Manifesto lista mulheres artistas que foram eclipsadas pelos maridos


Camile Claudel, Gabriele Münter, Simone de Beauvoir e Elaine de Kooning estão entre as intelectuais injustiçadas

Por Dirce Waltrick do Amarante

A editora Urutau lançou este ano um breve manifesto, Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres que Sempre Foram Consideradas Menos Importantes que seus Maridos, assinado por Beatriz Calil e que apresenta uma lista de mulheres, todas atuantes no século 20, tão importantes quanto seus maridos ou companheiros, mas que acabaram obscurecidas por eles. 

Autorretrato de Gabriele Münter, uma das artistas citadas no livro Foto: Städtische Galerie

Alguns nomes da lista poderão suscitar certa dúvida, pois são mulheres amplamente conhecidas. É o caso de Simone de Beauvoir, mulher de Jean-Paul Sartre. Mas, segundo Beatriz Calil, é justamente nesse tipo de apresentação que reside o problema, pois, para identificarmos a escritora, parece ser preciso relacionar seu nome ao do filósofo francês. Sartre, por sua vez, não precisaria ser identificado como marido de Simone de Beauvoir, ele basta por si mesmo. 

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Desse modo, para a autora, o mérito dessas artistas está por vezes associado ao fato de terem sido companheiras de um grande homem. 

A autora conta casos curiosos como o de Lee Krasner e Elaine de Kooning, que assinavam as suas obras apenas com as iniciais de seus nomes para que elas não fossem julgadas com base no trabalho de seus maridos, os pintores Jackson Pollock e Willem de Kooning; ou o caso de Françoise Gilot que, embora tenha sido uma grande pintora, é conhecida não por seu mérito artístico, mas por ter sido a “musa de Picasso”. 

O livro traz à tona também histórias de mulheres que foram “vítimas” de seus companheiros. Cita como exemplo a biografia de Camille Claudel e de Zelda Fitzgerald. Ambas acusaram seus companheiros, Auguste Rodin e F. Scott Fitzgerald, de terem se apropriado de suas obras. Camille acusava Rodin de ter assinado algumas obras dela como se fossem suas; já Zelda afirmava que o marido teria plagiado partes de seu diário e suas cartas para compor seus romances. Coincidência ou não, ambas foram consideradas “loucas” e morreram em sanatórios. Camille, nas três décadas que permaneceu no hospício, foi proibida de se comunicar com o exterior; apenas o irmão a visitava. Será que temiam que ela voltasse a acusar Rodin? 

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Outra história destacada por Beatriz Calil é a da artista cubana radicada nos EUA Ana Mendieta, que foi companheira do artista minimalista Carl Andre e morreu ao cair do 34.° andar do apartamento que dividia com ele em Nova York. Andre foi acusado pela morte de Mendieta, mas acabou absolvido. A obra da artista cubana ainda não é devidamente conhecida e, muitas vezes, seu nome ganha mais destaque pela morte trágica do que pela ousadia de suas experimentações artísticas. 

Muitas mulheres salvaram literalmente a obra de seus companheiros. A pintora alemã Gabriele Münter escondeu dos nazistas não só as suas obras como também as pinturas de seu amante Kandinski, ato que a deixou mais famosa do que sua própria produção artística.

Alguns poderão considerar Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres... um livro radical ou ressentido, que coloca na conta dos homens o fato de algumas artistas mulheres não terem alcançado o reconhecimento de seus companheiros. Ou, talvez, o tema do livro seja visto como ultrapassado, pois, hoje em dia, muitas dessas mulheres já ganharam o devido destaque, ainda que sejam também conhecidas por terem sido companheiras de X e Y. 

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A essas possíveis recriminações soma-se o fato de o livro ter sido escrito por uma mulher, o que torna a sua recepção ainda mais complexa. Valeria lembrar um texto de 1942, de Virginia Woolf. Nele, a escritora afirma o quão difícil é para uma mulher deixar de lado as expectativas que se têm dela na hora de escrever, principalmente sobre homens ou sobre livros de homens: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane, use todas as artes e manhas do nosso sexo. Nunca deixe perceber que você tem opinião própria.” 

Para aqueles que acham que o texto de Woolf é ultrapassado, cabe recordar que, como diz a escritora nigeriana contemporânea Chimamanda Ngozi Adichie, “uma mulher não deve expressar raiva, porque a raiva ameaça”, e seu ressentimento deve “ferver em banho-maria”. 

Para mostrar a atualidade de sua pesquisa, ao final do livro, sua autora faz um levantamento do número de artistas homens e mulheres com exposições individuais e representados por galerias na cidade de São Paulo em 2017. A conclusão é que ainda hoje as mulheres seguem em desvantagem com relação aos homens, pelo menos na maior cidade brasileira e com a vida cultural mais ativa.  A capa e as imagens que compõem o livro apagam as figuras masculinas. Na capa, a foto de grupo de personalidades artísticas do século passado mostra que as mulheres eram (ainda são) minoria no meio. Nas imagens que ilustram o miolo do livro, as artistas citadas aparecem como protagonistas, já que seus companheiros são finalmente “apagados” de suas vidas.  *Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de 'Cenas do Teatro Moderno e Contemporâneo' (Iluminuras) 

A editora Urutau lançou este ano um breve manifesto, Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres que Sempre Foram Consideradas Menos Importantes que seus Maridos, assinado por Beatriz Calil e que apresenta uma lista de mulheres, todas atuantes no século 20, tão importantes quanto seus maridos ou companheiros, mas que acabaram obscurecidas por eles. 

Autorretrato de Gabriele Münter, uma das artistas citadas no livro Foto: Städtische Galerie

Alguns nomes da lista poderão suscitar certa dúvida, pois são mulheres amplamente conhecidas. É o caso de Simone de Beauvoir, mulher de Jean-Paul Sartre. Mas, segundo Beatriz Calil, é justamente nesse tipo de apresentação que reside o problema, pois, para identificarmos a escritora, parece ser preciso relacionar seu nome ao do filósofo francês. Sartre, por sua vez, não precisaria ser identificado como marido de Simone de Beauvoir, ele basta por si mesmo. 

Desse modo, para a autora, o mérito dessas artistas está por vezes associado ao fato de terem sido companheiras de um grande homem. 

A autora conta casos curiosos como o de Lee Krasner e Elaine de Kooning, que assinavam as suas obras apenas com as iniciais de seus nomes para que elas não fossem julgadas com base no trabalho de seus maridos, os pintores Jackson Pollock e Willem de Kooning; ou o caso de Françoise Gilot que, embora tenha sido uma grande pintora, é conhecida não por seu mérito artístico, mas por ter sido a “musa de Picasso”. 

O livro traz à tona também histórias de mulheres que foram “vítimas” de seus companheiros. Cita como exemplo a biografia de Camille Claudel e de Zelda Fitzgerald. Ambas acusaram seus companheiros, Auguste Rodin e F. Scott Fitzgerald, de terem se apropriado de suas obras. Camille acusava Rodin de ter assinado algumas obras dela como se fossem suas; já Zelda afirmava que o marido teria plagiado partes de seu diário e suas cartas para compor seus romances. Coincidência ou não, ambas foram consideradas “loucas” e morreram em sanatórios. Camille, nas três décadas que permaneceu no hospício, foi proibida de se comunicar com o exterior; apenas o irmão a visitava. Será que temiam que ela voltasse a acusar Rodin? 

Outra história destacada por Beatriz Calil é a da artista cubana radicada nos EUA Ana Mendieta, que foi companheira do artista minimalista Carl Andre e morreu ao cair do 34.° andar do apartamento que dividia com ele em Nova York. Andre foi acusado pela morte de Mendieta, mas acabou absolvido. A obra da artista cubana ainda não é devidamente conhecida e, muitas vezes, seu nome ganha mais destaque pela morte trágica do que pela ousadia de suas experimentações artísticas. 

Muitas mulheres salvaram literalmente a obra de seus companheiros. A pintora alemã Gabriele Münter escondeu dos nazistas não só as suas obras como também as pinturas de seu amante Kandinski, ato que a deixou mais famosa do que sua própria produção artística.

Alguns poderão considerar Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres... um livro radical ou ressentido, que coloca na conta dos homens o fato de algumas artistas mulheres não terem alcançado o reconhecimento de seus companheiros. Ou, talvez, o tema do livro seja visto como ultrapassado, pois, hoje em dia, muitas dessas mulheres já ganharam o devido destaque, ainda que sejam também conhecidas por terem sido companheiras de X e Y. 

A essas possíveis recriminações soma-se o fato de o livro ter sido escrito por uma mulher, o que torna a sua recepção ainda mais complexa. Valeria lembrar um texto de 1942, de Virginia Woolf. Nele, a escritora afirma o quão difícil é para uma mulher deixar de lado as expectativas que se têm dela na hora de escrever, principalmente sobre homens ou sobre livros de homens: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane, use todas as artes e manhas do nosso sexo. Nunca deixe perceber que você tem opinião própria.” 

Para aqueles que acham que o texto de Woolf é ultrapassado, cabe recordar que, como diz a escritora nigeriana contemporânea Chimamanda Ngozi Adichie, “uma mulher não deve expressar raiva, porque a raiva ameaça”, e seu ressentimento deve “ferver em banho-maria”. 

Para mostrar a atualidade de sua pesquisa, ao final do livro, sua autora faz um levantamento do número de artistas homens e mulheres com exposições individuais e representados por galerias na cidade de São Paulo em 2017. A conclusão é que ainda hoje as mulheres seguem em desvantagem com relação aos homens, pelo menos na maior cidade brasileira e com a vida cultural mais ativa.  A capa e as imagens que compõem o livro apagam as figuras masculinas. Na capa, a foto de grupo de personalidades artísticas do século passado mostra que as mulheres eram (ainda são) minoria no meio. Nas imagens que ilustram o miolo do livro, as artistas citadas aparecem como protagonistas, já que seus companheiros são finalmente “apagados” de suas vidas.  *Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de 'Cenas do Teatro Moderno e Contemporâneo' (Iluminuras) 

A editora Urutau lançou este ano um breve manifesto, Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres que Sempre Foram Consideradas Menos Importantes que seus Maridos, assinado por Beatriz Calil e que apresenta uma lista de mulheres, todas atuantes no século 20, tão importantes quanto seus maridos ou companheiros, mas que acabaram obscurecidas por eles. 

Autorretrato de Gabriele Münter, uma das artistas citadas no livro Foto: Städtische Galerie

Alguns nomes da lista poderão suscitar certa dúvida, pois são mulheres amplamente conhecidas. É o caso de Simone de Beauvoir, mulher de Jean-Paul Sartre. Mas, segundo Beatriz Calil, é justamente nesse tipo de apresentação que reside o problema, pois, para identificarmos a escritora, parece ser preciso relacionar seu nome ao do filósofo francês. Sartre, por sua vez, não precisaria ser identificado como marido de Simone de Beauvoir, ele basta por si mesmo. 

Desse modo, para a autora, o mérito dessas artistas está por vezes associado ao fato de terem sido companheiras de um grande homem. 

A autora conta casos curiosos como o de Lee Krasner e Elaine de Kooning, que assinavam as suas obras apenas com as iniciais de seus nomes para que elas não fossem julgadas com base no trabalho de seus maridos, os pintores Jackson Pollock e Willem de Kooning; ou o caso de Françoise Gilot que, embora tenha sido uma grande pintora, é conhecida não por seu mérito artístico, mas por ter sido a “musa de Picasso”. 

O livro traz à tona também histórias de mulheres que foram “vítimas” de seus companheiros. Cita como exemplo a biografia de Camille Claudel e de Zelda Fitzgerald. Ambas acusaram seus companheiros, Auguste Rodin e F. Scott Fitzgerald, de terem se apropriado de suas obras. Camille acusava Rodin de ter assinado algumas obras dela como se fossem suas; já Zelda afirmava que o marido teria plagiado partes de seu diário e suas cartas para compor seus romances. Coincidência ou não, ambas foram consideradas “loucas” e morreram em sanatórios. Camille, nas três décadas que permaneceu no hospício, foi proibida de se comunicar com o exterior; apenas o irmão a visitava. Será que temiam que ela voltasse a acusar Rodin? 

Outra história destacada por Beatriz Calil é a da artista cubana radicada nos EUA Ana Mendieta, que foi companheira do artista minimalista Carl Andre e morreu ao cair do 34.° andar do apartamento que dividia com ele em Nova York. Andre foi acusado pela morte de Mendieta, mas acabou absolvido. A obra da artista cubana ainda não é devidamente conhecida e, muitas vezes, seu nome ganha mais destaque pela morte trágica do que pela ousadia de suas experimentações artísticas. 

Muitas mulheres salvaram literalmente a obra de seus companheiros. A pintora alemã Gabriele Münter escondeu dos nazistas não só as suas obras como também as pinturas de seu amante Kandinski, ato que a deixou mais famosa do que sua própria produção artística.

Alguns poderão considerar Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres... um livro radical ou ressentido, que coloca na conta dos homens o fato de algumas artistas mulheres não terem alcançado o reconhecimento de seus companheiros. Ou, talvez, o tema do livro seja visto como ultrapassado, pois, hoje em dia, muitas dessas mulheres já ganharam o devido destaque, ainda que sejam também conhecidas por terem sido companheiras de X e Y. 

A essas possíveis recriminações soma-se o fato de o livro ter sido escrito por uma mulher, o que torna a sua recepção ainda mais complexa. Valeria lembrar um texto de 1942, de Virginia Woolf. Nele, a escritora afirma o quão difícil é para uma mulher deixar de lado as expectativas que se têm dela na hora de escrever, principalmente sobre homens ou sobre livros de homens: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane, use todas as artes e manhas do nosso sexo. Nunca deixe perceber que você tem opinião própria.” 

Para aqueles que acham que o texto de Woolf é ultrapassado, cabe recordar que, como diz a escritora nigeriana contemporânea Chimamanda Ngozi Adichie, “uma mulher não deve expressar raiva, porque a raiva ameaça”, e seu ressentimento deve “ferver em banho-maria”. 

Para mostrar a atualidade de sua pesquisa, ao final do livro, sua autora faz um levantamento do número de artistas homens e mulheres com exposições individuais e representados por galerias na cidade de São Paulo em 2017. A conclusão é que ainda hoje as mulheres seguem em desvantagem com relação aos homens, pelo menos na maior cidade brasileira e com a vida cultural mais ativa.  A capa e as imagens que compõem o livro apagam as figuras masculinas. Na capa, a foto de grupo de personalidades artísticas do século passado mostra que as mulheres eram (ainda são) minoria no meio. Nas imagens que ilustram o miolo do livro, as artistas citadas aparecem como protagonistas, já que seus companheiros são finalmente “apagados” de suas vidas.  *Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de 'Cenas do Teatro Moderno e Contemporâneo' (Iluminuras) 

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