Minha vida, infelizmente, sempre foi com mais transtornos do que planejei. Quando pensei que encerrava meu ciclo de textos em que tragédias pessoais e familiares estavam na premissa, me vejo novamente no topo de um vulcão. Queria escrever sobre o novo sofá de quatro lugares reclinável do Palácio da Alvorada. Os ocupantes têm de votar sobre quantos graus o encosto deve ficar?
Mas Lula... Ele representa o governo com traumas recentes em mexer em feridas da ditadura militar. Porém, o Estado é construído pelos traumas e tem o dever de relembrar suas mazelas, não temer.
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Dilma abriu o debate do que aconteceu e de quem foram os agentes de crimes cometidos durante os anos de chumbo. Os anteriores, Tancredo, Sarney, Collor, FHC e Lula, homens, governaram pisando em ovos, sob o pacto invisível de não desagradar a setores que, na República, demonstraram não ter pudor em apontar a espada ou o canhão para derrubar um governo constitucional.
Lula, surpreendentemente, depois de tudo pelo que passou, logo ele, perseguido e preso durante a ditadura, não recebeu em seu terceiro mandato a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos, enrolou para recriá-la, determinou que órgãos do governo silenciassem sobre os 60 anos do Golpe de 64 e engavetou um projeto do seu ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, o Museu da Verdade.
O presidente diz que a ditadura “faz parte da história”. Manifestantes pedindo intervenção militar, com cartazes escritos AI-5, camisetas com o rosto do torturador Brilhante Ustra, ou a frase “Ustra Vive”, não são história. A dor e o sofrimento de quem teve um familiar torturado, morto, desaparecido não são história. Autoridades públicas exaltando a repressão do regime militar, inclusive a tortura, a censura de livros, exposições, perseguição e morte de jornalistas, como Dom Phillips, não são história.
Os abusos da PM paulista na operação na Baixada Santista, o caso Amarildo, Marielle e Anderson, a absolvição de militares que mataram o músico Evaldo, a herança de uma sociedade escravocrata, o genocídio indígena, não são história, mas efeitos da impunidade do passado, de uma sociedade violenta e da falta de memória e covardia de quem deveria liderar.
A tentativa do golpe de 8 de janeiro não teria acontecido se não varrêssemos para debaixo do tapete a tragédia brasileira. Não é apenas por conta de militares legalistas que o Brasil tem uma democracia resguardada, é pelo passado de que ainda não nos esquecemos, inclusive a Comissão Nacional da Verdade, mas que futuras gerações podem achar que é história.