O escritor israelense David Grossman, em entrevista ao Estadão alguns anos atrás, comparou a adolescência a um longo e escuro túnel onde entramos ainda meio crianças e do qual sairemos sabe-se lá como. Ele falava sobre o tema de O Livro da Gramática Interior, que já apareceu aqui na coluna.
Mais recentemente, outra escritora, israelense por coincidência, também em entrevista ao jornal, disse que é perturbadora a ideia de não sabermos o que se passa dentro dos nossos filhos. Ayelet Gundar-Goshen, que é terapeuta, estava lançando o romance Outro Lugar, sobre uma mãe que desconfia que seu filho pode ter matado o colega de escola. Ao entrar na adolescência, ele se fechou. Poderia ter passado de vítima de bullying a agressor? Na conversa, ela contou que, por meio da ficção, quis explorar questões relacionadas à paternidade atual – conhecemos realmente nossos filhos e queremos mesmo conhecê-los?
“Confiança e um bom vínculo são construídos na infância, mas nunca é tarde para começar”, escreve a psicóloga Gilce Velasco no livro Senta e Conversa: 121 Questões e Conflitos da Adolescência, de 2020. Pensei em escrever sobre ele algumas vezes – durante a pandemia, na saída do isolamento. Para essa geração que entrou no túnel da adolescência durante o confinamento, o prejuízo foi grande.
Volto a ele agora, quando famílias temem novos ataques a escolas, ou seja, uma ameaça externa, e quando especialistas alertam para um olhar cuidadoso para a saúde mental – também como forma de prevenção da violência.
Neste sentido, para pais que querem, sim, conhecer seus filhos, para os que já se esqueceram dos problemas dessa fase e os minimizam, para os que andam desatualizados ou apenas querem ampliar as possibilidades de diálogo, Senta e Conversa é um convite e pode ser um apoio – também para educadores.
Trata-se de um guia que chama a atenção para uma vasta lista de assuntos, grandes ou pequenos, que podem dar origem a problemas muito graves se ignorados. Essas questões – que vão de aspectos gerais da adolescência a desafios emocionais e comportamentais (de risco, inclusive), a saúde metal e a vida na era digital – são apresentadas por meio de verbetes. Está tudo lá: corpo, gênero, sexualidade, depressão, anorexia, drogas, bullying, automutilação, luto, suicídio, nomofobia (aquele medo de se separar do celular). Mais do que sugerir abordagens, o livro defende a necessidade de dialogar, de restaurar uma conexão interrompida – e isso passa por ouvir o outro “com todos os sentidos”. Acolhendo.
Senta e Conversa
121 Questões e Conflitos da Adolescência
Textos e ilustrações: Gilce Velasco
Editora: Faz História (272 págs.; R$ 72; à venda na Livraria da Vila e da Travessa)