Essa é uma daquelas histórias inacreditáveis de sobrevivência. A história de Thomas Geve, uma criança destinada a morrer como tantas outras durante o Holocausto, mas que, por força própria, inteligência e sagacidade, sorte, ternura e pela bondade de algumas pessoas que cruzaram seu caminho, suportou o inimaginável. Essa história, porém, vai além dos testemunhos de quem viu e viveu o horror.
Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, Thomas reencontrou seu pai em Londres. Médico, ele tinha conseguido deixar a Alemanha em 1939 e estava organizando a ida da mulher e do filho.
Hitler, porém, foi mais rápido em seu projeto de extermínio dos judeus, e os dois embarcaram em um dos últimos trens saídos de Berlim, em junho de 1943, rumo ao desconhecido. Sobreviveram às primeiras seleções, separam-se. Thomas tinha 12 anos. Foi admitido como adulto. E escravizado.
Quando, então, em 1945, o garoto reencontra o pai, ele mostra um conjunto de 80 desenhos extremamente detalhados sobre a rotina no campo.
Thomas tinha urgência em colocar no papel tudo o que tinha registrado na memória – algo que já tinha feito antes e que ficou perdido, costurado em seu colchão de Auschwitz. Esses desenhos, feitos no verso de pequenos cartões que os nazistas deixaram para trás na libertação dos campos de concentração (Thomas passou por três), enquanto ele recuperava a saúde, ainda em Buchenwald, estão em O Menino Que Desenhou Auschwitz.
O livro, de 2021 e que chega agora ao Brasil, é uma versão revista e ampliada de dois outros títulos do autor, hoje com 94 anos. Juventude Acorrentada foi escrito em 1947 e só lançado em 1958. Um jornalista que tentou ajudá-lo ouviu de editores que o menino não era “nenhum Picasso”. A verdade é que ninguém queria saber dessas histórias depois de tantos anos de guerra (hoje, a literatura do Holocausto é amplamente valorizada historicamente e comercialmente). O segundo livro, Armas e Arames Farpados, saiu em 1987.
É uma pena que ele não fale tanto sobre os desenhos em si. Passei as quase 300 páginas esperando por isso. Mas trata-se de uma obra que ajuda a contar, pelo olhar de uma criança (depois elaborado), um dos capítulos mais tristes da nossa história – e que traz assuntos pouco abordados, como a violência sexual nos campos e a Alte Judenrampe, um desvio ferroviário onde desembarcaram mais de 600 mil judeus. Foi ali que ele se separou da mãe. A cena do breve encontro dos dois, depois de muito tempo, é comovente. “Consegui roubar um beijo”, ele escreve. Ela não voltou da guerra.
O Menino Que Desenhou Auschwitz
Uma Poderosa História Real de Esperança & Sobreviência
Autor: Thomas Geve
Editora: Alta Life (304 págs., R$ 73,90 R$ 55,90 o e-book)