'Mais de Uma Luz' aponta saída para intolerância


Livro do escritor israelense Amós Oz critica fanatismo e defende a criação de um estado palestino

Por João Prata
Escultura instalada em um complexo urbano construído em uma área ocupada por Israel na guerra de 1967, da qual o escritor Amós Oz participou Foto: Ammar Awad/Reuters

Os três ensaios de Amós Oz reunidos no livro Mais de Uma Luz chegam em boa hora ao Brasil. Em meio ao nosso caos político, econômico e social, as palavras do escritor israelense de 78 anos vindas do outro lado do Atlântico se encaixam perfeitamente ao cotidiano conflituoso que vivemos. A identificação aparece já nas primeiras páginas. 

Em Caro Fanático, Oz apresenta um conceito que pode muito bem explicar o motivo de a população atualmente viver à procura por salvadores da pátria e sempre ter um inimigo número um de estimação: “Quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação os culpados por todos os nossos sofrimentos, respostas que nos assegurem de que, uma vez que eliminemos e exterminemos os malvados, imediatamente todos os nossos tormentos desaparecerão.”

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O clima de incertezas, o pensamento binário, o nós contra eles é terreno fértil para o surgimento dos fanáticos, segundo Oz. E fanáticos não são apenas aqueles seguidores da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico. Esses são divulgados quase que diariamente nos jornais, são facilmente identificados e servem como exemplo para o autor demonstrar que não é um pacifista: “é preciso conter a agressão usando uma grande marreta, contanto que a marretada venha acompanhada de uma ideia atraente e convincente.” A intolerância, no entanto, está presente na sociedade muito antes do surgimento do islamismo, do cristianismo, do judaísmo ou de qualquer outro ismo. Oz define o fanático como aquele que não é capaz de conviver com o que é diferente, que não aceita uma voz discordante. 

Há graus distintos de fanatismo, é claro, e precisam ser escalonados e analisados com a complexidade que cada um exige. Seguir um tirano sanguinário é completamente diferente de idolatrar um popstar, obviamente. No entanto, Oz encontra um ponto em comum em todos os casos: a ânsia em abdicar da individualidade, de fazer parte de um grupo que viva de maneira igual e que imite os atos dos heróis de seu culto. 

A igreja, o partido político, o time de futebol, seja o que for. Pertencer a uma multidão, sob as asas de um herói é reconfortante. É também uma maneira de infantilizar multidões e tem sido utilizada em busca de poder e dinheiro. Por isso, Oz acredita que a fronteira entre a política e o entretenimento está se apagando. Nas eleições, segundo ele, é cada vez mais comum as pessoas buscarem candidatos que consigam emocioná-los ou diverti-los, enquanto deixam de lado a liberdade de pensar, de ponderar e de refletir sobre variantes de sua opção. 

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O diálogo com o intuito de aguçar a curiosidade e a imaginação de um fanático é a forma proposta para tentar estabelecer vínculos. Oz relembra uma história do amigo e também escritor israelense Sami Michael para exemplificar. Durante uma longa viagem de carro, o motorista virou para Sami e disse que a única solução para os judeus viverem em paz era matando todos os árabes. O escritor, então, perguntou quem é que seria o responsável pelo extermínio. O motorista respondeu de maneira genérica que todos os judeus o fariam se fosse necessário. Sami insistiu de maneira mais específica e colocou o motorista na posição de assassino, com a incumbência de matar os árabes em um prédio dentro de seu bairro. E que, após cumprir o serviço, a caminho de casa, escutasse o choro de um bebê dentro daquele edifício: “O que fazer então? Voltar e atirar no bebê?” O motorista silenciou-se por um tempo e depois disse ao escritor: “O senhor é um homem muito cruel.” 

Em Luzes e [Não Só] Uma Luz, o autor analisa o judaísmo como cultura e não apenas como religião. Tenta mostrar as diferentes vertentes que existem dentro de uma mesma crença e apresenta um histórico contestador do israelense, que não poupa nem Deus de seus questionamentos. “Esse é o cerne anarquista. O gene anarquista cintila há milhares de anos na cultura de Israel. O que se quer é justiça. Exige-se justiça até mesmo do criador do mundo.” Segundo Oz, sua comunidade é um coro de muitas e diferentes vozes, uma orquestra com instrumentos variados, todos regidos num sistema de regras consensual.

Na tentativa de propor uma discussão de relacionamento de seu povo, sobram também alfinetadas para a Igreja Católica. O autor sustenta que os judeus estabelecem debates de igual para igual e que as decisões são estabelecidas pelo povo e “não por força de seu reconhecimento por cardeais que discutem entre si até sair uma fumaça branca.” 

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No último texto Sonhos de que Israel Deve se Livrar Rapidamente, Oz se posiciona de maneira firme como ativista político e dá sua opinião sobre o conflito entre Israel e Palestina. Ele rebate a extrema direita sanguinária e a esquerda pacifista, que acredita em um estado binacional. Para ele, o único meio de começar a estabelecer a paz na região é com a criação de dois estados nacionais diferentes. “Não há outra saída senão dividir esta casa pequenina em duas residências ainda menores. Sim, um condomínio residencial para duas famílias. Se alguém, de um ou do outro lado da barricada israelense-palestina, disser: ‘esta é minha terra’ – ele terá razão.” 

*João Prata é jornalista

Capa do livro 'Mais de uma Luz', de Amós Oz 
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Mais de Uma Luz Autor: Amós OzTradução: Paulo GeigerEditora: Companhia das Letras 136 páginas ​R$ 34,90

Escultura instalada em um complexo urbano construído em uma área ocupada por Israel na guerra de 1967, da qual o escritor Amós Oz participou Foto: Ammar Awad/Reuters

Os três ensaios de Amós Oz reunidos no livro Mais de Uma Luz chegam em boa hora ao Brasil. Em meio ao nosso caos político, econômico e social, as palavras do escritor israelense de 78 anos vindas do outro lado do Atlântico se encaixam perfeitamente ao cotidiano conflituoso que vivemos. A identificação aparece já nas primeiras páginas. 

Em Caro Fanático, Oz apresenta um conceito que pode muito bem explicar o motivo de a população atualmente viver à procura por salvadores da pátria e sempre ter um inimigo número um de estimação: “Quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação os culpados por todos os nossos sofrimentos, respostas que nos assegurem de que, uma vez que eliminemos e exterminemos os malvados, imediatamente todos os nossos tormentos desaparecerão.”

O clima de incertezas, o pensamento binário, o nós contra eles é terreno fértil para o surgimento dos fanáticos, segundo Oz. E fanáticos não são apenas aqueles seguidores da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico. Esses são divulgados quase que diariamente nos jornais, são facilmente identificados e servem como exemplo para o autor demonstrar que não é um pacifista: “é preciso conter a agressão usando uma grande marreta, contanto que a marretada venha acompanhada de uma ideia atraente e convincente.” A intolerância, no entanto, está presente na sociedade muito antes do surgimento do islamismo, do cristianismo, do judaísmo ou de qualquer outro ismo. Oz define o fanático como aquele que não é capaz de conviver com o que é diferente, que não aceita uma voz discordante. 

Há graus distintos de fanatismo, é claro, e precisam ser escalonados e analisados com a complexidade que cada um exige. Seguir um tirano sanguinário é completamente diferente de idolatrar um popstar, obviamente. No entanto, Oz encontra um ponto em comum em todos os casos: a ânsia em abdicar da individualidade, de fazer parte de um grupo que viva de maneira igual e que imite os atos dos heróis de seu culto. 

A igreja, o partido político, o time de futebol, seja o que for. Pertencer a uma multidão, sob as asas de um herói é reconfortante. É também uma maneira de infantilizar multidões e tem sido utilizada em busca de poder e dinheiro. Por isso, Oz acredita que a fronteira entre a política e o entretenimento está se apagando. Nas eleições, segundo ele, é cada vez mais comum as pessoas buscarem candidatos que consigam emocioná-los ou diverti-los, enquanto deixam de lado a liberdade de pensar, de ponderar e de refletir sobre variantes de sua opção. 

O diálogo com o intuito de aguçar a curiosidade e a imaginação de um fanático é a forma proposta para tentar estabelecer vínculos. Oz relembra uma história do amigo e também escritor israelense Sami Michael para exemplificar. Durante uma longa viagem de carro, o motorista virou para Sami e disse que a única solução para os judeus viverem em paz era matando todos os árabes. O escritor, então, perguntou quem é que seria o responsável pelo extermínio. O motorista respondeu de maneira genérica que todos os judeus o fariam se fosse necessário. Sami insistiu de maneira mais específica e colocou o motorista na posição de assassino, com a incumbência de matar os árabes em um prédio dentro de seu bairro. E que, após cumprir o serviço, a caminho de casa, escutasse o choro de um bebê dentro daquele edifício: “O que fazer então? Voltar e atirar no bebê?” O motorista silenciou-se por um tempo e depois disse ao escritor: “O senhor é um homem muito cruel.” 

Em Luzes e [Não Só] Uma Luz, o autor analisa o judaísmo como cultura e não apenas como religião. Tenta mostrar as diferentes vertentes que existem dentro de uma mesma crença e apresenta um histórico contestador do israelense, que não poupa nem Deus de seus questionamentos. “Esse é o cerne anarquista. O gene anarquista cintila há milhares de anos na cultura de Israel. O que se quer é justiça. Exige-se justiça até mesmo do criador do mundo.” Segundo Oz, sua comunidade é um coro de muitas e diferentes vozes, uma orquestra com instrumentos variados, todos regidos num sistema de regras consensual.

Na tentativa de propor uma discussão de relacionamento de seu povo, sobram também alfinetadas para a Igreja Católica. O autor sustenta que os judeus estabelecem debates de igual para igual e que as decisões são estabelecidas pelo povo e “não por força de seu reconhecimento por cardeais que discutem entre si até sair uma fumaça branca.” 

No último texto Sonhos de que Israel Deve se Livrar Rapidamente, Oz se posiciona de maneira firme como ativista político e dá sua opinião sobre o conflito entre Israel e Palestina. Ele rebate a extrema direita sanguinária e a esquerda pacifista, que acredita em um estado binacional. Para ele, o único meio de começar a estabelecer a paz na região é com a criação de dois estados nacionais diferentes. “Não há outra saída senão dividir esta casa pequenina em duas residências ainda menores. Sim, um condomínio residencial para duas famílias. Se alguém, de um ou do outro lado da barricada israelense-palestina, disser: ‘esta é minha terra’ – ele terá razão.” 

*João Prata é jornalista

Capa do livro 'Mais de uma Luz', de Amós Oz 

Mais de Uma Luz Autor: Amós OzTradução: Paulo GeigerEditora: Companhia das Letras 136 páginas ​R$ 34,90

Escultura instalada em um complexo urbano construído em uma área ocupada por Israel na guerra de 1967, da qual o escritor Amós Oz participou Foto: Ammar Awad/Reuters

Os três ensaios de Amós Oz reunidos no livro Mais de Uma Luz chegam em boa hora ao Brasil. Em meio ao nosso caos político, econômico e social, as palavras do escritor israelense de 78 anos vindas do outro lado do Atlântico se encaixam perfeitamente ao cotidiano conflituoso que vivemos. A identificação aparece já nas primeiras páginas. 

Em Caro Fanático, Oz apresenta um conceito que pode muito bem explicar o motivo de a população atualmente viver à procura por salvadores da pátria e sempre ter um inimigo número um de estimação: “Quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação os culpados por todos os nossos sofrimentos, respostas que nos assegurem de que, uma vez que eliminemos e exterminemos os malvados, imediatamente todos os nossos tormentos desaparecerão.”

O clima de incertezas, o pensamento binário, o nós contra eles é terreno fértil para o surgimento dos fanáticos, segundo Oz. E fanáticos não são apenas aqueles seguidores da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico. Esses são divulgados quase que diariamente nos jornais, são facilmente identificados e servem como exemplo para o autor demonstrar que não é um pacifista: “é preciso conter a agressão usando uma grande marreta, contanto que a marretada venha acompanhada de uma ideia atraente e convincente.” A intolerância, no entanto, está presente na sociedade muito antes do surgimento do islamismo, do cristianismo, do judaísmo ou de qualquer outro ismo. Oz define o fanático como aquele que não é capaz de conviver com o que é diferente, que não aceita uma voz discordante. 

Há graus distintos de fanatismo, é claro, e precisam ser escalonados e analisados com a complexidade que cada um exige. Seguir um tirano sanguinário é completamente diferente de idolatrar um popstar, obviamente. No entanto, Oz encontra um ponto em comum em todos os casos: a ânsia em abdicar da individualidade, de fazer parte de um grupo que viva de maneira igual e que imite os atos dos heróis de seu culto. 

A igreja, o partido político, o time de futebol, seja o que for. Pertencer a uma multidão, sob as asas de um herói é reconfortante. É também uma maneira de infantilizar multidões e tem sido utilizada em busca de poder e dinheiro. Por isso, Oz acredita que a fronteira entre a política e o entretenimento está se apagando. Nas eleições, segundo ele, é cada vez mais comum as pessoas buscarem candidatos que consigam emocioná-los ou diverti-los, enquanto deixam de lado a liberdade de pensar, de ponderar e de refletir sobre variantes de sua opção. 

O diálogo com o intuito de aguçar a curiosidade e a imaginação de um fanático é a forma proposta para tentar estabelecer vínculos. Oz relembra uma história do amigo e também escritor israelense Sami Michael para exemplificar. Durante uma longa viagem de carro, o motorista virou para Sami e disse que a única solução para os judeus viverem em paz era matando todos os árabes. O escritor, então, perguntou quem é que seria o responsável pelo extermínio. O motorista respondeu de maneira genérica que todos os judeus o fariam se fosse necessário. Sami insistiu de maneira mais específica e colocou o motorista na posição de assassino, com a incumbência de matar os árabes em um prédio dentro de seu bairro. E que, após cumprir o serviço, a caminho de casa, escutasse o choro de um bebê dentro daquele edifício: “O que fazer então? Voltar e atirar no bebê?” O motorista silenciou-se por um tempo e depois disse ao escritor: “O senhor é um homem muito cruel.” 

Em Luzes e [Não Só] Uma Luz, o autor analisa o judaísmo como cultura e não apenas como religião. Tenta mostrar as diferentes vertentes que existem dentro de uma mesma crença e apresenta um histórico contestador do israelense, que não poupa nem Deus de seus questionamentos. “Esse é o cerne anarquista. O gene anarquista cintila há milhares de anos na cultura de Israel. O que se quer é justiça. Exige-se justiça até mesmo do criador do mundo.” Segundo Oz, sua comunidade é um coro de muitas e diferentes vozes, uma orquestra com instrumentos variados, todos regidos num sistema de regras consensual.

Na tentativa de propor uma discussão de relacionamento de seu povo, sobram também alfinetadas para a Igreja Católica. O autor sustenta que os judeus estabelecem debates de igual para igual e que as decisões são estabelecidas pelo povo e “não por força de seu reconhecimento por cardeais que discutem entre si até sair uma fumaça branca.” 

No último texto Sonhos de que Israel Deve se Livrar Rapidamente, Oz se posiciona de maneira firme como ativista político e dá sua opinião sobre o conflito entre Israel e Palestina. Ele rebate a extrema direita sanguinária e a esquerda pacifista, que acredita em um estado binacional. Para ele, o único meio de começar a estabelecer a paz na região é com a criação de dois estados nacionais diferentes. “Não há outra saída senão dividir esta casa pequenina em duas residências ainda menores. Sim, um condomínio residencial para duas famílias. Se alguém, de um ou do outro lado da barricada israelense-palestina, disser: ‘esta é minha terra’ – ele terá razão.” 

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Mais de Uma Luz Autor: Amós OzTradução: Paulo GeigerEditora: Companhia das Letras 136 páginas ​R$ 34,90

Escultura instalada em um complexo urbano construído em uma área ocupada por Israel na guerra de 1967, da qual o escritor Amós Oz participou Foto: Ammar Awad/Reuters

Os três ensaios de Amós Oz reunidos no livro Mais de Uma Luz chegam em boa hora ao Brasil. Em meio ao nosso caos político, econômico e social, as palavras do escritor israelense de 78 anos vindas do outro lado do Atlântico se encaixam perfeitamente ao cotidiano conflituoso que vivemos. A identificação aparece já nas primeiras páginas. 

Em Caro Fanático, Oz apresenta um conceito que pode muito bem explicar o motivo de a população atualmente viver à procura por salvadores da pátria e sempre ter um inimigo número um de estimação: “Quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação os culpados por todos os nossos sofrimentos, respostas que nos assegurem de que, uma vez que eliminemos e exterminemos os malvados, imediatamente todos os nossos tormentos desaparecerão.”

O clima de incertezas, o pensamento binário, o nós contra eles é terreno fértil para o surgimento dos fanáticos, segundo Oz. E fanáticos não são apenas aqueles seguidores da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico. Esses são divulgados quase que diariamente nos jornais, são facilmente identificados e servem como exemplo para o autor demonstrar que não é um pacifista: “é preciso conter a agressão usando uma grande marreta, contanto que a marretada venha acompanhada de uma ideia atraente e convincente.” A intolerância, no entanto, está presente na sociedade muito antes do surgimento do islamismo, do cristianismo, do judaísmo ou de qualquer outro ismo. Oz define o fanático como aquele que não é capaz de conviver com o que é diferente, que não aceita uma voz discordante. 

Há graus distintos de fanatismo, é claro, e precisam ser escalonados e analisados com a complexidade que cada um exige. Seguir um tirano sanguinário é completamente diferente de idolatrar um popstar, obviamente. No entanto, Oz encontra um ponto em comum em todos os casos: a ânsia em abdicar da individualidade, de fazer parte de um grupo que viva de maneira igual e que imite os atos dos heróis de seu culto. 

A igreja, o partido político, o time de futebol, seja o que for. Pertencer a uma multidão, sob as asas de um herói é reconfortante. É também uma maneira de infantilizar multidões e tem sido utilizada em busca de poder e dinheiro. Por isso, Oz acredita que a fronteira entre a política e o entretenimento está se apagando. Nas eleições, segundo ele, é cada vez mais comum as pessoas buscarem candidatos que consigam emocioná-los ou diverti-los, enquanto deixam de lado a liberdade de pensar, de ponderar e de refletir sobre variantes de sua opção. 

O diálogo com o intuito de aguçar a curiosidade e a imaginação de um fanático é a forma proposta para tentar estabelecer vínculos. Oz relembra uma história do amigo e também escritor israelense Sami Michael para exemplificar. Durante uma longa viagem de carro, o motorista virou para Sami e disse que a única solução para os judeus viverem em paz era matando todos os árabes. O escritor, então, perguntou quem é que seria o responsável pelo extermínio. O motorista respondeu de maneira genérica que todos os judeus o fariam se fosse necessário. Sami insistiu de maneira mais específica e colocou o motorista na posição de assassino, com a incumbência de matar os árabes em um prédio dentro de seu bairro. E que, após cumprir o serviço, a caminho de casa, escutasse o choro de um bebê dentro daquele edifício: “O que fazer então? Voltar e atirar no bebê?” O motorista silenciou-se por um tempo e depois disse ao escritor: “O senhor é um homem muito cruel.” 

Em Luzes e [Não Só] Uma Luz, o autor analisa o judaísmo como cultura e não apenas como religião. Tenta mostrar as diferentes vertentes que existem dentro de uma mesma crença e apresenta um histórico contestador do israelense, que não poupa nem Deus de seus questionamentos. “Esse é o cerne anarquista. O gene anarquista cintila há milhares de anos na cultura de Israel. O que se quer é justiça. Exige-se justiça até mesmo do criador do mundo.” Segundo Oz, sua comunidade é um coro de muitas e diferentes vozes, uma orquestra com instrumentos variados, todos regidos num sistema de regras consensual.

Na tentativa de propor uma discussão de relacionamento de seu povo, sobram também alfinetadas para a Igreja Católica. O autor sustenta que os judeus estabelecem debates de igual para igual e que as decisões são estabelecidas pelo povo e “não por força de seu reconhecimento por cardeais que discutem entre si até sair uma fumaça branca.” 

No último texto Sonhos de que Israel Deve se Livrar Rapidamente, Oz se posiciona de maneira firme como ativista político e dá sua opinião sobre o conflito entre Israel e Palestina. Ele rebate a extrema direita sanguinária e a esquerda pacifista, que acredita em um estado binacional. Para ele, o único meio de começar a estabelecer a paz na região é com a criação de dois estados nacionais diferentes. “Não há outra saída senão dividir esta casa pequenina em duas residências ainda menores. Sim, um condomínio residencial para duas famílias. Se alguém, de um ou do outro lado da barricada israelense-palestina, disser: ‘esta é minha terra’ – ele terá razão.” 

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Mais de Uma Luz Autor: Amós OzTradução: Paulo GeigerEditora: Companhia das Letras 136 páginas ​R$ 34,90

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