Cinema, cultura & afins

Opinião|Vitória 2024: 'Café, Pepi e Limão' ou quem tem medo do realismo crítico?


Por Luiz Zanin Oricchio

 

 

Diário crítico (3)

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VITÓRIA - Café, Pepi e Limão faz um inventário intenso das mazelas brasileiras, neste caso aplicado à infância e adolescência. São dois meninos e uma garota que vivem na rua e se viram como podem - lavando pára-brisas, fazendo malabarismos em sinais de trânsito em troca de tostões e, no caso da menina, iniciando-se na prostituição.

Chamar as famílias dos meninos e da menina de disfuncionais seria usar um eufemismo. O pai de um deles está preso. A mãe de outro é viciada em crack. Vive, literalmente, num buraco - se é que se pode chamar a isso de viver. A menina foi expulsa de casa pela própria mãe depois de estuprada pelo padrasto.  São interpretados por João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mari Nascimento.

O filme, dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo, opta por um realismo social que já teve dias melhores em termos de prestígio crítico. Andou meio abalado depois do questionamento estético-político a Cidade de Deus (2002), no entanto o filme brasileiro de maior prestígio internacional em anos recentes. Hoje,as imagens cruas provocam não apenas reparos, mas verdadeira aversão em parte da crítica, sobretudo entre os jovens. Aqui mesmo em Vitória, um curta-metragista afirmou que era preciso se libertar do realismo cru e miserabilista do cinema nacional e fazer filmes cheios de luxo e glamour, em especial quando envolvem personagens historicamente marginalizados ou esquecidos.

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Enfim, são questões estéticas e éticas, que precisam ser melhor pensadas. O uso de um realismo brutal pode ser mera exploração sensacionalista ou alerta para condições sociais inaceitáveis, que passam despercebidas diante da indiferença generalizada ou do conformismo do tipo "isso foi sempre assim". No limite, essas questões passam pela maneira como se concebe o cinema, a História, a própria política, e, de modo geral, as relações entre arte e realidade.

Há um plano interessante na parte inicial do filme. Os meninos são mostrados no lugar onde dormem, debaixo de um viaduto, e a câmera se afasta, revelando o entorno, com a pista de alta velocidade, abarrotada de carros e, mais adiante, a cidade imensa, com seus edifícios altos e de luxo, destinados à "elite" ou à classe média alta. Nenhuma palavra é dita. E nem é preciso. O plano, de drone, é um comentário político sobre a desigualdade.

Nem sempre é assim e, muitas vezes o filme cai num brutalismo descontextualizado, que talvez pudesse ser evitado sem por isso descaracterizar seu viés de denúncia. Em especial, o último plano, que deve chocar muitos espectadores e que, no entanto, se refere a um caso real acontecido no Brasil, quando um homem negro foi espancado e acorrentado a um poste. O desejo de edulcorar uma realidade atroz talvez seja tão obsceno quanto o de utilizá-la de maneira sensacionalista.

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Curtas

Uma boa sessão de curtas na noite de ontem.

Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho (RJ), de Allan Ribeiro. Há uma cena recorrente quando a equipe de Coutinho chega a um prédio. Nessa equipe estava Allan Ribeiro, então um estudante de cinema e iniciante na profissão. Essa célula de imagem e lembrança permeia todos os desenvolvimentos do curta e se repete como um motivo musical ou um refrão. De maneira criativa, faz um balanço da dívida do cineasta para com a obra e a pessoa de Eduardo Coutinho, considerado o maior documentarista do país e desaparecido de forma trágica.

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Viventes (RJ), de Fabrício Basílio. Um rapaz tem uma entrevista de emprego e precisa imprimir seu currículo. Volta à casa da avó e ingressa num mundo de fantasmas, onde vivos convivem com mortos, à maneira de Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo. Mescla de realismo e fantástico, às vezes dá certo, causando uma sensação de estranhamento, e às vezes não.

Zagêro (RS), de Victor Di Marco e Márcio Picoli

Uma pessoa com deficiência (PCD) está internada em uma clínica psiquiátrica, essa instituição que, historicamente, funciona como depósito de indesejáveis. O filme é todo uma performance, feita de raiva, verve e criatividade - e interpretada pelo próprio diretor Victor Di Marco.

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Travessia (ES), de Karol Felicio. Como nascem as crianças na aldeia indígena Rio Piraquê-Açu, é o tema deste filme que busca as transformações na forma de parir dessa comunidade ancestral.

 

 

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Diário crítico (3)

VITÓRIA - Café, Pepi e Limão faz um inventário intenso das mazelas brasileiras, neste caso aplicado à infância e adolescência. São dois meninos e uma garota que vivem na rua e se viram como podem - lavando pára-brisas, fazendo malabarismos em sinais de trânsito em troca de tostões e, no caso da menina, iniciando-se na prostituição.

Chamar as famílias dos meninos e da menina de disfuncionais seria usar um eufemismo. O pai de um deles está preso. A mãe de outro é viciada em crack. Vive, literalmente, num buraco - se é que se pode chamar a isso de viver. A menina foi expulsa de casa pela própria mãe depois de estuprada pelo padrasto.  São interpretados por João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mari Nascimento.

O filme, dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo, opta por um realismo social que já teve dias melhores em termos de prestígio crítico. Andou meio abalado depois do questionamento estético-político a Cidade de Deus (2002), no entanto o filme brasileiro de maior prestígio internacional em anos recentes. Hoje,as imagens cruas provocam não apenas reparos, mas verdadeira aversão em parte da crítica, sobretudo entre os jovens. Aqui mesmo em Vitória, um curta-metragista afirmou que era preciso se libertar do realismo cru e miserabilista do cinema nacional e fazer filmes cheios de luxo e glamour, em especial quando envolvem personagens historicamente marginalizados ou esquecidos.

Enfim, são questões estéticas e éticas, que precisam ser melhor pensadas. O uso de um realismo brutal pode ser mera exploração sensacionalista ou alerta para condições sociais inaceitáveis, que passam despercebidas diante da indiferença generalizada ou do conformismo do tipo "isso foi sempre assim". No limite, essas questões passam pela maneira como se concebe o cinema, a História, a própria política, e, de modo geral, as relações entre arte e realidade.

Há um plano interessante na parte inicial do filme. Os meninos são mostrados no lugar onde dormem, debaixo de um viaduto, e a câmera se afasta, revelando o entorno, com a pista de alta velocidade, abarrotada de carros e, mais adiante, a cidade imensa, com seus edifícios altos e de luxo, destinados à "elite" ou à classe média alta. Nenhuma palavra é dita. E nem é preciso. O plano, de drone, é um comentário político sobre a desigualdade.

Nem sempre é assim e, muitas vezes o filme cai num brutalismo descontextualizado, que talvez pudesse ser evitado sem por isso descaracterizar seu viés de denúncia. Em especial, o último plano, que deve chocar muitos espectadores e que, no entanto, se refere a um caso real acontecido no Brasil, quando um homem negro foi espancado e acorrentado a um poste. O desejo de edulcorar uma realidade atroz talvez seja tão obsceno quanto o de utilizá-la de maneira sensacionalista.

Curtas

Uma boa sessão de curtas na noite de ontem.

Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho (RJ), de Allan Ribeiro. Há uma cena recorrente quando a equipe de Coutinho chega a um prédio. Nessa equipe estava Allan Ribeiro, então um estudante de cinema e iniciante na profissão. Essa célula de imagem e lembrança permeia todos os desenvolvimentos do curta e se repete como um motivo musical ou um refrão. De maneira criativa, faz um balanço da dívida do cineasta para com a obra e a pessoa de Eduardo Coutinho, considerado o maior documentarista do país e desaparecido de forma trágica.

Viventes (RJ), de Fabrício Basílio. Um rapaz tem uma entrevista de emprego e precisa imprimir seu currículo. Volta à casa da avó e ingressa num mundo de fantasmas, onde vivos convivem com mortos, à maneira de Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo. Mescla de realismo e fantástico, às vezes dá certo, causando uma sensação de estranhamento, e às vezes não.

Zagêro (RS), de Victor Di Marco e Márcio Picoli

Uma pessoa com deficiência (PCD) está internada em uma clínica psiquiátrica, essa instituição que, historicamente, funciona como depósito de indesejáveis. O filme é todo uma performance, feita de raiva, verve e criatividade - e interpretada pelo próprio diretor Victor Di Marco.

Travessia (ES), de Karol Felicio. Como nascem as crianças na aldeia indígena Rio Piraquê-Açu, é o tema deste filme que busca as transformações na forma de parir dessa comunidade ancestral.

 

 

 

 

 

Diário crítico (3)

VITÓRIA - Café, Pepi e Limão faz um inventário intenso das mazelas brasileiras, neste caso aplicado à infância e adolescência. São dois meninos e uma garota que vivem na rua e se viram como podem - lavando pára-brisas, fazendo malabarismos em sinais de trânsito em troca de tostões e, no caso da menina, iniciando-se na prostituição.

Chamar as famílias dos meninos e da menina de disfuncionais seria usar um eufemismo. O pai de um deles está preso. A mãe de outro é viciada em crack. Vive, literalmente, num buraco - se é que se pode chamar a isso de viver. A menina foi expulsa de casa pela própria mãe depois de estuprada pelo padrasto.  São interpretados por João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mari Nascimento.

O filme, dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo, opta por um realismo social que já teve dias melhores em termos de prestígio crítico. Andou meio abalado depois do questionamento estético-político a Cidade de Deus (2002), no entanto o filme brasileiro de maior prestígio internacional em anos recentes. Hoje,as imagens cruas provocam não apenas reparos, mas verdadeira aversão em parte da crítica, sobretudo entre os jovens. Aqui mesmo em Vitória, um curta-metragista afirmou que era preciso se libertar do realismo cru e miserabilista do cinema nacional e fazer filmes cheios de luxo e glamour, em especial quando envolvem personagens historicamente marginalizados ou esquecidos.

Enfim, são questões estéticas e éticas, que precisam ser melhor pensadas. O uso de um realismo brutal pode ser mera exploração sensacionalista ou alerta para condições sociais inaceitáveis, que passam despercebidas diante da indiferença generalizada ou do conformismo do tipo "isso foi sempre assim". No limite, essas questões passam pela maneira como se concebe o cinema, a História, a própria política, e, de modo geral, as relações entre arte e realidade.

Há um plano interessante na parte inicial do filme. Os meninos são mostrados no lugar onde dormem, debaixo de um viaduto, e a câmera se afasta, revelando o entorno, com a pista de alta velocidade, abarrotada de carros e, mais adiante, a cidade imensa, com seus edifícios altos e de luxo, destinados à "elite" ou à classe média alta. Nenhuma palavra é dita. E nem é preciso. O plano, de drone, é um comentário político sobre a desigualdade.

Nem sempre é assim e, muitas vezes o filme cai num brutalismo descontextualizado, que talvez pudesse ser evitado sem por isso descaracterizar seu viés de denúncia. Em especial, o último plano, que deve chocar muitos espectadores e que, no entanto, se refere a um caso real acontecido no Brasil, quando um homem negro foi espancado e acorrentado a um poste. O desejo de edulcorar uma realidade atroz talvez seja tão obsceno quanto o de utilizá-la de maneira sensacionalista.

Curtas

Uma boa sessão de curtas na noite de ontem.

Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho (RJ), de Allan Ribeiro. Há uma cena recorrente quando a equipe de Coutinho chega a um prédio. Nessa equipe estava Allan Ribeiro, então um estudante de cinema e iniciante na profissão. Essa célula de imagem e lembrança permeia todos os desenvolvimentos do curta e se repete como um motivo musical ou um refrão. De maneira criativa, faz um balanço da dívida do cineasta para com a obra e a pessoa de Eduardo Coutinho, considerado o maior documentarista do país e desaparecido de forma trágica.

Viventes (RJ), de Fabrício Basílio. Um rapaz tem uma entrevista de emprego e precisa imprimir seu currículo. Volta à casa da avó e ingressa num mundo de fantasmas, onde vivos convivem com mortos, à maneira de Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo. Mescla de realismo e fantástico, às vezes dá certo, causando uma sensação de estranhamento, e às vezes não.

Zagêro (RS), de Victor Di Marco e Márcio Picoli

Uma pessoa com deficiência (PCD) está internada em uma clínica psiquiátrica, essa instituição que, historicamente, funciona como depósito de indesejáveis. O filme é todo uma performance, feita de raiva, verve e criatividade - e interpretada pelo próprio diretor Victor Di Marco.

Travessia (ES), de Karol Felicio. Como nascem as crianças na aldeia indígena Rio Piraquê-Açu, é o tema deste filme que busca as transformações na forma de parir dessa comunidade ancestral.

 

 

 

 

 

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VITÓRIA - Café, Pepi e Limão faz um inventário intenso das mazelas brasileiras, neste caso aplicado à infância e adolescência. São dois meninos e uma garota que vivem na rua e se viram como podem - lavando pára-brisas, fazendo malabarismos em sinais de trânsito em troca de tostões e, no caso da menina, iniciando-se na prostituição.

Chamar as famílias dos meninos e da menina de disfuncionais seria usar um eufemismo. O pai de um deles está preso. A mãe de outro é viciada em crack. Vive, literalmente, num buraco - se é que se pode chamar a isso de viver. A menina foi expulsa de casa pela própria mãe depois de estuprada pelo padrasto.  São interpretados por João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mari Nascimento.

O filme, dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo, opta por um realismo social que já teve dias melhores em termos de prestígio crítico. Andou meio abalado depois do questionamento estético-político a Cidade de Deus (2002), no entanto o filme brasileiro de maior prestígio internacional em anos recentes. Hoje,as imagens cruas provocam não apenas reparos, mas verdadeira aversão em parte da crítica, sobretudo entre os jovens. Aqui mesmo em Vitória, um curta-metragista afirmou que era preciso se libertar do realismo cru e miserabilista do cinema nacional e fazer filmes cheios de luxo e glamour, em especial quando envolvem personagens historicamente marginalizados ou esquecidos.

Enfim, são questões estéticas e éticas, que precisam ser melhor pensadas. O uso de um realismo brutal pode ser mera exploração sensacionalista ou alerta para condições sociais inaceitáveis, que passam despercebidas diante da indiferença generalizada ou do conformismo do tipo "isso foi sempre assim". No limite, essas questões passam pela maneira como se concebe o cinema, a História, a própria política, e, de modo geral, as relações entre arte e realidade.

Há um plano interessante na parte inicial do filme. Os meninos são mostrados no lugar onde dormem, debaixo de um viaduto, e a câmera se afasta, revelando o entorno, com a pista de alta velocidade, abarrotada de carros e, mais adiante, a cidade imensa, com seus edifícios altos e de luxo, destinados à "elite" ou à classe média alta. Nenhuma palavra é dita. E nem é preciso. O plano, de drone, é um comentário político sobre a desigualdade.

Nem sempre é assim e, muitas vezes o filme cai num brutalismo descontextualizado, que talvez pudesse ser evitado sem por isso descaracterizar seu viés de denúncia. Em especial, o último plano, que deve chocar muitos espectadores e que, no entanto, se refere a um caso real acontecido no Brasil, quando um homem negro foi espancado e acorrentado a um poste. O desejo de edulcorar uma realidade atroz talvez seja tão obsceno quanto o de utilizá-la de maneira sensacionalista.

Curtas

Uma boa sessão de curtas na noite de ontem.

Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho (RJ), de Allan Ribeiro. Há uma cena recorrente quando a equipe de Coutinho chega a um prédio. Nessa equipe estava Allan Ribeiro, então um estudante de cinema e iniciante na profissão. Essa célula de imagem e lembrança permeia todos os desenvolvimentos do curta e se repete como um motivo musical ou um refrão. De maneira criativa, faz um balanço da dívida do cineasta para com a obra e a pessoa de Eduardo Coutinho, considerado o maior documentarista do país e desaparecido de forma trágica.

Viventes (RJ), de Fabrício Basílio. Um rapaz tem uma entrevista de emprego e precisa imprimir seu currículo. Volta à casa da avó e ingressa num mundo de fantasmas, onde vivos convivem com mortos, à maneira de Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo. Mescla de realismo e fantástico, às vezes dá certo, causando uma sensação de estranhamento, e às vezes não.

Zagêro (RS), de Victor Di Marco e Márcio Picoli

Uma pessoa com deficiência (PCD) está internada em uma clínica psiquiátrica, essa instituição que, historicamente, funciona como depósito de indesejáveis. O filme é todo uma performance, feita de raiva, verve e criatividade - e interpretada pelo próprio diretor Victor Di Marco.

Travessia (ES), de Karol Felicio. Como nascem as crianças na aldeia indígena Rio Piraquê-Açu, é o tema deste filme que busca as transformações na forma de parir dessa comunidade ancestral.

 

 

 

 

 

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VITÓRIA - Café, Pepi e Limão faz um inventário intenso das mazelas brasileiras, neste caso aplicado à infância e adolescência. São dois meninos e uma garota que vivem na rua e se viram como podem - lavando pára-brisas, fazendo malabarismos em sinais de trânsito em troca de tostões e, no caso da menina, iniciando-se na prostituição.

Chamar as famílias dos meninos e da menina de disfuncionais seria usar um eufemismo. O pai de um deles está preso. A mãe de outro é viciada em crack. Vive, literalmente, num buraco - se é que se pode chamar a isso de viver. A menina foi expulsa de casa pela própria mãe depois de estuprada pelo padrasto.  São interpretados por João Vitor Souza, Leonardo Lacerda e Mari Nascimento.

O filme, dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Léo, opta por um realismo social que já teve dias melhores em termos de prestígio crítico. Andou meio abalado depois do questionamento estético-político a Cidade de Deus (2002), no entanto o filme brasileiro de maior prestígio internacional em anos recentes. Hoje,as imagens cruas provocam não apenas reparos, mas verdadeira aversão em parte da crítica, sobretudo entre os jovens. Aqui mesmo em Vitória, um curta-metragista afirmou que era preciso se libertar do realismo cru e miserabilista do cinema nacional e fazer filmes cheios de luxo e glamour, em especial quando envolvem personagens historicamente marginalizados ou esquecidos.

Enfim, são questões estéticas e éticas, que precisam ser melhor pensadas. O uso de um realismo brutal pode ser mera exploração sensacionalista ou alerta para condições sociais inaceitáveis, que passam despercebidas diante da indiferença generalizada ou do conformismo do tipo "isso foi sempre assim". No limite, essas questões passam pela maneira como se concebe o cinema, a História, a própria política, e, de modo geral, as relações entre arte e realidade.

Há um plano interessante na parte inicial do filme. Os meninos são mostrados no lugar onde dormem, debaixo de um viaduto, e a câmera se afasta, revelando o entorno, com a pista de alta velocidade, abarrotada de carros e, mais adiante, a cidade imensa, com seus edifícios altos e de luxo, destinados à "elite" ou à classe média alta. Nenhuma palavra é dita. E nem é preciso. O plano, de drone, é um comentário político sobre a desigualdade.

Nem sempre é assim e, muitas vezes o filme cai num brutalismo descontextualizado, que talvez pudesse ser evitado sem por isso descaracterizar seu viés de denúncia. Em especial, o último plano, que deve chocar muitos espectadores e que, no entanto, se refere a um caso real acontecido no Brasil, quando um homem negro foi espancado e acorrentado a um poste. O desejo de edulcorar uma realidade atroz talvez seja tão obsceno quanto o de utilizá-la de maneira sensacionalista.

Curtas

Uma boa sessão de curtas na noite de ontem.

Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho (RJ), de Allan Ribeiro. Há uma cena recorrente quando a equipe de Coutinho chega a um prédio. Nessa equipe estava Allan Ribeiro, então um estudante de cinema e iniciante na profissão. Essa célula de imagem e lembrança permeia todos os desenvolvimentos do curta e se repete como um motivo musical ou um refrão. De maneira criativa, faz um balanço da dívida do cineasta para com a obra e a pessoa de Eduardo Coutinho, considerado o maior documentarista do país e desaparecido de forma trágica.

Viventes (RJ), de Fabrício Basílio. Um rapaz tem uma entrevista de emprego e precisa imprimir seu currículo. Volta à casa da avó e ingressa num mundo de fantasmas, onde vivos convivem com mortos, à maneira de Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo. Mescla de realismo e fantástico, às vezes dá certo, causando uma sensação de estranhamento, e às vezes não.

Zagêro (RS), de Victor Di Marco e Márcio Picoli

Uma pessoa com deficiência (PCD) está internada em uma clínica psiquiátrica, essa instituição que, historicamente, funciona como depósito de indesejáveis. O filme é todo uma performance, feita de raiva, verve e criatividade - e interpretada pelo próprio diretor Victor Di Marco.

Travessia (ES), de Karol Felicio. Como nascem as crianças na aldeia indígena Rio Piraquê-Açu, é o tema deste filme que busca as transformações na forma de parir dessa comunidade ancestral.

 

 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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