Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Livraria Cultura viveu o sonho do livro para as massas


Loja nasceu justamente depois do pós-guerra como uma biblioteca circulante de livros estrangeiros

Por Marcelo Rubens Paiva

A história da livraria Cultura se confunde com a história do País. Nasceu justamente depois do pós-guerra como uma biblioteca circulante de livros estrangeiros. Ideia da filha de imigrantes judeus da Alemanha, Eva Herz, que fugiu do nazismo que queimava livros.

Quando a Rua Augusta era o polo da moda paulistana, ela se mudou para o Conjunto Nacional e passou a vender livros brasileiros com um novo sócio, o filho Pedro, de onde se expandiu, ganhou carisma, viveu o período conturbado da ditadura, censura, perseguições, exílio.

Logo virou ponto de encontro e descontentamento de acadêmicos, escritores, jornalistas, poetas que se reuniam aos sábados para vislumbrar a volta da democracia e o fim da censura. Pedro parecia um homem fechado, de poucas palavras, mas nada disso: era sério, revoltado e obsessivo, porém amigável. Queria popularizar o livro. Queria que as pessoas de um país com baixo índice de leitura lessem.

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Loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

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Atravessou como todo empreendedor as diversas crises de uma economia caótica. A inflação comia os sonhos pelas bordas, inviabilizava o mercado editorial. Então, veio o milagre. Na redemocratização, o conhecimento, ou melhor, o livro se tornou objeto de consumo.

Coleções como Primeiros Passos e Cantadas Literárias explodiram nas vendas. Editoras correram atrás do atraso e publicaram enfim livros antes censurados. Veio o fenômeno da autoajuda. Veio o barateamento da editoração e, enfim, o Plano Real.

Com o dólar barato, a pequena livraria se expandiu. Lançar livro nela era sinal de prestígio. As noites de autógrafo eram concorridas, filas imensas. Por vezes tinham três lançamentos no mesmo dia.

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Ocuparam o espaço em frente do gigantesco Cine Astor. Passou a ter três andares numa arquitetura belíssima com um teatro (Eva Herz), café, ala infantil. Não cabia em si. Entrou no e-commerce. Ocupou outros espaços do Conjunto Nacional: uma loja apenas para livros da Companhia das Letras, do Instituto Moreira Salles, outra para livros de línguas, outra para o público geek, e a antiga loja para livros de arte. Chegou a administrar as duas salas de cinema abaixo, o antigo Cinearte.

O consumo desenfreado da estabilização da economia levou a inauguração de shoppings. E cada um tinha de ter uma livraria, a essa altura chamada de megastore. Abriram uma filial espetacular no Recife Velho, e não satisfeitos, abriram tempos depois outra na cidade. Abriram no Rio, Porto Alegre, lojas gigantes, com o conceito de tornar o espaço de venda de livro um passeio familiar. Passou a ter 15 lojas.

A ambição deu um passo em areia movediça. Vieram a Amazon, Submarino, o e-book, o dólar alto e a desorganização do Estado. Grandes redes de livraria faliram, como Siciliano, Saraiva, Fnac, e lá fora a Barnes & Noble americana, e a Waterstones inglesa, que chegou a ter 283 lojas.

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A regra do mercado mudou. As grandes quebravam, as pequenas cresciam. Uma era se foi. É difícil fazer negócios no Brasil. É difícil planejar, atrever. Alguns apontam a ambição desmedida do grupo. Mas em todo sonho tem a intervenção de delírios. Seria maravilhoso se a expansão desse certo. Ninguém torceu contra. Porém, vivemos o milênio de grandes transformações.

A história da livraria Cultura se confunde com a história do País. Nasceu justamente depois do pós-guerra como uma biblioteca circulante de livros estrangeiros. Ideia da filha de imigrantes judeus da Alemanha, Eva Herz, que fugiu do nazismo que queimava livros.

Quando a Rua Augusta era o polo da moda paulistana, ela se mudou para o Conjunto Nacional e passou a vender livros brasileiros com um novo sócio, o filho Pedro, de onde se expandiu, ganhou carisma, viveu o período conturbado da ditadura, censura, perseguições, exílio.

Logo virou ponto de encontro e descontentamento de acadêmicos, escritores, jornalistas, poetas que se reuniam aos sábados para vislumbrar a volta da democracia e o fim da censura. Pedro parecia um homem fechado, de poucas palavras, mas nada disso: era sério, revoltado e obsessivo, porém amigável. Queria popularizar o livro. Queria que as pessoas de um país com baixo índice de leitura lessem.

Loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Atravessou como todo empreendedor as diversas crises de uma economia caótica. A inflação comia os sonhos pelas bordas, inviabilizava o mercado editorial. Então, veio o milagre. Na redemocratização, o conhecimento, ou melhor, o livro se tornou objeto de consumo.

Coleções como Primeiros Passos e Cantadas Literárias explodiram nas vendas. Editoras correram atrás do atraso e publicaram enfim livros antes censurados. Veio o fenômeno da autoajuda. Veio o barateamento da editoração e, enfim, o Plano Real.

Com o dólar barato, a pequena livraria se expandiu. Lançar livro nela era sinal de prestígio. As noites de autógrafo eram concorridas, filas imensas. Por vezes tinham três lançamentos no mesmo dia.

Ocuparam o espaço em frente do gigantesco Cine Astor. Passou a ter três andares numa arquitetura belíssima com um teatro (Eva Herz), café, ala infantil. Não cabia em si. Entrou no e-commerce. Ocupou outros espaços do Conjunto Nacional: uma loja apenas para livros da Companhia das Letras, do Instituto Moreira Salles, outra para livros de línguas, outra para o público geek, e a antiga loja para livros de arte. Chegou a administrar as duas salas de cinema abaixo, o antigo Cinearte.

O consumo desenfreado da estabilização da economia levou a inauguração de shoppings. E cada um tinha de ter uma livraria, a essa altura chamada de megastore. Abriram uma filial espetacular no Recife Velho, e não satisfeitos, abriram tempos depois outra na cidade. Abriram no Rio, Porto Alegre, lojas gigantes, com o conceito de tornar o espaço de venda de livro um passeio familiar. Passou a ter 15 lojas.

A ambição deu um passo em areia movediça. Vieram a Amazon, Submarino, o e-book, o dólar alto e a desorganização do Estado. Grandes redes de livraria faliram, como Siciliano, Saraiva, Fnac, e lá fora a Barnes & Noble americana, e a Waterstones inglesa, que chegou a ter 283 lojas.

A regra do mercado mudou. As grandes quebravam, as pequenas cresciam. Uma era se foi. É difícil fazer negócios no Brasil. É difícil planejar, atrever. Alguns apontam a ambição desmedida do grupo. Mas em todo sonho tem a intervenção de delírios. Seria maravilhoso se a expansão desse certo. Ninguém torceu contra. Porém, vivemos o milênio de grandes transformações.

A história da livraria Cultura se confunde com a história do País. Nasceu justamente depois do pós-guerra como uma biblioteca circulante de livros estrangeiros. Ideia da filha de imigrantes judeus da Alemanha, Eva Herz, que fugiu do nazismo que queimava livros.

Quando a Rua Augusta era o polo da moda paulistana, ela se mudou para o Conjunto Nacional e passou a vender livros brasileiros com um novo sócio, o filho Pedro, de onde se expandiu, ganhou carisma, viveu o período conturbado da ditadura, censura, perseguições, exílio.

Logo virou ponto de encontro e descontentamento de acadêmicos, escritores, jornalistas, poetas que se reuniam aos sábados para vislumbrar a volta da democracia e o fim da censura. Pedro parecia um homem fechado, de poucas palavras, mas nada disso: era sério, revoltado e obsessivo, porém amigável. Queria popularizar o livro. Queria que as pessoas de um país com baixo índice de leitura lessem.

Loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Atravessou como todo empreendedor as diversas crises de uma economia caótica. A inflação comia os sonhos pelas bordas, inviabilizava o mercado editorial. Então, veio o milagre. Na redemocratização, o conhecimento, ou melhor, o livro se tornou objeto de consumo.

Coleções como Primeiros Passos e Cantadas Literárias explodiram nas vendas. Editoras correram atrás do atraso e publicaram enfim livros antes censurados. Veio o fenômeno da autoajuda. Veio o barateamento da editoração e, enfim, o Plano Real.

Com o dólar barato, a pequena livraria se expandiu. Lançar livro nela era sinal de prestígio. As noites de autógrafo eram concorridas, filas imensas. Por vezes tinham três lançamentos no mesmo dia.

Ocuparam o espaço em frente do gigantesco Cine Astor. Passou a ter três andares numa arquitetura belíssima com um teatro (Eva Herz), café, ala infantil. Não cabia em si. Entrou no e-commerce. Ocupou outros espaços do Conjunto Nacional: uma loja apenas para livros da Companhia das Letras, do Instituto Moreira Salles, outra para livros de línguas, outra para o público geek, e a antiga loja para livros de arte. Chegou a administrar as duas salas de cinema abaixo, o antigo Cinearte.

O consumo desenfreado da estabilização da economia levou a inauguração de shoppings. E cada um tinha de ter uma livraria, a essa altura chamada de megastore. Abriram uma filial espetacular no Recife Velho, e não satisfeitos, abriram tempos depois outra na cidade. Abriram no Rio, Porto Alegre, lojas gigantes, com o conceito de tornar o espaço de venda de livro um passeio familiar. Passou a ter 15 lojas.

A ambição deu um passo em areia movediça. Vieram a Amazon, Submarino, o e-book, o dólar alto e a desorganização do Estado. Grandes redes de livraria faliram, como Siciliano, Saraiva, Fnac, e lá fora a Barnes & Noble americana, e a Waterstones inglesa, que chegou a ter 283 lojas.

A regra do mercado mudou. As grandes quebravam, as pequenas cresciam. Uma era se foi. É difícil fazer negócios no Brasil. É difícil planejar, atrever. Alguns apontam a ambição desmedida do grupo. Mas em todo sonho tem a intervenção de delírios. Seria maravilhoso se a expansão desse certo. Ninguém torceu contra. Porém, vivemos o milênio de grandes transformações.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva

É escritor, dramaturgo e autor de 'Feliz Ano Velho', entre outros

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