasileiros que pude ver, meus destaques são para

OTHELO, O GRANDE. Documentário de Lucas H. Rossi dos Santos sobre Grande Otelo e sua trajetória artística multifacetada. A opção por refazer essa história apenas através de falas de Otelo em entrevistas e cenas dos seus filmes mostrou-se acertada. O viés de denúncia do racismo é natural exatamente porque sai da boca do próprio personagem e não de pessoas interpostas. A força da trilha sonora dá o ritmo do filme. Muito bom mesmo.

SAMUEL E A LUZ. Documentário de Vinicius Girnys acompanha as transformações sociais da praia de Ponta Negra em Paraty. Da idílica relação direta com a natureza até as mudanças com a chegada da luz elétrica e dos turistas. Uma história de paraíso perdido seguida ao longo de seis anos de registros.

O DIA QUE TE CONHECI. Ficção de André Novais Oliveira. Zeca (Renato Novais) mora em Belo Horizonte e trabalha em Betim como bibliotecário de uma escola. Hora e meia de ônibus para ir, hora e meia para voltar. Como se atrasa sempre, acaba perdendo o emprego. Em compensação, aproxima-se de Luiza (Grace Passô), e então muita coisa muda. O filme comove pela simplicidade, pela honestidade, pelo total despojamento e amor aos personagens.

ESTRANHO CAMINHO. Ficção de Guto Parente. O elemento fantástico dá o tom a essa história de reencontro entre pai e filho. David é cineasta, mora em Portugal e volta a Fortaleza para apresentar seu filme em um festival. Chega a pandemia e tudo é suspenso. Mas ele quer também encontrar o pai, Geraldo (Carlos Francisco), que não vê há muitos anos. O fantástico, introduzido de forma abrupta numa trama naturalista (e muito bem filmada) produz certo pasmo. Mas talvez seja essa mesma a ideia do fantástico: ser um raio em céu azul, gerar o estranho quando menos se espera por ele.

PARTE HISTÓRICA

Gostei demais de rever alguns Antonioni (O Eclipse, A Aventura) em tela grande e cópias zero Km. É uma experiência e tanto. Para nós, que assistimos a centenas de filmes todos os anos, é sempre bom voltar aos mestres. Para lembrar de como é o cinema quando levado ao seu ápice. É um exercício tão necessário quanto para o escritor reler Proust e Machado de Assis. Para ver como é escrever para valer.

Amour Fou. Pude ver em cópia restaurada esse filme de mais de 4h de Jacques Rivette. Muito impactante. Já tinha lido a respeito desse relançamento nos Cahiers du Cinéma. Fizeram muito alarde com esse grande filme de um mestre, recuperado através da montagem de cópias diversas porque o negativo original se perdeu.

Em termos de movimentação, a 47ª Mostra não foi muito diferente das anteriores. Salas lotadas, estresse para obter ingressos, gente comendo lanches improvisados, sem tempo para almoçar ou jantar. Encontros rápidos, trocas de ideias telegráficas e dicas sobre os filmes "imperdíveis" de uns e outros. É o paraíso dos cinéfilos, mas também muito desgastante. Como em qualquer maratona, termina-se exausto e ao mesmo tempo feliz por não ter sucumbido no meio do percurso.

VENCEDORES:

. "Samuel e a Luz", de Vinícius Girnys (Brasil-França): melhor documentário -Prêmio Bandeira Paulista

. "Quando Derreter", de Veerle Baetens (Bélgica-Holanda): melhor ficção -Prêmio Bandeira Paulista

"Se Eu Pudesse Apenas Hibernar", de Zoljargal Purevdash (Mongólia): menção honrosa do júri oficial

. "Asog", de Seán Devkin (Filipinas) - Menção honrosa para a atriz não-binária Jaya

. "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges (Bahia) - Prêmio Netflix, Prêmio Paradiso

. "Somos Guardiões", de Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman (Brasil-EUA) - melhor documentário brasileiro pelo voto do Público e Prêmio Cultures of Resistence (atribuído pelo Creative Activism)

. "A Metade de Nós", de Flávio Botelho (São Paulo) - melhor ficção brasileira pelo voto do Público

. "La Chimera", de Alice Rohrwacher- Melhor ficção internacional pelo voto do Público

. "Da Cor e da Tinta", de Weimin Zhang (Taiwan, EUA, Brasil)

. "O Dia Que Te Conheci", de André Novais Oliveira (Minas Gerais) - Prêmio da Crítica de melhor filme brasileiro

. "Afire", de Christian Petzhold (Alemanha) - Prêmio da Crítica de melhor filme internacional

. "Sem Coração", de Nara Normande e Tião (Pernambuco) - Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) - recorte: para filme de realizadoras brasileiras estreantes.

. “Vale do Exílio”, de Anna Far (Canadá-Libano) - Prêmio Brada de melhor direção de arte atribuído pelo Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil

Filme 'Ervas Secas' Foto: Divulgação / Imovision

Ontem foram entregues os prêmios da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Cito neste abre apenas os dois vencedores principais: Samuel e a Luz (Brasil), de Vinicius Girnys, ganhou como melhor documentário. Quando Derreter (Bélgica), de Veerle Baetens, como melhor ficção. (A lista completa segue no final da matéria).

Premiações e idiossincrasias de júris à parte, anoto aqui os filmes que mais me tocaram nesta hiper maratona de 360 filmes de mais de 96 países.

Entre os estrangeiros, destaco um primeiro bloco:

ESTRANGEIROS:

ERVAS SECAS. TURQUIA. NURI BILGE CEYLAN. Este, para mim, é "o" filme. Está num patamar acima dos outros. Professor faz o estágio obrigatório de serviço num vilarejo remoto da Anatólia. Quer ser transferido para Istambul mas surge uma denúncia de comportamento inadequado com alunas. Ele e o amigo com quem divide o apartamento conhecem uma moça que perdeu uma perna num atentado terrorista. Ceylan faz o cinema mais profundo atualmente.

FOLHAS DE OUTONO. FINLÂNDIA. KAURISMAKI. Dois solitários, uma mulher e um homem se encontram na noite de Helsinki. O cinema de Kaurismaki tem predileção pelos derrotados da vida. Ao contrário de Ceylan, chegado ao barroco, Kaurismaki prefere o minimalismo. Prova de que se pode fazer grande cinema por caminhos opostos.

NÃO ESPERE MUITO PELO FIM DO MUNDO. ROMÊNIA. RADU JUDE. Angela é uma estressada assistente de produção contratada por uma multinacional para produzir um video sobre segurança do trabalho. Cinema pancada e anárquico, é o que faz hoje a crítica mais frontal ao capitalismo.

O MAL NÃO EXISTE. JAPÃO. RYUSUKE HAMAGUCHI. Pai e filha vivem num lugarejo nos arredores de Tóquio. A comunidade vive em equilíbrio com a natureza até que descobre o plano de uma empresa de construção de um camping de luxo no local. Extraordinário filme, de construção rebuscada e uma sequência final arrepiante e misteriosa.

Filme 'O dia que te conheci' Foto: Divulgação / Filmes de Plástico

Entre os brasileiros que pude ver, meus destaques são para

OTHELO, O GRANDE. Documentário de Lucas H. Rossi dos Santos sobre Grande Otelo e sua trajetória artística multifacetada. A opção por refazer essa história apenas através de falas de Otelo em entrevistas e cenas dos seus filmes mostrou-se acertada. O viés de denúncia do racismo é natural exatamente porque sai da boca do próprio personagem e não de pessoas interpostas. A força da trilha sonora dá o ritmo do filme. Muito bom mesmo.

SAMUEL E A LUZ. Documentário de Vinicius Girnys acompanha as transformações sociais da praia de Ponta Negra em Paraty. Da idílica relação direta com a natureza até as mudanças com a chegada da luz elétrica e dos turistas. Uma história de paraíso perdido seguida ao longo de seis anos de registros.

O DIA QUE TE CONHECI. Ficção de André Novais Oliveira. Zeca (Renato Novais) mora em Belo Horizonte e trabalha em Betim como bibliotecário de uma escola. Hora e meia de ônibus para ir, hora e meia para voltar. Como se atrasa sempre, acaba perdendo o emprego. Em compensação, aproxima-se de Luiza (Grace Passô), e então muita coisa muda. O filme comove pela simplicidade, pela honestidade, pelo total despojamento e amor aos personagens.

ESTRANHO CAMINHO. Ficção de Guto Parente. O elemento fantástico dá o tom a essa história de reencontro entre pai e filho. David é cineasta, mora em Portugal e volta a Fortaleza para apresentar seu filme em um festival. Chega a pandemia e tudo é suspenso. Mas ele quer também encontrar o pai, Geraldo (Carlos Francisco), que não vê há muitos anos. O fantástico, introduzido de forma abrupta numa trama naturalista (e muito bem filmada) produz certo pasmo. Mas talvez seja essa mesma a ideia do fantástico: ser um raio em céu azul, gerar o estranho quando menos se espera por ele.

PARTE HISTÓRICA

Gostei demais de rever alguns Antonioni (O Eclipse, A Aventura) em tela grande e cópias zero Km. É uma experiência e tanto. Para nós, que assistimos a centenas de filmes todos os anos, é sempre bom voltar aos mestres. Para lembrar de como é o cinema quando levado ao seu ápice. É um exercício tão necessário quanto para o escritor reler Proust e Machado de Assis. Para ver como é escrever para valer.

Amour Fou. Pude ver em cópia restaurada esse filme de mais de 4h de Jacques Rivette. Muito impactante. Já tinha lido a respeito desse relançamento nos Cahiers du Cinéma. Fizeram muito alarde com esse grande filme de um mestre, recuperado através da montagem de cópias diversas porque o negativo original se perdeu.

Em termos de movimentação, a 47ª Mostra não foi muito diferente das anteriores. Salas lotadas, estresse para obter ingressos, gente comendo lanches improvisados, sem tempo para almoçar ou jantar. Encontros rápidos, trocas de ideias telegráficas e dicas sobre os filmes "imperdíveis" de uns e outros. É o paraíso dos cinéfilos, mas também muito desgastante. Como em qualquer maratona, termina-se exausto e ao mesmo tempo feliz por não ter sucumbido no meio do percurso.

VENCEDORES:

. "Samuel e a Luz", de Vinícius Girnys (Brasil-França): melhor documentário -Prêmio Bandeira Paulista

. "Quando Derreter", de Veerle Baetens (Bélgica-Holanda): melhor ficção -Prêmio Bandeira Paulista

"Se Eu Pudesse Apenas Hibernar", de Zoljargal Purevdash (Mongólia): menção honrosa do júri oficial

. "Asog", de Seán Devkin (Filipinas) - Menção honrosa para a atriz não-binária Jaya

. "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges (Bahia) - Prêmio Netflix, Prêmio Paradiso

. "Somos Guardiões", de Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman (Brasil-EUA) - melhor documentário brasileiro pelo voto do Público e Prêmio Cultures of Resistence (atribuído pelo Creative Activism)

. "A Metade de Nós", de Flávio Botelho (São Paulo) - melhor ficção brasileira pelo voto do Público

. "La Chimera", de Alice Rohrwacher- Melhor ficção internacional pelo voto do Público

. "Da Cor e da Tinta", de Weimin Zhang (Taiwan, EUA, Brasil)

. "O Dia Que Te Conheci", de André Novais Oliveira (Minas Gerais) - Prêmio da Crítica de melhor filme brasileiro

. "Afire", de Christian Petzhold (Alemanha) - Prêmio da Crítica de melhor filme internacional

. "Sem Coração", de Nara Normande e Tião (Pernambuco) - Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) - recorte: para filme de realizadoras brasileiras estreantes.

. “Vale do Exílio”, de Anna Far (Canadá-Libano) - Prêmio Brada de melhor direção de arte atribuído pelo Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil

Filme 'Ervas Secas' Foto: Divulgação / Imovision

Ontem foram entregues os prêmios da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Cito neste abre apenas os dois vencedores principais: Samuel e a Luz (Brasil), de Vinicius Girnys, ganhou como melhor documentário. Quando Derreter (Bélgica), de Veerle Baetens, como melhor ficção. (A lista completa segue no final da matéria).

Premiações e idiossincrasias de júris à parte, anoto aqui os filmes que mais me tocaram nesta hiper maratona de 360 filmes de mais de 96 países.

Entre os estrangeiros, destaco um primeiro bloco:

ESTRANGEIROS:

ERVAS SECAS. TURQUIA. NURI BILGE CEYLAN. Este, para mim, é "o" filme. Está num patamar acima dos outros. Professor faz o estágio obrigatório de serviço num vilarejo remoto da Anatólia. Quer ser transferido para Istambul mas surge uma denúncia de comportamento inadequado com alunas. Ele e o amigo com quem divide o apartamento conhecem uma moça que perdeu uma perna num atentado terrorista. Ceylan faz o cinema mais profundo atualmente.

FOLHAS DE OUTONO. FINLÂNDIA. KAURISMAKI. Dois solitários, uma mulher e um homem se encontram na noite de Helsinki. O cinema de Kaurismaki tem predileção pelos derrotados da vida. Ao contrário de Ceylan, chegado ao barroco, Kaurismaki prefere o minimalismo. Prova de que se pode fazer grande cinema por caminhos opostos.

NÃO ESPERE MUITO PELO FIM DO MUNDO. ROMÊNIA. RADU JUDE. Angela é uma estressada assistente de produção contratada por uma multinacional para produzir um video sobre segurança do trabalho. Cinema pancada e anárquico, é o que faz hoje a crítica mais frontal ao capitalismo.

O MAL NÃO EXISTE. JAPÃO. RYUSUKE HAMAGUCHI. Pai e filha vivem num lugarejo nos arredores de Tóquio. A comunidade vive em equilíbrio com a natureza até que descobre o plano de uma empresa de construção de um camping de luxo no local. Extraordinário filme, de construção rebuscada e uma sequência final arrepiante e misteriosa.

Filme 'O dia que te conheci' Foto: Divulgação / Filmes de Plástico

Entre os brasileiros que pude ver, meus destaques são para

OTHELO, O GRANDE. Documentário de Lucas H. Rossi dos Santos sobre Grande Otelo e sua trajetória artística multifacetada. A opção por refazer essa história apenas através de falas de Otelo em entrevistas e cenas dos seus filmes mostrou-se acertada. O viés de denúncia do racismo é natural exatamente porque sai da boca do próprio personagem e não de pessoas interpostas. A força da trilha sonora dá o ritmo do filme. Muito bom mesmo.

SAMUEL E A LUZ. Documentário de Vinicius Girnys acompanha as transformações sociais da praia de Ponta Negra em Paraty. Da idílica relação direta com a natureza até as mudanças com a chegada da luz elétrica e dos turistas. Uma história de paraíso perdido seguida ao longo de seis anos de registros.

O DIA QUE TE CONHECI. Ficção de André Novais Oliveira. Zeca (Renato Novais) mora em Belo Horizonte e trabalha em Betim como bibliotecário de uma escola. Hora e meia de ônibus para ir, hora e meia para voltar. Como se atrasa sempre, acaba perdendo o emprego. Em compensação, aproxima-se de Luiza (Grace Passô), e então muita coisa muda. O filme comove pela simplicidade, pela honestidade, pelo total despojamento e amor aos personagens.

ESTRANHO CAMINHO. Ficção de Guto Parente. O elemento fantástico dá o tom a essa história de reencontro entre pai e filho. David é cineasta, mora em Portugal e volta a Fortaleza para apresentar seu filme em um festival. Chega a pandemia e tudo é suspenso. Mas ele quer também encontrar o pai, Geraldo (Carlos Francisco), que não vê há muitos anos. O fantástico, introduzido de forma abrupta numa trama naturalista (e muito bem filmada) produz certo pasmo. Mas talvez seja essa mesma a ideia do fantástico: ser um raio em céu azul, gerar o estranho quando menos se espera por ele.

PARTE HISTÓRICA

Gostei demais de rever alguns Antonioni (O Eclipse, A Aventura) em tela grande e cópias zero Km. É uma experiência e tanto. Para nós, que assistimos a centenas de filmes todos os anos, é sempre bom voltar aos mestres. Para lembrar de como é o cinema quando levado ao seu ápice. É um exercício tão necessário quanto para o escritor reler Proust e Machado de Assis. Para ver como é escrever para valer.

Amour Fou. Pude ver em cópia restaurada esse filme de mais de 4h de Jacques Rivette. Muito impactante. Já tinha lido a respeito desse relançamento nos Cahiers du Cinéma. Fizeram muito alarde com esse grande filme de um mestre, recuperado através da montagem de cópias diversas porque o negativo original se perdeu.

Em termos de movimentação, a 47ª Mostra não foi muito diferente das anteriores. Salas lotadas, estresse para obter ingressos, gente comendo lanches improvisados, sem tempo para almoçar ou jantar. Encontros rápidos, trocas de ideias telegráficas e dicas sobre os filmes "imperdíveis" de uns e outros. É o paraíso dos cinéfilos, mas também muito desgastante. Como em qualquer maratona, termina-se exausto e ao mesmo tempo feliz por não ter sucumbido no meio do percurso.

VENCEDORES:

. "Samuel e a Luz", de Vinícius Girnys (Brasil-França): melhor documentário -Prêmio Bandeira Paulista

. "Quando Derreter", de Veerle Baetens (Bélgica-Holanda): melhor ficção -Prêmio Bandeira Paulista

"Se Eu Pudesse Apenas Hibernar", de Zoljargal Purevdash (Mongólia): menção honrosa do júri oficial

. "Asog", de Seán Devkin (Filipinas) - Menção honrosa para a atriz não-binária Jaya

. "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges (Bahia) - Prêmio Netflix, Prêmio Paradiso

. "Somos Guardiões", de Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman (Brasil-EUA) - melhor documentário brasileiro pelo voto do Público e Prêmio Cultures of Resistence (atribuído pelo Creative Activism)

. "A Metade de Nós", de Flávio Botelho (São Paulo) - melhor ficção brasileira pelo voto do Público

. "La Chimera", de Alice Rohrwacher- Melhor ficção internacional pelo voto do Público

. "Da Cor e da Tinta", de Weimin Zhang (Taiwan, EUA, Brasil)

. "O Dia Que Te Conheci", de André Novais Oliveira (Minas Gerais) - Prêmio da Crítica de melhor filme brasileiro

. "Afire", de Christian Petzhold (Alemanha) - Prêmio da Crítica de melhor filme internacional

. "Sem Coração", de Nara Normande e Tião (Pernambuco) - Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) - recorte: para filme de realizadoras brasileiras estreantes.

. “Vale do Exílio”, de Anna Far (Canadá-Libano) - Prêmio Brada de melhor direção de arte atribuído pelo Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.