Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Depois do susto de dois anos antes, estava em paz ali com meu pai, tudo calmo, silencioso


Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços

Por Marcelo Rubens Paiva

Quando minha família se mudou para o Rio, no verão de 1966, depois que meu pai voltou do exílio, a casa que alugaram no Leblon ainda estava em reforma. Como engenheiro, ele mesmo tocava a obra. E, como em casa de ferreiro espeto é de pau, a reforma se alongava.

Minha mãe e irmãs se espalharam por casas de amigos. Fiquei sozinho com ele no Hotel Glória, prédio neoclássico com teatro, o primeiro cinco-estrelas do Brasil, que chegou a abrigar um cassino, com o glamour da antiga Capital Federal. Nele, se hospedaram reis, rainhas, playboys e escroques

'À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela.' Foto: Irshaad Majal/peopleimages.com/Adobe Stock
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As aulas não tinham começado. Eu passava o dia sozinho pelos corredores. À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela. Subia e descia. Era lisa, branca, quente. Me sentia honrado e protegido por estar sozinho com ele.

Depois do susto do que aconteceu dois anos antes, de ficar sem poder sair, com seus amigos, de uma embaixada em Brasília, de perder o cargo de deputado federal, mudarmos de cidade repentinamente, eu de escola, estava em paz ali com ele, estava tudo tão calmo, silencioso.

No hotel, todos já me conheciam, cuidavam de mim. Eu tinha direito a comer o que quisesse e passava horas na piscina.

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Certa tarde, entediado, vi no meu andar um botão vermelho de emergência ao lado do elevador. A curiosidade foi mais forte. O botão pedia para ser pressionado. Tinha alertas e flechas ao seu redor. Solitário na parede. Apertei, só para ver no que ia dar, e ouvir como era.

Acontece que estourei o alarme do hotel e, por mais que eu apertasse de novo, ele não parava. Corri em pânico de volta para o quarto, ciente de que fizera algo muito errado. Me escondi debaixo da cama. Vi pela fresta da porta um corre-corre de hóspedes e funcionários.

Achei que, por algum motivo, estavam atrás de mim. Desconfiei que sabiam que era eu, aquele garoto, que tinha feito a molecagem. Demorou um tempo enorme e conseguiram desligar. A calmaria voltou. Acabei dormindo ali, debaixo da cama, sobre o grosso carpete.

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Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços para sair debaixo dali. Estava com a roupa de trabalho, ainda. Nem perguntou nada. Caímos junto na cama. O abracei.

O calor do seu corpo, sentir sua respiração, sua mão nas minhas costas, me deu a segurança de um escudo. Nunca me senti tão abrigado na vida. Quero muito que meus filhos sintam o que senti nesse dia. Quero que eles sintam isso todos os dias. Proteção com amor é o melhor calmante.

Quando minha família se mudou para o Rio, no verão de 1966, depois que meu pai voltou do exílio, a casa que alugaram no Leblon ainda estava em reforma. Como engenheiro, ele mesmo tocava a obra. E, como em casa de ferreiro espeto é de pau, a reforma se alongava.

Minha mãe e irmãs se espalharam por casas de amigos. Fiquei sozinho com ele no Hotel Glória, prédio neoclássico com teatro, o primeiro cinco-estrelas do Brasil, que chegou a abrigar um cassino, com o glamour da antiga Capital Federal. Nele, se hospedaram reis, rainhas, playboys e escroques

'À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela.' Foto: Irshaad Majal/peopleimages.com/Adobe Stock

As aulas não tinham começado. Eu passava o dia sozinho pelos corredores. À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela. Subia e descia. Era lisa, branca, quente. Me sentia honrado e protegido por estar sozinho com ele.

Depois do susto do que aconteceu dois anos antes, de ficar sem poder sair, com seus amigos, de uma embaixada em Brasília, de perder o cargo de deputado federal, mudarmos de cidade repentinamente, eu de escola, estava em paz ali com ele, estava tudo tão calmo, silencioso.

No hotel, todos já me conheciam, cuidavam de mim. Eu tinha direito a comer o que quisesse e passava horas na piscina.

Certa tarde, entediado, vi no meu andar um botão vermelho de emergência ao lado do elevador. A curiosidade foi mais forte. O botão pedia para ser pressionado. Tinha alertas e flechas ao seu redor. Solitário na parede. Apertei, só para ver no que ia dar, e ouvir como era.

Acontece que estourei o alarme do hotel e, por mais que eu apertasse de novo, ele não parava. Corri em pânico de volta para o quarto, ciente de que fizera algo muito errado. Me escondi debaixo da cama. Vi pela fresta da porta um corre-corre de hóspedes e funcionários.

Achei que, por algum motivo, estavam atrás de mim. Desconfiei que sabiam que era eu, aquele garoto, que tinha feito a molecagem. Demorou um tempo enorme e conseguiram desligar. A calmaria voltou. Acabei dormindo ali, debaixo da cama, sobre o grosso carpete.

Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços para sair debaixo dali. Estava com a roupa de trabalho, ainda. Nem perguntou nada. Caímos junto na cama. O abracei.

O calor do seu corpo, sentir sua respiração, sua mão nas minhas costas, me deu a segurança de um escudo. Nunca me senti tão abrigado na vida. Quero muito que meus filhos sintam o que senti nesse dia. Quero que eles sintam isso todos os dias. Proteção com amor é o melhor calmante.

Quando minha família se mudou para o Rio, no verão de 1966, depois que meu pai voltou do exílio, a casa que alugaram no Leblon ainda estava em reforma. Como engenheiro, ele mesmo tocava a obra. E, como em casa de ferreiro espeto é de pau, a reforma se alongava.

Minha mãe e irmãs se espalharam por casas de amigos. Fiquei sozinho com ele no Hotel Glória, prédio neoclássico com teatro, o primeiro cinco-estrelas do Brasil, que chegou a abrigar um cassino, com o glamour da antiga Capital Federal. Nele, se hospedaram reis, rainhas, playboys e escroques

'À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela.' Foto: Irshaad Majal/peopleimages.com/Adobe Stock

As aulas não tinham começado. Eu passava o dia sozinho pelos corredores. À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela. Subia e descia. Era lisa, branca, quente. Me sentia honrado e protegido por estar sozinho com ele.

Depois do susto do que aconteceu dois anos antes, de ficar sem poder sair, com seus amigos, de uma embaixada em Brasília, de perder o cargo de deputado federal, mudarmos de cidade repentinamente, eu de escola, estava em paz ali com ele, estava tudo tão calmo, silencioso.

No hotel, todos já me conheciam, cuidavam de mim. Eu tinha direito a comer o que quisesse e passava horas na piscina.

Certa tarde, entediado, vi no meu andar um botão vermelho de emergência ao lado do elevador. A curiosidade foi mais forte. O botão pedia para ser pressionado. Tinha alertas e flechas ao seu redor. Solitário na parede. Apertei, só para ver no que ia dar, e ouvir como era.

Acontece que estourei o alarme do hotel e, por mais que eu apertasse de novo, ele não parava. Corri em pânico de volta para o quarto, ciente de que fizera algo muito errado. Me escondi debaixo da cama. Vi pela fresta da porta um corre-corre de hóspedes e funcionários.

Achei que, por algum motivo, estavam atrás de mim. Desconfiei que sabiam que era eu, aquele garoto, que tinha feito a molecagem. Demorou um tempo enorme e conseguiram desligar. A calmaria voltou. Acabei dormindo ali, debaixo da cama, sobre o grosso carpete.

Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços para sair debaixo dali. Estava com a roupa de trabalho, ainda. Nem perguntou nada. Caímos junto na cama. O abracei.

O calor do seu corpo, sentir sua respiração, sua mão nas minhas costas, me deu a segurança de um escudo. Nunca me senti tão abrigado na vida. Quero muito que meus filhos sintam o que senti nesse dia. Quero que eles sintam isso todos os dias. Proteção com amor é o melhor calmante.

Quando minha família se mudou para o Rio, no verão de 1966, depois que meu pai voltou do exílio, a casa que alugaram no Leblon ainda estava em reforma. Como engenheiro, ele mesmo tocava a obra. E, como em casa de ferreiro espeto é de pau, a reforma se alongava.

Minha mãe e irmãs se espalharam por casas de amigos. Fiquei sozinho com ele no Hotel Glória, prédio neoclássico com teatro, o primeiro cinco-estrelas do Brasil, que chegou a abrigar um cassino, com o glamour da antiga Capital Federal. Nele, se hospedaram reis, rainhas, playboys e escroques

'À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela.' Foto: Irshaad Majal/peopleimages.com/Adobe Stock

As aulas não tinham começado. Eu passava o dia sozinho pelos corredores. À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela. Subia e descia. Era lisa, branca, quente. Me sentia honrado e protegido por estar sozinho com ele.

Depois do susto do que aconteceu dois anos antes, de ficar sem poder sair, com seus amigos, de uma embaixada em Brasília, de perder o cargo de deputado federal, mudarmos de cidade repentinamente, eu de escola, estava em paz ali com ele, estava tudo tão calmo, silencioso.

No hotel, todos já me conheciam, cuidavam de mim. Eu tinha direito a comer o que quisesse e passava horas na piscina.

Certa tarde, entediado, vi no meu andar um botão vermelho de emergência ao lado do elevador. A curiosidade foi mais forte. O botão pedia para ser pressionado. Tinha alertas e flechas ao seu redor. Solitário na parede. Apertei, só para ver no que ia dar, e ouvir como era.

Acontece que estourei o alarme do hotel e, por mais que eu apertasse de novo, ele não parava. Corri em pânico de volta para o quarto, ciente de que fizera algo muito errado. Me escondi debaixo da cama. Vi pela fresta da porta um corre-corre de hóspedes e funcionários.

Achei que, por algum motivo, estavam atrás de mim. Desconfiei que sabiam que era eu, aquele garoto, que tinha feito a molecagem. Demorou um tempo enorme e conseguiram desligar. A calmaria voltou. Acabei dormindo ali, debaixo da cama, sobre o grosso carpete.

Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços para sair debaixo dali. Estava com a roupa de trabalho, ainda. Nem perguntou nada. Caímos junto na cama. O abracei.

O calor do seu corpo, sentir sua respiração, sua mão nas minhas costas, me deu a segurança de um escudo. Nunca me senti tão abrigado na vida. Quero muito que meus filhos sintam o que senti nesse dia. Quero que eles sintam isso todos os dias. Proteção com amor é o melhor calmante.

Quando minha família se mudou para o Rio, no verão de 1966, depois que meu pai voltou do exílio, a casa que alugaram no Leblon ainda estava em reforma. Como engenheiro, ele mesmo tocava a obra. E, como em casa de ferreiro espeto é de pau, a reforma se alongava.

Minha mãe e irmãs se espalharam por casas de amigos. Fiquei sozinho com ele no Hotel Glória, prédio neoclássico com teatro, o primeiro cinco-estrelas do Brasil, que chegou a abrigar um cassino, com o glamour da antiga Capital Federal. Nele, se hospedaram reis, rainhas, playboys e escroques

'À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela.' Foto: Irshaad Majal/peopleimages.com/Adobe Stock

As aulas não tinham começado. Eu passava o dia sozinho pelos corredores. À noite, dormia com meu pai, na grande cama de casal. Via seu barrigão branco respirar. Era muito confortável deixar a cabeça nela. Subia e descia. Era lisa, branca, quente. Me sentia honrado e protegido por estar sozinho com ele.

Depois do susto do que aconteceu dois anos antes, de ficar sem poder sair, com seus amigos, de uma embaixada em Brasília, de perder o cargo de deputado federal, mudarmos de cidade repentinamente, eu de escola, estava em paz ali com ele, estava tudo tão calmo, silencioso.

No hotel, todos já me conheciam, cuidavam de mim. Eu tinha direito a comer o que quisesse e passava horas na piscina.

Certa tarde, entediado, vi no meu andar um botão vermelho de emergência ao lado do elevador. A curiosidade foi mais forte. O botão pedia para ser pressionado. Tinha alertas e flechas ao seu redor. Solitário na parede. Apertei, só para ver no que ia dar, e ouvir como era.

Acontece que estourei o alarme do hotel e, por mais que eu apertasse de novo, ele não parava. Corri em pânico de volta para o quarto, ciente de que fizera algo muito errado. Me escondi debaixo da cama. Vi pela fresta da porta um corre-corre de hóspedes e funcionários.

Achei que, por algum motivo, estavam atrás de mim. Desconfiei que sabiam que era eu, aquele garoto, que tinha feito a molecagem. Demorou um tempo enorme e conseguiram desligar. A calmaria voltou. Acabei dormindo ali, debaixo da cama, sobre o grosso carpete.

Que alegria me deu quando, muito mais tarde, vi meu pai ajoelhado, me olhando, me oferecendo os braços para sair debaixo dali. Estava com a roupa de trabalho, ainda. Nem perguntou nada. Caímos junto na cama. O abracei.

O calor do seu corpo, sentir sua respiração, sua mão nas minhas costas, me deu a segurança de um escudo. Nunca me senti tão abrigado na vida. Quero muito que meus filhos sintam o que senti nesse dia. Quero que eles sintam isso todos os dias. Proteção com amor é o melhor calmante.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva

É escritor, dramaturgo e autor de 'Feliz Ano Velho', entre outros

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