Há quase uma década, Flávio Izhaki escreveu um livro bonito sobre o fim – da vida, das relações: Amanhã Não Tem Ninguém (Rocco). De uma certa forma, ele volta ao tema agora com Movimento 78. Mas são notícias do fim do mundo que ele nos traz. Do fim da vida como a conhecemos.
Na história, o brasileiro Seiji Kubo é visto como a última possibilidade de um mundo governado por humanos. Num tempo intitulado como o último terço do século 21, ele está cara a cara com o seu opositor, uma inteligência artificial chamada Beethoven, num debate acompanhado por toda a humanidade. Quando o encontro começa, apenas 6% das pessoas acham que humanos devem comandar o mundo sem ajuda de inteligência artificial.
Tudo ali é decidido com base em dados, na repercussão que aquilo – seja uma gravata ou uma ideia – tem na audiência. Kubo prefere abrir mão dessas informações; diz que vai falar “com o coração das pessoas”. Ouve do avatar que o acompanha que da última vez em que ele disse isso a aceitação foi de 11%. Ele fala mesmo assim. E então ouve do outro candidato que “isso é muito século 20”. Ele sabe que tem muito a perder, sabe o que está em jogo, e segue com sua estratégia.
Movimento 78 vai e volta no tempo, com três momentos-chave: 2019, 2023 e esse futuro (já presente) do fim do século. A primeira cena, porém reconstitui um episódio que assombra todos na abertura da Copa do Mundo em 2026. Logo na sequência, somos então apresentados a Seiji, que “parecia alguém que não tinha mais lugar naquele mundo”, mas que acredita que a extinção ou não da humanidade depende daquela eleição que ele disputa. Depende dele, e de todos nós. Ou dependia. Porque as escolhas já foram feitas – no nível individual, por cada um de nós e nas mais diferentes áreas da nossa vida, e no público. A tecnologia que criamos nos aprisiona. Vai nos dominar?
A conversa entre Seiji e a inteligência artificial é interessante. “O que aconteceu aqui foi dominação, exploração do homem pelo homem e do homem para com todo o resto”, diz Beethoven. Seiji defende a memória, a história, a emoção.
O debate é intercalado por capítulos sobre uma importante escolha do pai em 2019, amedrontado, induzido a cortar o mal que ainda nem existia pela raiz. Tudo em nome do filho pequeno, para ter mais tempo com ele. E também por flashs da mãe, que assume, em alguns momentos, a narração. Tem inteligência artificial, jogo de go e futebol, arte, métricas, algoritmos, lembranças afetivas. O mundo que construímos e destruímos. O mundo em que nossos filhos vão viver. Ou não.
Movimento 78 Autor: Flávio Izhaki Editora: Companhia das Letras (184 págs.; R$ 69,90; R$ 39,90 o e-book)